quarta-feira, 11 de março de 2009

Everybody Say Yo! Gê is back on the house!

Praticamente retirado da balada há algumas temporadas, salvo eventos especiais, saí na noite portoalegrina na última sexta, intimado por Neném, que tinha combinado com colegas de trabalho comemorar a entrada em férias da chefe. Queriam sair pra dançar, disse, e aí pensei cá comigo: bah, mas em Porto Alegre? Onde? Tem Pulp? Acho que não. No Beco, onde o cara tem de enfrentar fila? Na boa, sou velho demais pra isso – aliás, sempre fui, mas na adolescência o cara se submete, pois parece que se não se está presente àquela festa o mundo vai acabar! Algum birosca nova lá na low city? Mais uma a insistir no filão desgastado da MPB padrão e no samba rock, na certa. E o pior: além disso, só sobram opções para patys e maurícios, ao que tudo indica, os verdadeiros donos da (pobre) noite da cidade. "Não, hoje tem a reinauguração do Gê Powers, ali na Venâncio", me esclareceu a Nêga. Ah, bom, então tem jogo!

Localizado no final da Avenida, um pouco antes da esquina com a José do Patrocínio, quase em frente ao Dusk, num lugar onde já funcionaram trocentos negócios diferentes – num desses, tive de sair fugido certa vez, depois de um amigo meu socar um traficante -, num espaço que hoje é ocupado por um pub na maior parte do tempo, o veterano DJ, profundo conhecedor da música negra dançante e um dos poucos na cidade a saber o real significado do termo ‘groove’, tem novo endereço fixo pras suas manobras, depois da antiga sede do GP ter servido de palco involuntário para um tiroteio com vítima fatal. Tempos depois, ocupou o espaço do antigo clube Carinhoso, ali em frente, mas era uma coisa meio incerta, esporádica.

A nova casa, não de todo do DJ e seu povo – como Gê Powers, funciona apenas às quintas, sextas e sábados – não é espaçosa como a anterior (na verdade, é bem menor), podendo tornar-se um lugar abafado se a temperatura externa estiver muito elevada (felizmente não era o caso na última sexta) ou a casa estiver lotada (também não era o caso): não há ventiladores (ainda, acredito) e o ar-condicionado é insuficiente. O bar, entretanto, garante o refresco: após uma Coca Cola geladíssima, daquelas que alisam a garganta, Skol e Polar (as melhores) vêm também na temperatura ideal, e pra quem não gosta da ‘loira’ há opções de coquetéis suficientes. E dr. Gê continua afiado nas picapes.

É bem verdade que, quando adentramos o salão, o cidadão coloca pra rodar uma Vanessa da Mata, o que não ajuda muito (mas o cara sabe o que faz, a mulherada gosta) e as duas próximas (não lembro quais foram) vão na mesma balada, MPB moderninha/samba-rock/rap nacional, mas logo, logo começa a despejar os grooves clássicos: Commodores, James Brown, Kool & The Gang, Earth, Wind & Fire dos bons, clássicos da disco, a ‘melô do James Brown’ do Tom Tom Club (‘Genius of Love’), até chegar na malandragem nacional: Jair e seu proto-rap ‘Deixa Isso Pra Lá’ (com direito àquela tradicional "coreografia manual" por parte das meninas), ’16 Toneladas’ na voz peculiaríssima do Noriel Vilela, ... Dessa vez, não teve ‘Aquele Abraço’ na versão original, nem Sly nem Michael Jackson (com ou sem os irmãos), mas não deu pra reclamar, até porque Gê, o soberano da pista, sabe ser humilde: quando lhe pergunto se tem ‘Atomic Dog’, do George Clinton, imagino que vai dizer não só pra manter o domínio total das ações (todo DJ é meio enjoado, até os amadores como eu) ou me prometer que vai rodar e "esquecer'. Acontece o contrário: abre um sorrisão e diz "claro, essa é das boas", e em questão de poucos minutos a levada eletrônica do dr. Funkenstein já tá fazendo estrago no assoalho. (Uma meia hora depois, enquanto o cara tá fazendo o seu intervalinho, me encontra no corredor, faz o sinal de polegar direito levantado e garante "daqui a pouco eu volto com as nossas". Além de tudo, o negão é gente boa. Salve, Simpatia!).

No referido intervalo feito por mestre Gê, assume um DJ branquelo e a qualidade cai bastante: agora, o que domina é o hip-hop moderninho, efeêmico, que predomina nas rádios comerciais, nas paradas e nas MTVs da vida. Tudo muito parecido, sem personalidade, em que se percebe claramente a mão de um produtor por trás da coisa e não a identidade do artista (ainda sou do tempo de Run DMC, Public Enemy, Ultramagnetic MC’s, LL Cool J, De La Soul, e mais recentemente Outkast). Num dado momento, me interesso pela levada venenosa de uma música cantada por uma mulher que não sei quem é. É a linha de baixo mais nervosa que ouço em anos, ofusca a própria canção. Neném pergunta para o DJ o que é. "A nova da Beyoncé", responde o cara, pra minha surpresa, que imaginava que pra funcionar, a moça dependia exclusivamente da imagem (do seu derrière, principalmente). Pelo jeito, seus atributos musicais são escassos mesmo. Felizmente, o set do branquelo não dura muito e Mr. Gê volta pra animar a festa.

Depois de umas 2 horas e meia balançando o esqueleto, hora de ir pra casa. O novo Gê Powers, mesmo que não tenha a mística da antiga casa da José do Patrocínio, mantém a dignidade. A lamentar apenas uma parcela da clientela da casa – ínfima, felizmente –, disposta a fazer pose de ‘superbad’ ('A wanna be a gangster, thinking he’s a wise guy ...', como diz aquela música dos Chili Peppers). Um sujeitinho com pinta de pseudo-rapper (boné virado pra trás, tenisinho de skatista, roupas largas) resolve dar o seu arzinho, encarando as meninas da nossa turma. Como o negócio tava ostensivo demais, o namorado da chefe da Neném vai ter com o rapaz, dizendo o que o idiota na verdade já sabe, que aquelas mulheres estão acompanhadas. O sujeitinho responde que o amigo não manda nele, que ele olha pra quem quiser e, ao final do discurso, cúmulo da falta de noção, ainda faz a ameaça: "se tão acompanhadas, melhor pegar na mão, porque se não eu vou chegar". Ao que o amigo responde, com outra ameaça: "vaza, se não vou te quebrar a cara"! Claro que o infeliz tava acompanhado de fortões que, imagina ele, lhe garantiriam a retaguarda, mas felizmente perceberam que o otário tava querendo aparecer e não valia a pena comprar a briga de alguém tão insignificante. (Fiquei pensando o que leva um sujeito arriscar-se a tomar uma surra por nada em um local público por conta de uma ideia totalmente descabida, e também o que leva alguém tão obviamente panaca a imaginar que aquelas garotas, que além de "casadas", possuem todas curso superior completo, possam dar assunto para um tipinho como aquele. Anyway, ...)

De qualquer maneira, os grooves de Mestre Gê e o clima de people communion/black community fazem valer a pena uma passada no lugar. Na pobre (paupérrima, miserável, indigente) noite portoalegrina, GP não é pouca coisa, não.




Tem George Clinton aí? É pra já!

2 comentários:

  1. " pseudo-rapper"
    Muito bom! Na mosca!
    Tava bala.
    Até a próxima.
    Ricardo

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  2. Se a democracia por vezes (quase sempre, infelizmente) nivela por baixo, aquele clima de total falta de cerimônia do local também nos obriga a ter de conviver eventualmente com esses tipinhos aos quais parece faltar as mais elementares noções de educação - e não acontece só lá: nos cinemas da cidade (inclusive nas salas alternativas) tá cheio de gente comportando-se bovinamente. É dose. Pelo menos dá pra rir da cara do indivíduo cada vez que me lembro dele, com aquele ridículo bonezinho virado pra trás e a cara de panaca, louco pra chamar a atenção. Podemos juntar aquela galera de novo e ir numa 'Pulp' qualquer hora dessas, que é diversão garantida. Abraço, meu velho, pra ti e pra todos que tavam lá!

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