sexta-feira, 27 de março de 2009

Doces melodias, versos nem tanto


Quando se fala nos grandes compositores da música pop entre o final dos anos 70 e início dos 80, quais os nomes que imediatamente vêm à cabeça? Com certeza, Morrissey e sua eterna amargura, Ian McCulloch, que sonhou um dia em compor “a melhor canção de todos os tempos” e quase chegou lá com ‘The Killing Moon’, Michael Stipe e seus versos enigmáticos, Mark E. Smith (The Fall) e suas imagens surpreendentes, as neuroses do americano médio nas canções de David Byrne, a crônica do baixo mundo de Marc Almond (Soft Cell), o abismo sem fim do suicida Ian Curtis – e ainda tem Robert Smith, Elvis Costello, Paul Weller, Sting, Kevin Rowland (Dexy’s Midnight Runners), Bono, ... Cada um à sua maneira deu uma contribuição relevante à ‘jukebox’ daquele período. Do inglês PADDY McALOON, poucos se lembram.

Sua banda, o PREFAB SPROUT, teve um álbum lançado aqui à época – aliás, um não, ‘o’ álbum: ‘Steve McQueen’, de 1985 (aqui chamado ‘Two Wheels Good’, conforme o título que recebeu nos EUA por conta da negativa da família do falecido ator pro uso do nome), segundo da carreira do grupo. No Brasil, foi parte de um pacote chamado “New Rock Collection”, que tinha uma enorme tarja amarela “decorando” os LP’s, e do qual pouca coisa valia a pena: o Big Audio Dynamite, do ex-Clash Mick Jones, o Lone Justice de Maria McKee e o R.E.M. (aportando então no Brasil via ‘Fables of Reconstitution’, seu terceiro álbum). ‘Steve McQueen’/’Two Wheels Good’ é daqueles álbuns com inequívoca vocação cult, por conta da sofisticação (e simplicidade) dos arranjos, da feliz combinação de elementos da soul music (dá de chinelo no Style Council de Paul Weller), do country e até leves tinturas jazzísticas, além da beleza das melodias, remetendo ao melhor do cancioneiro popular americano (de Cole Porter a Burt Bacharah, passando pelo rei da Broadway Stephen Sondheim). Mas o filé mesmo são as letras de McAloon.

O cara é mestre em colocar no papel toda a espécie de sentimentos (por vezes contraditórios) e situações (no mais das vezes desagradáveis) que rondam os relacionamentos amororos. Sua canção mais conhecida mundo afora – não quer dizer que tenha se tornado um hit fora da Inglaterra, muito pelo contrário, embora tenha chamado a atenção do mercado americano ao som do grupo – é a balada corta-coração ‘When Love Breaks Down’, responsável também pela melhor interpretação de Paddy, lembrando – no tom de arrebatamento, óbvio, porque nos recursos vocais seria cruel a comparação – seu ídolo Marvin Gaye. O curioso é que a canção precisou ser lançada quatro vezes em single na Grã-Bretanha pra finalmente estourar. Dá uma sacada nos versos:

My love and I, we work well together
But often we're apart
Absence makes the heart lose weight, yeah,
Till love breaks down, love breaks down

Oh my, oh my, have you seen the weather
The sweet September rain
Rain on me like no other
Until I drown, until I drown

When love breaks down
The things you do
To stop the truth from hurting you

When love breaks down
The lies we tell,
They only serve to fool ourselves
...

My love and I, we are boxing clever
She'll never crowd me out
Fall be free as old confetti
And paint the town, paint the town
...

When love breaks down
You join the wrecks
Who leave their hearts for easy sex
When love breaks down
When love breaks down
”.

Outra ótima canção é ‘Appetite’, sobre o desejo e a dificuldade de controlá-lo:

Please be careful is never careful
Till it hears the gun
She will always pay the bills
For the having big fun
He talks so well, what can you do,
It's pretty plain he means it too
I don't want to sell you lines,
I only mean to do you right
But I'm a simple slave of appetite,
I'm a poor slave of appetite

Hunger howls, hungers red,
Hungers stays till it's fed
Then it some h-h-how fades,
Then it somehow leaves your sight
Depending on it's appetite,
Depending on your appetite

So if you take - Then put back good
If you steal - be Robin Hood
If your eyes are wanting all you see
Then I think I'll name you after me
I think I'll call you appetite

Here she is with two small problems
And the best part of the blame
Wishes she could call him heartache
But it's not a boy's name

If you grow up to be, just like him, just like me
You're fighting for exclusive rights,
For honeymoons each sleepless night
In which case I'll call you appetite
Yes I think I'll call you appetite


Sobre a incapacidade de alguns em se manterem fiéis a alguém e as tentativas de se justificar, ‘Horsin’ Around’:

It's me again your worthless friend or foe
I somehow let that lovely creature down
Horsin' around, horsin' around
Some things we check and double check and lose
I guess I let that little vow get lost
Forgettin' the cost, forgettin' the cost

Quick to forgive and so slow to blame, the very thought fills me with shame
But that didn't stop it happening

The thrill of it - can I call it that ? - was cheap
And feeling cheap's the only thing you keep
It's so unsightly to walk from her arms so lightly
Selling it all up the swanee

Horsin' around's a serious business, last thing you'd want somebody to witness
I was the fool who always presumed that I'd wear the shoes and you'd be the doormat
You wonder why my hands are still shaking : In need of a cry the shoulders are taken...

I deserve to be kicked so badly
You deserve more than I sold you for
Horsin' around, horsin' around

The moral is whatever else you learn
You shouldn't let that lovely creature down
Lord just blind me, don't let her innocent eyes remind me
Selling it all up the swanee
Horsin' around, horsin' around


E sobre as mancadas que se dá e o consequente arrependimento, ‘Bonny’:

I spend the days with my vanity
I'm lost in heaven and I'm lost to earth
Didn't give you minutes not even moments
All my life in a tower of foil
Shaded feelings, I don't believe you

When you were there before my eyes
No one planned it took it for granted

I count the hours since you slipped away
I count the hours that I lie awake
I count the minutes and the seconds too
All I stole and I took from you
But Bonny don't live at home, he don't live at home
Words don't hold you, broken soldiers
...

All my silence and my strained respect
Missed chances and the same regrets
Kiss the thief and you save the rest
All my insights from retrospect
But Bonny's not coming home, he don't live at home
Save your speeches, flowers are for funerals


Patrick Joseph McAloon nasceu em 7 de junho de 1957 em Newcastle, Inglaterra, e formou o Prefab Sprout em 1977, onde canta, toca guitarra e teclados, dois anos após largar a escola, com seu irmão caçula Martin no baixo, Neil Conti na bateria e Wendy Smith na guitarra e também vocais. O nome estranho tem até hoje origem controversa: a mais frequente história contada por Paddy dizia que interpretou errado um verso da canção ‘Jackson’, de Lee Hazelwood, “hotter than the pepper sprout”, mas outras tantas circularam. O primeiro single do grupo, de 1982, já mostrava qual era (é) a do Prefab: ‘Lions in My Own Garden’ foi escrita para a então namorada de McAloon, que o deixou para estudar francês em Limoges (‘Lions In My Own GardEn’, sacou?). Com a boa recepção e o apoio de gente como o lendário DJ John Peel da Radio One da BBC, o compacto, que era independente, foi relançado por uma major um ano depois, e a ele seguiu-se ‘The Devil Has All the Best Tunes’. O álbum de estreia, ‘Swoon’, é de 84, seguido pelo clássico ‘Steve McQueen’/’Two Wheels God’ no ano seguinte. Os demais discos são ‘From Langley Park to Memphis’ (1988, traz o maior hit do grupo, ‘King of Rock’n’Roll’, 7º lugar na parada britânica), ‘Protest Songs’ (1989), ‘Jordan: The Comeback’ (1990, enorme sucesso no Reino Unido), ‘Andromeda Heights’ (1997, o único além de ‘Two Wheels ...’ lançado no Brasil e o primeiro após um breve período em que Paddy chegou a anunciar o fim da banda) e ‘The Gunman and Other Stories’ (2001), além das compilações ‘The Best of PS: A Life of Surprises’ (1992), ‘38 Carat Collection’ (1999), ‘The Collection’ (2001) e ‘Kings of Rock’N’Roll: The Best of ...’ (2007). Paddy tem também um álbum-solo, o elegiado ‘I Trawl the Megahertz’, lançado em 2003, cujas canções, curiosamente, foram compostas cinco anos antes. É possível que o cara tenha reduzido o ritmo de trabalho depois de ter sido diagnosticada uma grave e progressiva doença que afeta sua retina – Paddy hoje está praticamente cego. De qualquer maneira, sua banda se encontra em estúdio, preparando um novo álbum que deve sair no próximo verão no hemisfério norte. O título, provisório, é ‘Let’s Change the World With Music’. Pra quem já conhece a banda, uma ótima opção pra ir matando a saudade enquanto as novas canções de Paddy não saem, é a reedição (só lá fora, óbvio) de ‘Steve McQueen’ remasterizado e com um disco bônus, que traz oito das músicas do clássico da banda em versões acústicas. Música pop com esta tem de ser, pra flanar nas nuvens, ainda que muitas vezes a motivação das letras seja o inferno vivido no amor.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Versinhos bacanas (12)

And Jesus was a Sailor
When he walked upon the water
And he spent a long time watching
From his lonely wooden tower
And when he knew for certain
Only drowning men could see him


(Suzanne, Leonard Cohen, our man. Esta canção, mais ‘Winter Lady’ e ‘Sisters of Mercy’, todas do álbum de estreia do poeta canadense, de 1969, foram utilizadas dois anos depois por ROBERT ALTMAN no seu peculiar western ‘McCABE & Mrs. MILLER’ – no Brasil, ‘JOGOS E TRAPAÇAS’ –, melancólica crônica da morte anunciada de um perdedor.)

Frases e diálogos inesquecíveis (12)


"Lawyers should never marry other lawyers. This is called inbreeding, from which comes idiot children and more lawyers."

(David Wayne, o pianista Kip Lurie, vizinho do casal de advogados Adam e Amanda Bonner, vivido por SPENCER TRACY e KATHERINE HEPBURN em 'A COSTELA DE ADÃO', do mestre GEORGE CUCKOR. Sexto dos nove filmes que a dupla protagonizou em 25 anos de parceria dentro e fora das telas, a clássica comédia sobre a aterna guerra dos sexos, com diálogos brilhantes de Ruth Gordon e Garson Kanin, traz uma advogada e um promotor que trabalham num mesmo caso em lados opostos: ela defende e ele acusa uma mulher que atirou no marido ao pegá-lo com a amante.)

Paradão (25 e 26/03/2009)

Teenage Wildflife (David Bowie)
How Do You Sleep? (John Lennon)
On the Beach (Neil Young)
Wildflowers (Tom Petty)
Blank Generation (Richard Hell & The Voidoids)
Thick As Thieves (The Jam)
Future Days (Can)
Zen (John Cale)
Ballad of Thin Man (Bob Dylan)
Sisters of Mercy (Leonard Cohen)
Alison (Elvis Costello)
Milk Me (Johnny Thunders & The Heartbreakers)
New Rose (Damned)
Weissensee (Neu!)

Eu e meu brinquedo (4) - Sidney Lumet

"A primeira decisão, claro, foi se iria fazer o filme. Não sei como os outros diretores decidem. Decido de modo completamente instintivo, quase sempre após uma única leitura. Isto já produziu filmes muito bons e muito ruins. Mas é assim que eu sempre fiz e agora estou muito velho para mudar. Não analiso um roteiro quando o leio pela primeira vez. Deixo apenas que ele me envolva. Às vezes, acontece com um livro. Li 'Prince of the City' em forma de livro e vi que queria desesperadamente fazer dele um filme. Também procuro me certificar de que tenho tempo para ler um roteiro de uma vez só. Um roteiro pode dar uma sensação muito diferente se a leitura for interrompida, mesmo que por meia hora. O filme final será visto sem interrupções; então por que a primeira leitura do roteiro deve ser de modo diferente?"

(Em 'Fazendo Filmes', o veterano SIDNEY LUMET esmiúça passo a passo a atividade de diretor, que ele define como "o melhor trabalho do mundo" - "O Roteiro: os escritores são necessários?", "Estilo: a palavra mais impropriamente usada depois de amor", "A Câmera: sua melhor amiga", "Copiões: a agonia e o êxtase" são alguns dos capítulos.)

quarta-feira, 25 de março de 2009

Um dia numa locadora perto de você (3) – Sidney Lumet


O norte-americano Sidney Lumet, que em 25 de junho próximo completa 85 anos de idade, é, entre os cineastas do primeiro time, seguramente um dos mais velhos em atividade, o que não quer dizer que sua obra carregue as marcas do tempo, muito pelo contrário. Não só os filmes mais antigos envelheceram bem, como no presente seu trabalho ainda demonstra grande vigor, como no recém-lançado em DVD ‘Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto’, um dos melhores filmes que passaram pelas salas brasileiras no ano passado. Desde a estréia, com ‘12 Homens e Uma Sentença’, um dos mais clássicos filmes de tribunal americanos já feitos – coisa que americano adora e Lumet sabe fazer muito bem -, construiu uma carreira sólida, e embora nunca tenha sido reconhecido como um cineasta de vanguarda, renovador da linguagem ou coisa parecida (o que de fato não é), obteve desde o início da carreira prestígio de público e crítica, que reconhecem sua integridade, a unidade temática de sua obra – personagens em situações-limite, enfrentando o (um) sistema (que lhes é amplamente desfavorável) ou defrontando-se com questões éticas importantes – e a forma segura, ágil e consistente como conta suas histórias. Normal pra quem vem de uma família teatral – ele mesmo estudou artes cênicas e atuou em peças da Broadway ainda criança e criou e dirigiu um grupo off-Broadway após voltar da Guerra, em 1946 – e antes do cinema trabalhou na TV. Estranhamente, Lumet tem poucos hits de sua cinquentenária carreira disponíveis por aqui – basicamente o citado ’12 Homens’ e ‘Um Dia de Cão’. Dois dos seus filmes mais populares – e contundentes – estão inexplicavelmente ausentes desde sempre nas prateleiras de DVDs das lojas e locadoras brasileiras (embora tenham sido lançados em VHS).

SERPICO, de 1973, traz Al Pacino no papel-título, um ano após despontar para o estrelado com ‘O Poderoso Chefão’. É baseado numa história real, a de um policial novaiorquino honesto que se insurge contra a corrupção ao mesmo tempo em que mantém outras convicções que igualmente lhe trazem problemas junto aos colegas: o sujeito é filho legítimo da contracultura (?!), vive e frequenta a boemia do Village, mantém os cabelos compridos e o barbão que lhe tapa a cara, e, pecado dos pecados, é ligado a gente de orientação esquerdista. Serpico ainda é adepto da não-violência (?!?!), e quando depara-se com os colegas levando bola do crime organizado resolve abrir a boca – aos chefes imediatos, inicialmente. Estes, previsivelmente, não levam adiante as denúncias, e como a hostilidade dos colegas pro lado do nosso herói só cresce, sua saúde e seu relacionamento com a noiva vão se complicando. Uma luz surge quando Serpico conhece um inspetor de polícia que se interessa por sua cruzada moral, mas quando o tira é transferido para a delegacia de narcóticos, o clima de antipatia a ele é geral, culminando com uma batida em um laboratório pra confecção de heroína, onde ... contar o resto seria bancar o estraga-prazeres.

Difícil dizer qual o maior trunfo do filme. Tem-se mais uma vez a direção segura e o ritmo preciso de Lumet, mais um grande momento de um excelente e carismático ator, pronto para firmar-se como um dos grandes de sua geração – e ainda por cima um sujeito que é a cara do cidadão comum criado nas ruas de sua cidade natal –, as filmagens em locação que dão um tom extra de realismo, quase documental, à obra, a crônica da corrupção das instituições especialmente em um período conturbado da história americana – claro que muito da repercussão do filme vem do fato de que as revelações do caso Watergate haviam sido feitas apenas alguns meses antes de seu lançamento. O Frank Serpico de Pacino rendeu ao ator sua segunda indicação seguida ao Oscar de melhor ator – no ano anterior, concorrera pelo Michael Corleone do primeiro ‘Chefão’ -, mas o cara só seria premiado nos anos 90, com ‘Perfume de Mulher’. O filme, por sua vez, inspiraria uma série televisiva homônima, lançada em 1976 nos EUA – foi sucesso no Brasil também. (Na verdade, todas as séries policiais americanas de TV que vieram logo depois, de Baretta a Columbo, tem um quê de ‘Serpico’.)

REDE DE INTRIGAS ('Network', 1976) é figurinha fácil nos cursos de jornalismo – claro, o tema é a grande mídia e seus absurdos. Uma sátira arrasadora ao cotidiano de um telejornal de uma grande rede de TV, em que os personagens principais estão quase todos à beira da loucura: tudo começa quando o âncora, o veterano Howard Beale (Peter Finch, na interpretação de sua vida), é demitido em razão da baixa audiência do noticioso e também de sua idade – comanda o jornal há 25 anos. O apresentador, que ainda tem duas semanas no ar pra cumprir, no programa seguinte anuncia à audiência que por conta da dispensa vai suicidar-se ao vivo com um tiro na cabeça em um dos próximos programas. Imediatamente é comunicado pela direção da emissora que não haverá próximo programa, mas seu amigo de longa data e diretor do núcleo de jornalismo da emissora, Max Schumacher (William Holden), o único que parece ser minimamente ponderado naquele universo insano, convence a direção a deixar Howard ir ao ar uma última vez, pra se retratar e poder ter, enfim, uma saída digna. Mas o que faz Max então? Volta ao ar ainda mais alucinado pra dizer como a vida é uma merda – ele repete o palavrão várias vezes, algo impensável na televisão americana até hoje –, que perdeu sua paciência e termina por declarar que “eu simplesmente esgotei o meu papo furado”. Aí, então, se dá o mais inusitado (ou não, levando-se em consideração a atmosfera surreal do negócio): como o manifesto do velho apresentador rendeu repercussão tão instantânea quanto astronômica, os caras decidem não só mantê-lo no ar, revogando a demissão, como explorar essa sua veia, digamos, crítica. No programa seguinte, ele resolve dizer que está de saco cheio e conclama a audiência a demonstrar também sua inconformidade: “vão até a janela e gritem, o mais alto que puderem: eu estou furioso e não vou mais aceitar isso!” - uma das mais conhecidas frases do cinema americano dos anos 1970, ao lado da manjada “você está falando comigo?” imortalizada pelo Travis Bickle feito por Robert De Niro em ‘Taxi Driver’, lançado coincidentemente no mesmo ano, e que acabou consagrando-se como um bordão popular desde então.

Mas quem pensa que a insanidade para por aí, se engana: a personagem mais fora da casinha da película é a executiva Diana (Faye Dunaway, no auge da carreira), maníaca por números e a principal figura da emissora a defender a ideia do noticiário ser tratado como um show, e que passa a tratar Beale como “o profeta louco das ondas aéreas”. Seus olhos brilham quando fala sobre seus planos estapafúrdios para a emissora: num dado momento, passa a ter um caso com Max, sujeito íntegro, jornalista da velha guarda compromissado com certos valores básicos do bom jornalismo, exatamente o oposto de Diana, que é tão monotemática e obcecada que até quando vai pra cama com o tiozinho fala de trabalho e índices de audiência, chegando ao orgasmo no exato momento em que discorre ao amante sobre o novo programa que tem em mente, “A Hora de Mao Tse-Tung” (?!?!?!?!?!), em uma das sequências mais marcantes do filme. Os atores são um capítulo à parte, por sinal: Faye e Peter Finch levaram os prêmios principais da Academia, Beatrice Straight (como a mulher abandonada por Max em prol da jovem e ambiciosa executiva), o Oscar de coadjuvante, mas o citado William Holden, mais Robert Duvall (como o chefão da emissora) e Ned Beatty (o chairman do grupo que controla a United Broadcast System - UBS) também brilham. ‘Rede de Intrigas’ foi indicado a dez Oscars, e além dos citados prêmios pro trio de atores, levou ainda o de melhor roteiro original pra Paddy Chayefsky. Ainda sobre os citados Oscars de interpretação, um dado curioso: antes de Heath Ledger, laureado este ano pelo Coringa de ‘O Cavaleiro das Trevas’, Peter Finch foi o único ator a ser premiado postumamente pela Academia. O ator londrino morreu apenas dois meses antes da cerimônia de entrega, vítima de um ataque cardíaco, aos 60 anos de idade.

Da obra de Lumet, vale citar ainda os aclamados ‘O Homem do Prego’ e ‘Limite de Segurança’ (ambos de 1964 – confesso que não vi nenhum), ‘O Encontro’ (1969, idem) e ‘O Golpe de John Anderson’ (ótimo thriller com Sean Connery e Martin Balsam) e ‘O Veredito’ (1982, com Paul Newman, outro clássico filme de tribunal, com roteiro de David Mamet), também desprezados pelas distribuidoras brasucas. Já ‘Longa Jornada Noite Adentro’ (1962), adaptação do clássico teatral ganhador do Pulitzer de Eugene O’Neil, com Katherine Hepburn, Ralph Richardson e um Jason Robards em início de carreira, teve mais sorte por aqui, e é um belo trabalho, mantendo a contundência do texto, um doloroso acerto de contas de uma família disfuncional (inspirado na própria família de O’Neil), embora ressinta-se um pouco da origem: é teatro filmado explícito. Lumet escreveu um livro bacana sobre a prática cinematográfica, ‘Fazendo Filmes’, lançado no Brasil em 1998 pela editora Rocco, leitura prazerozíssima não só pra profissionais da área e estudiosos, mas pra quem se interessa pelo processo de realizar filmes, passo a passo, contado de forma divertida e envolvente. Atualmente, o cineasta trabalha em ‘Getting Out’, thriller sobre um presidiário à beira do desequilíbrio (mais um) às voltas com jogos mortais envolvendo o psiquiatra da prisão e a mulher que ama, que deve ser lançado ainda este ano.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Versinhos bacanas (11)

"Mother, mother
There's too many of you crying
Brother, brother, brother
There's far too many of you dying
You know we've got to find a way
To bring some lovin' here today - Ya

Father, father
We don't need to escalate
You see, war is not the answer
For only love can conquer hate
You know we've got to find a way
To bring some lovin' here today

Picket lines and picket signs
Don't punish me with brutality
Talk to me, so you can see
Oh, what's going on
What's going on
Ya, what's going on
Ah, what's going on

In the mean time
Right on, baby
Right on
Right on

Father, father, everybody thinks we're wrong
Oh, but who are they to judge us
Simply because our hair is long
Oh, you know we've got to find a way
To bring some understanding here today
Oh

Picket lines and picket signs
Don't punish me with brutality
Talk to me
So you can see
What's going on
Ya, what's going on
Tell me what's going on
I'll tell you what's going on - Uh

Right on baby
Right on baby
"

('What's Goin' On', de Marvin Gaye, é um pedaço da história.)

Quem quer ser milionário (e entrar de vez pra confraria de Hollywood, tornar-se ‘nome quente’ da indústria e levar um monte de Oscars pra casa)?

Danny Boyle, sem dúvida. O diretor inglês, responsável por alguns filmes divertidos na década passada – ‘Cova Rasa’ (1994), ‘Trainspotting’ (1996), este considerado por alguns, com uma boa dose de exagero, "o filme britânico mais importante dos anos 90" -, ao que parece sempre sonhou em se tornar um nome viável na maior indústria de cinema do mundo. Com os trabalhos citados, provou ser um contador de histórias competente, responsável por um bom filme de suspense (o primeiro) e de uma abordagem um tanto superficial do universo junkie (o segundo), cujos principais interesses deviam-se às referências pop (filme-citação por excelência, 'Trainspotting' teve destrinchadas as origens de várias de suas sequências pela revista americana Details à época do lançamento nos EUA), à trilha sonora bacana (Iggy, Lou Reed, Primal Scream, Leftfield, Pulp, ...) e aos personagens, engraçados e carismáticos. Por conta do êxito doméstico, recebeu o inevitável convite pra trabalhar em Hollywood, mas não teve muita sorte – o bobinho ‘Por Uma Vida Menos Ordinária’ e o aborrecido ‘A Praia’ não causaram maior repercussão (merecidamente, diga-se de passagem). No retorno à Grã- Bretanha, voltou a conviver com o sucesso por conta do apocalíptico ‘Extermínio’, de ‘Caiu do Céu’ (uma espécie de nova visita ao tema de ‘Cova Rasa’ – a cobiça e suas implicações morais – , só que transposta para o universo infantil), e da ficção científica ‘Sunshine – Alerta Solar’. Encorajou-se então a tentar Hollywood de novo e parece que agora se deu bem de vez: adaptando o bestseller ‘Sua Resposta Vale Um Bilhão’, de Vikas Swarup, levantou oito Oscars na última cerimônia de entrega do prêmio, tornando-se um dos 15 maiores ganhadores da octogenária história da premiação e o vice-campeão da década (três a menos que ‘O Senhor dos Anéis – O retorno do Rei’, de 2003, recordista histórico ao lado de ‘Ben Hur’ e ‘Titanic’), pra surpresa de muita gente, que não tinha mais o diretor como um possível nome quente em Hollywood. Mas cá entre nós, não era tão difícil assim de prever o resultado. ‘Quem Quer Ser um Milionário?’ é claramente programado pra isso.

A história dos irmãos Salim e Jamal e da amiga Latika, que sobrevivem a uma chacina em sua favela e vão enfrentar as agruras das ruas de Mumbai comove, sem dúvida. Fica-se de coração na mão a cada episódio vivido pelo trio, que irá se separar e se reencontrar mais de uma vez ao longo de uma aparentemente interminável via-crúcis, cuja esperança de desafogo surge para Jamal, o protagonista do filme, quase que acidentalmente no programa televisivo de perguntas e respostas que promete uma fortuna a seu vencedor. Mas a maneira como Boyle leva adiante este enredo de percalços, tragédias, perseverança – e uma colossal dose de sorte – é que é problemática. As referências utilizadas por ele são as mais manjadas possíveis: falou-se muito em ‘Cidade de Deus’, em função da fotografia em cores quentes (a periferia bem fotografada), do dilema dos protagonistas (um escolhe manter-se íntegro, o outro não hesita em abraçar o crime), no uso ostensivo da trilha sonora pop (saem o samba-soul de Tim Maia, Hyldon e Melodia, o funk de James Brown e o samba de raiz de mestre Cartola para a entrada do batidão eletrônico exuberante, com farta munição étnica, e que, mesmo sendo cool - todas as trilhas dos filmes de Boyle são, repito -, cada vez que surge nos alto-falantes atordoa o espectador de uma tal maneira e com uma tão exagerada intenção de chamar da atenção para si que só o ‘Olga’ havia conseguido até hoje), e até no detalhe da galinha correndo em meio à perseguição na favela, mas não é só no mais bem sucedido filme de gângsteres saído do cinema terceiro mundista que o diretor inglês vai buscar sua “inspiração”. Da já nem tão recente onda de filmes asiáticos, ele pega emprestado o tom sentimental (e a perspectiva das crianças) dos filmes iranianos (que por sua vez tomaram emprestado este foco do neo-realismo italiano), a câmera frenética dos filmes de ação de Hong Kong, Taiwan, China e Japão, e o resto ele chupa de Bollywood mesmo – o flerte com a indústria que mais produz filmes no mundo, além do multiculturalismo por ora em voga, é jogada ensaiada do diretor e seus (novos) chefões hollyoodianos. (Voltando a ‘Cidade de Deus’, o curioso é que quando concorreu ao prêmio de filme estrangeiro há poucos anos, o que se disse à época é que era violento demais pra sensibilizar os integrantes mais conservadores da Academia; ‘Quem Quer Ser um Milionário?’ é quase tão violento quanto – mas como o final, bem ao gosto dos melodramas hollywoodianos, aponta para uma saída, foi mais fácil convencer os caras, decerto. E a culpa do primeiro mundo em relação ao terceiro, de certa forma, acaba sendo diluída.)

Mas o pior de tudo mesmo é que a narrativa jamais convence. Muito já se falou sobre a questão da verossimilhança no cinema: para boa parte dos espectadores comuns, um valor em si – "Ah, não! Eu não gosto de filmes em que acontecem coisas impossíveis (ou pouco prováveis)!"; para cinéfilos experientes, a ideia de que um filme no mais das vezes equivale a um sonho e não a um recorte da realidade, tendo muito mais a ver com o imaginário do realizador – basta ver o caso de Hitchcock: por anos a fio desconsiderado pela crítica americana, apesar do imenso sucesso de público, uma das ressalvas que se fazia a seus filmes era de que o enredo, tomado como retrato do real, não sobreviveria, pois continham inúmeros detalhezinhos difíceis de engolir numa trama “realista”. Ao velho Hitch, sábio como era, só restava devolver a ironia dos críticos - “lá vêm nossos amigos, os ‘verossímeis’” -, já que estes não perceberam, até aparecerem Truffaut, Rohmer, Chabrol e cia., que o que interessava nas histórias supostamente com furos de Hitch não era a plausibilidade do enredo, mas o movimento interno, os tormentos, as dúvidas, as fraquezas e obsessões dos personagens, e que sua mise en scène, marcadamente cenográfica, tinha mais a ver com uma atmosfera onírica do que com a visão humana da realidade nua e crua (mesma coisa pode-se dizer do sangue de mentirinha, dos diálogos cartunescos e dos cenários fake dos filmes de Tarantino ou dos absurdos davidlynchianos). Só que em ‘Slumdog’ temos um problema sério de ordem estética: ao mesmo tempo em que a encenação nos apresenta um retrato realista, o tom é da mais escancarada fábula, e uma coisa meio que não bate com a outra – é preciso ser mestre pra casar as duas coisas (como De Sica em ‘Milagre em Milão’, por exemplo). E os diálogos, ... cruzes! O irmão encurralado na banheira, à espera da chegada do bando que acaba de trair, mas aliviado pela chance de Jamal e Latika escaparem ao seu desafortunado destino: “Deus existe” (ou algo assim). E Jamal, a celebridade instantânea mais comentada do momento no país, por conta de sua participação no programa de perguntas e respostas, esperando na estação de trem com a mesma roupa com que se apresentou na TV e acabou de ganhar o cobiçadíssimo prêmio, ao encontrar, incóginto (!!!!!), sua amada: “Eu sempre acreditei”. É dose.

Parafraseando a cena final, realmente tava escrito que ‘Slumdog’ iria comover a Academia, levantar uma montanha de Oscars e fazer de seu diretor definitivamente um nome quente em Hollywood: trata-se do mais escancarado produto calculado apresentado pelos grandes estúdios entre os concorrentes ao prêmio este ano – nem ‘Benjamin Button’ e ‘Foi Apenas Um Sonho’ abusam tanto. Boyle, inclusive, é o nome mais provável pra dirigir o próximo filme do 007, o que, convenhamos, é bem a cara dele – desde que, é claro, a nova aventura de Bond tenha um quê de politicamente correto, com algum comentário sobre a geopolítica atual (mas a partir do ponto de vista “correto”) ou um tema de grande relevância (a culpa, a ganância, a lealdade) e uma trilha sonora jóia que ele possa escolher pessoalmente. Por conta do filme-chupação por excelência que é ‘Quem Quer Ser Milionário?’ – a maior fraude e forçação de barra cinematográfica a ser contemplada pela Academia desde ‘Beleza Americana’, há exatos dez anos –, o cara chegou lá. Parabéns pra ele. Agora, autenticidade, integridade e vigor hoje se veem muito mais nos filmes do quase octogenário Clint Eastwood do que no diretor britânico trendy. E se é pra falar em cinema de verdade feito na Índia, acaba de sair em DVD a sensacional “Trilogia de Apu” – ‘A Canção da Estrada’ (1955), ‘O Invencível’ (1956) e ‘O Mundo de Apu’ (1959) – de Satyajit Ray, o eterno mestre do filme indiano, descoberto por Jean Renoir e “aluno” de De Sica. É cinema feito com o coração, sem ligar pra bilheteria ou premiações.

'A Canção da Estrada' ('Pather Panchali'), de Ray: este, sim!


Frases e diálogos inesquecíveis (11)


"I know what you're thinking. Did he fire six shots or only five? Well, to tell you the truth, in all this excitement, I've kinda lost track myself. But being as this is a .44 Magnum, the most powerful handgun in the world, and would blow your head clean off, you've got to ask yourself one question: 'Do I feel lucky?' Well, do ya punk?"

(Clint Eastwood/Dirty Harry, na primeira aventura do cop durão, PERSEGUIDOR IMPLACÁVEL, de 1971. Clint desde a última sexta-feira tá em cartaz nos cinemas da cidade com GRAN TORINO, em que revê sua trajetória de justiceiro como Walt Kowalski, veterano da Guerra da Coréia - papel que garante ser o último de sua carreira)

sexta-feira, 20 de março de 2009

Versinhos bacanas (10)

"I got a letter from the government
The other day
I opened and read it
It said they were suckers
They wanted me for their army or whatever
Picture me given' a damn - I said never
Here is a land that never gave a damn
About a brother like me and myself
Because they never did
I wasn't wit' it, but just that very minute...
It occured to me
The suckers had authority
Cold sweatin' as I dwell in my cell
How long has it been?
They got me sittin' in the state pen
I gotta get out - but that thought was thought before
I contemplated a plan on the cell floor
I'm not a fugitive on the run
But a brother like me begun - to be another one
Public enemy servin' time - they drew the line y'all
To criticize me some crime - never the less
They could not understand that I'm a Black man
And I could never be a veteran
On the strength, the situation's unreal
I got a raw deal, so I'm goin' for the steel
"

('Black Steel in the Hour of Chaos', Public Enemy. Faixa do segundo álbum do grupo novaiorquino, o clássico 'It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back', de 1988 - quando George Bush pai ocupava a Casa Branca e sequer se sonhava que um dia um negro pudesse estar ali)

Paradão da semana (16-20/03/2009)

Precious (Pretenders)
Deceptacon(Le Tigre)
Fujyiama Attack (Guitar Wolf)
Nobody Rides For Free (Grant Hart)
Jaguar House (Illya Kuryaki and the Valderramas)
La-La – Means I Love You (Delfonics)
The Boy With The Perpetual Nervousness (Feelies)
Get the Curse (New Wet Kojak)
Pretty Pain (Money Mark)
The Hidden Camera (Photek)
Hanging on the Telephone (Blondie)
Let Yourself Get Down (Luscious Jackson)
Carne Voodoo (Rocket From the Crypt)
Legs (Helios Creed)
Camino y Vereda (Café Tacuba)
Runaway Child,Runnig Wild (Temptations)
Unfair Kind of Fame (Pastels)
Zero Degrees (Drag City Super Session)
Star Fruits Surf Rider (Cornelius)
As Serious as Your Life (Four Tet)
San Quentin (Johnny Cash)
In Your Dreams (Outkast c/ Killer Mike e Janelle Monae)
I Love New York (Madonna)
Original Bedroom Rockers (Kruder & Dorfmeister)
Winners and Losers/Scene of a Crime (ao vivo) (Iggy Pop)
Black Steel in the Hour of Chaos (Public Enemy)
The Mountain (PJ Harvey)
Hearts of Fire (Cut Copy)

quinta-feira, 19 de março de 2009

Motown: 50 anos, 50 hits e algumas revoluções


Saiu não faz muito no mercado nacional um daqueles discos que se pode chamar de imperdíveis – na verdade, três. O CD triplo ‘Motown 50 – Yesterday, Today, Forever’ compila 50 das faixas mais importantes da história do selo fundado por Berry Gordy Jr. em 12 de janeiro de 1959 e que é sinônimo do melhor pop negro produzido na América do Norte – assim como as concorrentes Atlantic e Stax. Mais do que isso, foi responsável por algumas revoluções no mercado da música popular americana.

A história do selo, como tudo que cerca os grandes mitos americanos, já começa com pinta de lenda: antes de fundá-lo, em Detroit, com U$ 800,00 tomados emprestados da família, Gordy já havia fracassado em diversas atividades, tais como vendedor de árvores de Natal, diretor de loja de discos e boxeador profissional. Daí porque o primeiro pedido de empréstimo, que era inicialmente de U$ 1.000,00, foi negado pela família – sim, ele achacou não só o pai e a mãe mas também os irmãos. Só que Berry, que já beirava os 30 anos e havia composto alguns hits para Jackie Wilson, não se dobrava fácil, sentia que ali poderia estar sua última chance de se dar bem e insistiu. Os pais por fim concordaram em lhe alcançar a grana, mas nos seguites termos: a pedida inicial seria reduzida em U$ 200,00, e Berry ainda teria de assinar um documento reconhecendo a dívida – naturalmente, se comprometendo a saldá-la o mais rápido possível, pois o montante sairia de um fundo familiar, para o qual Berry, seus pais e sete irmãos contribuíam todos os meses com U$ 10,00 cada um. No episódio, foi fundamental o apoio feminino: suas irmãs Gwen e Ana sempre estiveram ao seu lado e ajudaram a dobrar a resistência dos demais.

Com o dinheiro arrecadado dos cofres familiares, o primeiro lançamento da recém-fundada Motown Record Company – e que logo seria auto-apelidada de "O Som da América Jovem" –, o single ‘Come to Me’, de Marv Johnson, já emplacou um Top 30. O sucesso já na largada alavancou o projeto Motown, que apostava em canções ganchudas "contendo grandes histórias e grandes batidas" e que não necessariamente soassem marcadamente com cara de música negra, uma vez que Berry e seu braço direito Smokey Robinson (cantor, compositor – hitmaker na mais completa acepção da palavra –, multi-instrumentista e produtor) sacaram que a gravadora não teria vida longa se cativasse apenas o público afro-americano. Foi a primeira revolução: em uma América com a questão racial ainda muito longe de ser resolvida, conseguiu atrair o interesse do público branco para o som palatável mas cheio de suíngue da gravadora e seu cast unicamente de artistas negros. A segunda viria por intermédio de um de seus contratados mais rebeldes – e coincidentemente seu cunhado.

Marvin Gaye, casado com Ana, já era um superstar quando, no início dos anos 1970, preocupado com a temática sem lá muita profundidade de suas canções – e tocado pela morte da parceira (musical) Tammi Terrell, que o fez abandonar os palcos por quase dois anos e pensar até em abandonar a carreira –, entrou em estúdio para registrar uma canção com uma levada meio funky/meio jazzy, com um arranjo de cordas luxuoso, suave na levada, mas com versos incisivos, questionando a guerra, a intolerância, e apelando à paz e ao entendimento. Eram tempos de Vietnã, a luta pelos direitos civis dos negros prosseguia pontuada por confrontos, mas Gordy parecia não se dar conta dos novos tempos, achava que o material mais denso entregue por Marvin não tinha apelo comercial. O cantor, brigão convicto e calejado por conta de suas relações pra lá de conflituosas – e que acabariam tornando-se fatais – com o pai, um pastor evangélico radical, bateu pé e ameaçou não gravar mais uma nota sequer para o selo. Pra não se incomodar, Berry cedeu – e ‘What’s Goin’ On’, a canção, foi direto para o topo das paradas, pavimentando o caminho vitorioso do álbum homônimo, sucesso de vendas e crítica (várias vezes foi votado como o melhor álbum pop de todos os tempos). A bem sucedida empreitada rebelde de Marvin abriu caminhos pra outros artistas que então também já repensavam suas carreiras, como Stevie Wonder - que produziria o melhor da sua também nos anos 1970.

Dezenas de outros grandes talentos passaram pela gravadora – cuja sede também vale-se de uma alcunha pouco modesta, "Hitsville, USA" -, como alguns dos mais importantes grupos vocais de todos os tempos (os monumentais Temptations, os excelentes Four Tops), o mais famoso girl group da história (as Supremes de Dianna Ross, cuja biografia disfarçada pôde ser vista nas telas há três anos: ‘Dream Girls – Em Busca de Um Sonho’, com Beyoncé fazendo o papel de uma mais ou menos plausível Diana Ross, Jamie Foxx pintando o retrato de um Gordy cretino e Eddie Murphy utilizando-se de aspectos da personalidade de Marvin Gaye). Além disso, o selo foi o responsável pelo lançamento do futuro rei do pop, inicialmente acompanhado de seus irmãos e logo dando os primeiros passos solo.

Nos CD’s lançados no Brasil pela Universal, basicamente constam os hits que fizeram a fama e engordaram os cofres da gravadora: a citada ‘What’s Goin’ On’, mais ‘Mercy, Mercy Me (The Ecology)’ – também do álbum ‘What’sGoin’ On’ -, ‘Let’s Get It On’ e ‘I Heard It Through the Grapevine’, de Marvin Gaye; ‘My Girl’, ‘Ain’t Too Proud to Beg’, ‘Just My Imagination (Running Away With Me)’ e a obra-prima ‘Papa Was a Rolling Stone’, dos Temptations (logo, contemplados tanto na fase inicial, dos hits pueris, quanto na mais hard, a psicodelia funky do final dos 60/início dos 70); ‘You Can’t Hurry Love’ e ‘Baby Love’, das Supremes; ‘I Want You Back’, ‘I’ll Be There’ e ‘ABC’, dos Jackson 5; e singles clássicos como ‘Ben’ (Michael Jackson), ‘The Tracks of My Tears’ (Smokey Robinson & The Miracles), ‘War’ (Edwin Starr), as deliciosas ‘Nowhere to Run’ e ‘Dancing in the Street’, com Martha Reeves & The Vandellas, a arrepiante ‘Reach Out (I’ll Be There)’, dos Four Tops, e mela-cuecas inesquecíveis, como ‘Easy’ (Commodores), ‘Endless Love’ (Dianna Ross & Lionel Richie) e ‘You Are Everything’ (Diana & Marvin). Duas ressalvas – na verdade, três: a) a edição americana tem 61 faixas, e não apenas 50, como a lançada aqui, sendo que apenas 28 coincidem nos dois lançamentos. Pérolas como ‘Superstition’ (Stevie Wonder), ‘Got To Be There’ (Michael Jackson), ‘Brick House’ (Commodores), ‘I Can’t Help Myself (Sugar Pie, Honey Bunch)’ (Four Tops) 'Sir Duke’ e ‘Master Blaster (Jammin')’ (Stevie Wonder), ‘All Night Long’ (Lionel Richie – lembra a propaganda do cigarro?) e as versões de ‘I Say a Little Prayer’ (por Martha Reeves & The Vandellas), ‘Jumpin’ Jack Flash’ (Thelma Huston) e ‘You’ve Got a Friend’ (Michael) acabaram ficando de fora da edição brasuca; b) como o foco são os grandes hits, a seleção musical acabou sendo meio manjada, qualquer amante da música negra americana já possui a grande maioria das canções no seu acervo – e ainda por cima, a escolha acabou deixando de lado os temas mais complexos (e por vezes mais importantes) de artistas como Marvin e Stevie – especialmente nos anos 70, após o “grito de liberdade” de ambos. Mas há, claro, as vantagens: pra uma introdução pelo universo da gravadora, a compilação é prefeita, apresentando todos os artistas mais importantes do selo, e a edição brasileira, além dos greatest hits super conhecidos, traz preciosidades como ‘Going to a Go Go’ (com The Miracles, gravada nos anos 80 pelos Stones), ‘It’s a Shame’, com os Spinners, e ‘What Becomes of the Brokenhearted’, com Jimmy Ruffin.

De qualquer maneira e sob qualquer ponto de vista, ‘Motown 50 é um ótimo investimento. Se a grana estiver sobrando, dá pra optar pela caixa (importada) ‘The Complete # 1s’, de 10 CDS (!!!!!), que traz todas as 191 músicas da história da gravadora a alcançarem o topo das paradas de sucesso nestes 50 anos – o brinquedinho é tão caprichado que ainda vem no formato da sede da gravadora (“Hitsville USA”, manja?) – mas além de poder aquisitivo, o investimento exige pressa, pois trata-se de uma edição limitada. Tamanho preciosismo, contudo, não é lá tão necessário. Mais vale ir atrás dos álbuns clássicos do selo – como ‘All Directions’ e ‘Cloud Nine’ (Temptations), ‘Music of My Mind’, ‘Talking Book’, ‘Innervisions’, ‘Fullfillingness’ First Finale’ e ‘Songs in the Key of Life’ (Stevie Wonder), ‘What’s Goin’ On’, ‘Let’s Get It On’, ‘I Want You’ e ‘Here, My Dear’ (Marvin Gaye), ‘Live!’ (Commodores), ‘Diana Ross Presents The Jackson 5’ e ‘ABC’ (Jackson 5), a caixa de 4 CDs ‘Fourever’, dos Four Tops, o box (4 CDs) ‘The Supremes’, a ‘The 35th Anniversary Collection’ (4 CDs) de Smokey Robinson & The Miracles, …

Eu e meu brinquedo (3)


"Controlar a precisão. Ser eu mesmo um instrumento de precisão".

"Não ter a alma de um cumpridor de tarefas. Encontrar, a cada plano, um novo sal no que eu tinha imaginado. Invenção (reinvenção) imediata".

"Realizador ou diretor. Não se trata de dirigir alguém, mas de dirigir a si mesmo".

"Nada de atores.
(Nada de direção de atores.)
Nada de papéis.
(Nada de estudo de papéis.)
Nada de encenação.
Mas a utilização de modelos, encontrados na vida.
SER (modelos) em vez de PARECER (atores)."

"O CINEMA SONORO abre suas portas ao teatro, que ocupa o lugar e o cerca com arame farpado".

"Dois tipos de filmes: aqueles que utilizam os recursos do teatro (atores, encenação, etc.) e se servem da câmera com o intuito de reproduzir; aqueles que utilizam os recursos do cinematógrafo e se servem da câmera com o intuito de criar".

"O CINEMATÓGRAFO É UMA ESCRITA COM IMAGENS EM MOVIMENTO".

(Algumas das frases da antologia 'Notas sobre o Cinematógrafo', em que ROBERT BRESSON esmiuça seu peculiar método, que dispensa atores profissionais em detrimentos de "modelos" para melhor perscrutar a alma dos personagens. Lançado aqui em 2005 pela Editora Iluminuras, é leitura obrigatória pra quem leva cinema a sério.)

Frases e diálogos inesquecíveis (10)


Clyde: "Engordou! Deve ser a comida da prisão".

Buck: "Não, não, é a vida de casado. Sabe como é, é o pó-de-arroz que desperta o interesse no homem, mas é o fermento em pó que o segura em casa".

(Papo família entre os irmãos Barrow, Clyde/Warren Beatty e Buck/Gene Hackman, em 'BONNIE & CLYDE - UMA RAJADA DE BALAS ', de Arthur Penn)

Versinhos bacanas (9)

"I Rise from a dusty grave
Deep under ground
Casties, horses, broken toys
And a moidy sound


Drawn by sirens of the deep
Through a dusty ear
Drawn by sirens of the deep
I began to hear

This is a kiss to the brain
Traveling through space
It has no end or beginning
A warp in time

Flying through a vacuum
Time to crack the sky
My mother took my diaper
And begged me not to cry

This is where you get your ticket
Time to get the train
Your mind is floating through a cloud
This is a kiss to the brain
"

(‘Kiss to the Brain’. Helios Creed, como Sérgio Sampaio, também viaja de trem)

quarta-feira, 18 de março de 2009

Os Locomotores e a auto-sabotagem do rock gaúcho

Segunda-feira última, lá no Opinião, teve mais uma edição da Segunda Maluca, projeto vencedor do incansável Márcio ‘Rei Magro’ Ventura. Apresentaram-se duas bandas gaúchas, Cartolas e Locomotores, e uma catarinense (de Chapecó), os Variantes. Uma divertida celebração do rock sulista – e por tabela dos clássicos sessentistas, a influência básica de todo esse pessoal, o que pra alguns é sinal da autenticidade do som feito por aqui, pouco avesso a modinhas passageiras, e pra outros é justamente uma evidência da falta de personalidade rock feito na região, pois as referências são sempre as mesmas (Beatles, Stones, às vezes Dylan, Jovem Guarda), os ‘fantasmas’ de TNT, Cacavelletes e Graforréia estão sempre na área ... Enfim, uma prova de que a cena, que certa vez o Samuel Rosa do Skank disse ser ‘a mais bem resolvida do rock brasileiro’, há muito anda desgastada, o que motivou inclusive um texto que andou circulando tempos atrás na internet, publicado originalmente em uma revista pernambucana, a Coquetel Molotov, intitulado ‘O rock gaúcho é um terno mofado’. Passo ao largo da "polêmica", até porque já ficou pra trás. Também não tenho tese alguma a respeito (coisa rara, rá rá rá!), não sou um conhecedor tão profundo do cenário musical de outros estados – é provável que nem do nosso -, portanto me limito a ficar na análise dos shows e dar meus pitacos em outros aspectos.

Os guris de Chapecó abriram os trabalhos, com um som energético, que lembra muito o The Who dos primeiros álbuns e até alguns de seus filhotes, dos mais remotos (o Jam de Paul Weller) a mais recentes (a Cachorro Grande, por exemplo). Excelente guitarrista, baixo firme, bateria sólida, melodias assobiáveis, levada rápida, bem ao gosto da audiência, aquela gurizadinha com visual retrô, tipo os dos "seguidores" da Cachorro com seus terninhos (olha aí!) e cabelinhos característicos e suas I wanna be a groupie vestidas da cabeça aos pés com modelito brechó. O problema é que às vezes os Variantes soam ... Cachorro Grande demais. Nada contra Beto Bruno, Gross e cia., mas se sons evidentemente de segunda mão como o da Cachorro viram referência pra alguma coisa, numa cena – sim, os Variantes são catarinas, mas respiram ares porto-legrenses com frequência: o disco foi gravado aqui e no MySpace eles referem-se à procedência como Chapecó-SC/Porto Alegre-RS – que se notabilizou por retrabalhar/requentar sons dos anos 60, ... aí vou ter de dar razão aos pernambucanos.

Ao final do show dos caras, encontro um veterano músico/produtor/agitador (o termo é manjado mas cabe bem aqui) do rock gaúcho e sentamos juntos, no mezanino, com as respectivas. Trocamos ideias e impressões sobre a cena musical sulista, o cara me conta várias histórias de figurinhas carimbadas da cidade – não adianta insistir que eu não vou contar -, e, principalmente, sobre o porquê de a coisa parecer tão devagar de uns tempos pra cá. Não citei a tal matéria dos pernambucanos, mas comentei com ele que, apesar das mesmas referências de quase sempre, o principal problema hoje, a meu ver, é que uma leva enorme de bandas hoje tem a intenção evidente de fazer som pro mercado. Querem descolar um contrato com uma Orbeat da vida, ter uma música estourada nas rádios, ter exposição na mídia (embora fugaz), ... E tem outras que parecem querer continuar vivendo a sua onda de rock stars da província, com disco gravado às próprias custas, comendo as guriazinhas do Bom Fim e da Cidade Baixa, tocando nos mesmos becos de sempre, impressionando a bugrada, ... e não saindo do lugar. O rock gaúcho dos anos 80 pra cá é uma longa história de auto-sabotagem.

Vejamos o caso dos Locomotores, por exemplo. Ótima banda, excelentes músicos (Papel, Bocudo, Márcio Petracco, Luciano Leães e Fuinha são todos conhecidos na cena pop/rock sulista), canções ganchudas, daquelas fáceis de cair no gosto da galera – ‘Vermelha’ e ‘Nessa Vida’ são cantadas em uníssono nos shows -, referências (tá, aquelas mesmas) trabalhadas com personalidade, não se parecendo com nenhum dos outros grupos citados antes (apenas a introdução de ‘Vermelha’ guarda semelhanças, digamos, muito além da conta com ‘Undone (The Seater Song)’, do Weezer). Tão prontos pra cair no gosto não só dos fãs desse raio de rock gaúcho, mas também daquele público radiofônico padrão e até daqueles pentelhos que curtem "rock de verdade" – que por vezes torcem o nariz pra "esses guris brincando de rock’n’roll" (se bem que nenhum ali é exatamente guri).

Mas os Locomotores parecem não acreditar no próprio potencial – ou se contentam em ficar onde estão. Segundo meu interlocutor citado lá do segundo parágrafo, os caras "não puderam" aceitar convite para abrir os shows da recentíssima passagem do Deep Purple por POA porque o baterista, que mora em São paulo, só viria ao sul na semana seguinte (!!!!). Tá certo que o Deep Purple já mais do que ultrapassou aquele estágio de banda em final de carreira – o tipo preferido de artista trazido pra tocar na província por nossas produtoras: lembra aquela expressão que o comentarista esportivo Paulo Vinícius Coelho cunhou para jogadores de futebol que seguem atuando apesar de já demonstrarem que seu tempo útil já passou há horas (‘ex-jogador em atividade’) -, mas, bem ou mal, Ian Gillan e cia. têm sua história, e cada vez que vêm ao Brasil arrastam um monte de gente pra vê-los. Então, é uma oportunidade a não se perder ... mas o baterista não podia voltar uma semana antes de seu exílio paulistano – e nem a banda mandar o cara tomar naquele lugar e contratar outro, nem que fosse emergencialmente! Outra que little bird has told me é que o Fuinha, tão bom guitarrista quanto o Petracco (quem lembra os Malvados Azuis, o embrião da Cachorro, sabe), não tem espaço pra solar porque ... Petralha não deixa (afinal, o outro já aparece o bastante sendo o frontman). O que eu sei sem precisar que me contem é que os caras são super requisitados, tocando em diversos outros projetos, próprios ou alheios, e que isso acaba fazendo com que os Locomotores sejam apenas uma das suas atividades, e não o foco principal de suas carreiras ...

... que poderiam perfeitamente deslanchar se os caras se dispusessem a tomar uma atitude. Têm todas as condições de atingir um sucesso de massa – mesmo que apenas no âmbito da província -, amealhando um público fiel (isso, já têm, mas poderiam atingir uma escala maior), e, o que é o principal, com um apelo natural e espontâneo suficiente que os permita não fazer concessões. Mas pelo jeito resolveram ficar no meio do caminho. Uma pena. O mainstream ficaria mais divertido e consistente com grupos como os Locomotores – mas eles têm todo direito de ficarem encolhidos, na sua, se contentando com o pouco que o low profile assumido lhes proporciona. Mas que é um disperdício, isso é, na boa. (E enquanto isso, Acústicos & Valvulados, Papas da Língua, Comunidade Nin-Jitsu, Nenhum de Nós e quetais ocupam o espaço que era para ser de bandas que fazem rock de verdade).

sábado, 14 de março de 2009

Versinhos bacanas (8)

"Fugi pela porta do apartamento
Nas ruas, estátuas e monumentos
O sol clareava num céu de cimento
As ruas, marchando, invadiam meu tempo
Viajei de trem (5x)

O ar poluído polui ao lado
A cama, a dispensa e o corredor
Sentados e sérios em volta da mesa
A grande família e o dia que passou
Viajei de trem, eu viajei de trem
Viajei de trem, mas eu queria ...
Viajei de trem, eu não queria ...


Um aeroplano pousou em Marte
Mas eu só queria é ficar à parte
Sorrindo, distante, de fora, no escuro
Minha lucidez nem me trouxe o futuro
Viajei de trem (4x)

Queria estar perto do que não devo
E ver meu retrato em alto relevo
Exposto, sem rosto, em grandes galerias
Cortado em pedaços, servido em fatias
Viajei de trem
Eu viajei de trem
Mas eu queria
É viajar de trem

Seus olhos grandes sobre mim
Seus olhos grandes sobre mim"

(Viajei de Trem, Sérgio Sampaio)

Frases e diálogos inesquecíveis (9)


"Remember, remember, the 5th of november"

(V/Hugo Weaving, evocando o soldado inglês Guy Fawkes - que no século XVII participou da conspiração da Pólvora, tramando a explosão do Parlamento Britânico - em V DE VINGANÇA, baseado na obra-prima de Alan Moore. O bruxo dos quadrinhos britânico, mais uma vez tendo desaprovado o resultado da adaptação, pediu para ter seu nome retirado dos créditos)

quinta-feira, 12 de março de 2009

Paradão (11 e 12/03/2009)

Personality Crisis (New York Dolls)
Disco Six Six Six (Girls Against Boys)
Shakin’ Street (MC5)
Vacuum Boots (Brianjonestown Massacre)
Breakaway (Basement Jaxx)
Slippery When Wet (Commodores)
Appetite (Prefab Sprout)
Stood On Gold (Gorky’s Zygotic Mynci)
Underwater (Magnetic Fields)
Será Que Eu Vou Virar Bolor? (Arnaldo Baptista)
Pablo Picasso (Modern Lovers)
Rocketship (Jon Spencer Blues Explosion)
Sweet Leaf (Black Sabbath)
In the Aeroplane Over the Sea (Neutral Milk Hotel)
Swords (Leftfield)
When The World’s at Peace (O’Jays)
Reel Around the Fountain (Smiths)
Ocean of Wine (Helium)
Immune (Low)
Viajei de Trem (Sérgio Sampaio)

Frases e diálogos inesquecíveis (8)


"Well, I'll wear the darn clothes if you want me to - if-if you'll just, just like me."

(Judy Barton/Kim Novak, concordando em atender ao pedido do atormentado John 'Scottie' Ferguson em transformar-se na falecida Madeleine Elster, na monumental obra-prima hitchcockiana UM CORPO QUE CAI/VERTIGO - seguramente, um dos cinco filmes mais importantes de todos os tempos)

Versinhos bacanas (7)

"Some pople try to pick up girls
And they got called an asshole
That never happened to Pablo Picasso
"

(Pablo Picasso, Modern Lovers. Jonathan Richman e seu impagável senso de humor auto-depreciativo não têm paralelo na história do rock)

quarta-feira, 11 de março de 2009

Everybody Say Yo! Gê is back on the house!

Praticamente retirado da balada há algumas temporadas, salvo eventos especiais, saí na noite portoalegrina na última sexta, intimado por Neném, que tinha combinado com colegas de trabalho comemorar a entrada em férias da chefe. Queriam sair pra dançar, disse, e aí pensei cá comigo: bah, mas em Porto Alegre? Onde? Tem Pulp? Acho que não. No Beco, onde o cara tem de enfrentar fila? Na boa, sou velho demais pra isso – aliás, sempre fui, mas na adolescência o cara se submete, pois parece que se não se está presente àquela festa o mundo vai acabar! Algum birosca nova lá na low city? Mais uma a insistir no filão desgastado da MPB padrão e no samba rock, na certa. E o pior: além disso, só sobram opções para patys e maurícios, ao que tudo indica, os verdadeiros donos da (pobre) noite da cidade. "Não, hoje tem a reinauguração do Gê Powers, ali na Venâncio", me esclareceu a Nêga. Ah, bom, então tem jogo!

Localizado no final da Avenida, um pouco antes da esquina com a José do Patrocínio, quase em frente ao Dusk, num lugar onde já funcionaram trocentos negócios diferentes – num desses, tive de sair fugido certa vez, depois de um amigo meu socar um traficante -, num espaço que hoje é ocupado por um pub na maior parte do tempo, o veterano DJ, profundo conhecedor da música negra dançante e um dos poucos na cidade a saber o real significado do termo ‘groove’, tem novo endereço fixo pras suas manobras, depois da antiga sede do GP ter servido de palco involuntário para um tiroteio com vítima fatal. Tempos depois, ocupou o espaço do antigo clube Carinhoso, ali em frente, mas era uma coisa meio incerta, esporádica.

A nova casa, não de todo do DJ e seu povo – como Gê Powers, funciona apenas às quintas, sextas e sábados – não é espaçosa como a anterior (na verdade, é bem menor), podendo tornar-se um lugar abafado se a temperatura externa estiver muito elevada (felizmente não era o caso na última sexta) ou a casa estiver lotada (também não era o caso): não há ventiladores (ainda, acredito) e o ar-condicionado é insuficiente. O bar, entretanto, garante o refresco: após uma Coca Cola geladíssima, daquelas que alisam a garganta, Skol e Polar (as melhores) vêm também na temperatura ideal, e pra quem não gosta da ‘loira’ há opções de coquetéis suficientes. E dr. Gê continua afiado nas picapes.

É bem verdade que, quando adentramos o salão, o cidadão coloca pra rodar uma Vanessa da Mata, o que não ajuda muito (mas o cara sabe o que faz, a mulherada gosta) e as duas próximas (não lembro quais foram) vão na mesma balada, MPB moderninha/samba-rock/rap nacional, mas logo, logo começa a despejar os grooves clássicos: Commodores, James Brown, Kool & The Gang, Earth, Wind & Fire dos bons, clássicos da disco, a ‘melô do James Brown’ do Tom Tom Club (‘Genius of Love’), até chegar na malandragem nacional: Jair e seu proto-rap ‘Deixa Isso Pra Lá’ (com direito àquela tradicional "coreografia manual" por parte das meninas), ’16 Toneladas’ na voz peculiaríssima do Noriel Vilela, ... Dessa vez, não teve ‘Aquele Abraço’ na versão original, nem Sly nem Michael Jackson (com ou sem os irmãos), mas não deu pra reclamar, até porque Gê, o soberano da pista, sabe ser humilde: quando lhe pergunto se tem ‘Atomic Dog’, do George Clinton, imagino que vai dizer não só pra manter o domínio total das ações (todo DJ é meio enjoado, até os amadores como eu) ou me prometer que vai rodar e "esquecer'. Acontece o contrário: abre um sorrisão e diz "claro, essa é das boas", e em questão de poucos minutos a levada eletrônica do dr. Funkenstein já tá fazendo estrago no assoalho. (Uma meia hora depois, enquanto o cara tá fazendo o seu intervalinho, me encontra no corredor, faz o sinal de polegar direito levantado e garante "daqui a pouco eu volto com as nossas". Além de tudo, o negão é gente boa. Salve, Simpatia!).

No referido intervalo feito por mestre Gê, assume um DJ branquelo e a qualidade cai bastante: agora, o que domina é o hip-hop moderninho, efeêmico, que predomina nas rádios comerciais, nas paradas e nas MTVs da vida. Tudo muito parecido, sem personalidade, em que se percebe claramente a mão de um produtor por trás da coisa e não a identidade do artista (ainda sou do tempo de Run DMC, Public Enemy, Ultramagnetic MC’s, LL Cool J, De La Soul, e mais recentemente Outkast). Num dado momento, me interesso pela levada venenosa de uma música cantada por uma mulher que não sei quem é. É a linha de baixo mais nervosa que ouço em anos, ofusca a própria canção. Neném pergunta para o DJ o que é. "A nova da Beyoncé", responde o cara, pra minha surpresa, que imaginava que pra funcionar, a moça dependia exclusivamente da imagem (do seu derrière, principalmente). Pelo jeito, seus atributos musicais são escassos mesmo. Felizmente, o set do branquelo não dura muito e Mr. Gê volta pra animar a festa.

Depois de umas 2 horas e meia balançando o esqueleto, hora de ir pra casa. O novo Gê Powers, mesmo que não tenha a mística da antiga casa da José do Patrocínio, mantém a dignidade. A lamentar apenas uma parcela da clientela da casa – ínfima, felizmente –, disposta a fazer pose de ‘superbad’ ('A wanna be a gangster, thinking he’s a wise guy ...', como diz aquela música dos Chili Peppers). Um sujeitinho com pinta de pseudo-rapper (boné virado pra trás, tenisinho de skatista, roupas largas) resolve dar o seu arzinho, encarando as meninas da nossa turma. Como o negócio tava ostensivo demais, o namorado da chefe da Neném vai ter com o rapaz, dizendo o que o idiota na verdade já sabe, que aquelas mulheres estão acompanhadas. O sujeitinho responde que o amigo não manda nele, que ele olha pra quem quiser e, ao final do discurso, cúmulo da falta de noção, ainda faz a ameaça: "se tão acompanhadas, melhor pegar na mão, porque se não eu vou chegar". Ao que o amigo responde, com outra ameaça: "vaza, se não vou te quebrar a cara"! Claro que o infeliz tava acompanhado de fortões que, imagina ele, lhe garantiriam a retaguarda, mas felizmente perceberam que o otário tava querendo aparecer e não valia a pena comprar a briga de alguém tão insignificante. (Fiquei pensando o que leva um sujeito arriscar-se a tomar uma surra por nada em um local público por conta de uma ideia totalmente descabida, e também o que leva alguém tão obviamente panaca a imaginar que aquelas garotas, que além de "casadas", possuem todas curso superior completo, possam dar assunto para um tipinho como aquele. Anyway, ...)

De qualquer maneira, os grooves de Mestre Gê e o clima de people communion/black community fazem valer a pena uma passada no lugar. Na pobre (paupérrima, miserável, indigente) noite portoalegrina, GP não é pouca coisa, não.




Tem George Clinton aí? É pra já!

segunda-feira, 9 de março de 2009

Are You Lost? Are You on Lost? Are You Lost on Lost?


Hoje, às 21h, no canal AXN da Net (o 34), tá de volta um dos seriados mais cultuados/comentados da última década, e o que tem mais cara de quebra-cabeça (por vezes, aparentemente insolúvel). Cria do trio Jeffrey Lieber/J.J. Abrams/Damon Lindelof, LOST estreou em setembro de 2004 nos Estados Unidos, desde o começo atraindo grande audiência, e logo virou coqueluche em todos os lugares em que foi exibido, inclusive no Brasil, onde começou em março de 2005, e passa na TV aberta (a Globo recém encerrou a quarta temporada, do ano passado) e a cabo (a temporada que se inicia hoje é a quinta, deste ano - ainda tá em andamento nos EUA -, já programada para ser a penúltima). Vários são os segredos de LOST, tanto na trama - há (muito) mais perguntas do que respostas -, quanto nos demais atrativos que fazem com que a audiência permaneça cada vez mais sedenta por novos episódios.

A primeira e óbvia razão é o próprio clima de mistério permanente, onde uma pista leva a outra, que abre mais um caminho, e o sujeito parece que se enreda cada vez mais numa teia. Das razões do acidente com o vôo 815 da Oceanic à história de cada personagem (cada um deles tem algo de marcante no passado, quase todos têm traumas, alguns escondem algo muito comprometedor), dos enigmas propostos ao perfil dos habitantes da ilha, novos e antigos (o soldado iraquiano Sayd, homem honesto designado a agir como torturador em seu país, o divertido Hugo e a questão dos números que o atormentam, o bom samaritano Jack e sua eternas culpas, a bela Kate, fugitiva da Justiça, assim como o espirituoso Sawyer, que disputa o amor de Kate com Jack, o enigmático John Locke, paraplégico que volta a andar na ilha, o vilão Ben Linus, de quem se sabe bem menos do que se deve, ...). Mas o melhor de tudo são as citações: a grandes autores/filósofos (John Locke, Jeremy Bentham, Mikhail Bakunin, Richard Alpert - nome verdadeiro do líder espiritual Ram Dass, colega de Timothy Leary em Harvard nos 60's e parceiros nas experiências com o LSD -, Michelle Rousseau, óbvia referência ao autor de 'O Contrato Social') e a clássicos da literatura, como 'O Senhor das Moscas' (que, aliás, serviu de ponto de partida para a trama), 'O Terceiro Tira', 'Os Irmãos Karamazóv', 'A Invenção de Morel ', 'A Volta do Parafuso' , 'De Ratos e Homens' , ... Todas as referências ajudam a dar pistas sobre o enredo e os personagens, mas a sequência de reviravoltas é tamanha que o negócio é ir acompanhando o andar da carruagem com atenção para que os desdobramentos sejam esclarecidos no seu devido tempo.

Com toda a carga de informações, LOST, claro, é daqueles seriados que não adianta acompanhar de outra maneira que não seja na exata sequência dos episódios desde seu início. Qualquer detalhezinho perdido já deixa o cara boiando. Engana-se, contudo, quem imagina que o seriado perde em emoção no decorrer da trama: ao contrário, o clima de suspense só aumenta (e pra não deixar a frustração tomar conta, os produtores e roteiristas, obviamente, vão resolvendo alguns enigmas enquanto propõem outros). E pra quem pensa se tratar de mais um daqueles enlatados com toques de sobrenatural, e que, de certa maneira, pega carona na onda dos reality shows (por mais surreal que seja a trama, estamos bancando os voyeurs de dezenas de pessoas, inclusive 'espiando' seu passado), dou meu relato pessoal: também desprezava o seriado. Cada vez que me falavam dele, não demonstrava o mínimo interesse, até que a caixa com a primeira temporada caiu nas mãos de minha mulher, emprestada por um colega que, em troca, queria as duas temporadas do 'Twin Peaks' que repousam numa prateleira lá de casa. Dei o ok pra emprestarmos a série do David Lynch pro cara, mas não fiquei lá muito na pilha de conferir o LOST. Na noite de domingo, véspera da devolução da caixa pro rapaz, concordei em colocar o primeiro disquinho no aparelho, só pra não dizer que entregamos sem ver nada. Vimos o primeiro episódio. Nos olhamos. 'Quem sabe mais um?'. Terminou o segundo. 'Tá cedo, acho que dá pra ver mais um'. E assim foi, não paramos mais. O ceticismo foi por água abaixo, sendo substituído por um crescente interesse, beirando a excitação (comparando com o 'Twin Peaks', única série que acompanhei antes - e por mais de uma década, pois a Globo fez o favor de picotar o negócio criminosamente, além do quê, por conta de discussões jurídicas entre a rede de TV e a distribuidora do seriado, a segunda temporada demorou uma eternidade pra sair em DVD -, LOST perde esteticamente falando por não ser obra de cineasta - ainda mais um com uma visão bem peculiar, como é o caso de David Lynch -, mas de produtores e roteiristas, enquanto que ganha por não ter perdido o interesse no meio pelos produtores. A segunda e última temporada das aventuras do detetive Dale Cooper tiveram de ser replanejadas e reduzidas, o que deixou a segunda metade da série de David Lynch um tanto decepcionante - o próprio autor perdeu o interesse).

A quinta temporada que estreia hoje, com o episódio ''Because You Left" (exibido nos EUA em 21 de janeiro último), tem 15 episódios, mesmo número da próxima, a sexta, onde tudo deve ser finalmente esclarecido. Ou ...

sexta-feira, 6 de março de 2009

Frases e diálogos inesquecíveis (7)


"Miss Casswell is an actress, a graduate of the Copacabana School of Dramatic Art."

(Addison DeWitt/George Sands, o venenoso crítico teatral de A MALVADA/ALL ABOUT EVE, comentando as "aptidões" da aspirante a estrela Claudia Caswell, interpretada pela então aspirante Marilyn Monroe. Apenas uma das dezenas de falas brilhantes do clássico de Joe Mankiewicz, cujo centenário de nascimento comemorou-se dia 11 de fevereiro.)

Versinhos bacanas (6)

"Springfield’s looking pretty dusty today
I see dreams coming undone
The view from inside ward nine affords too much
A town teeming with the unloved
Close the window and lock it so it’s good and tight

La la la la la la la la
La la la la

Turning Eighteen and try not to look too lost
- Have a not so nice day -
The jacket makes me straight so I can just sit back and bake
You Know I think I’m gonna stay
Talking very loud but no one hears a word I say

La la la la la la la la ...

Come visit me tonight at eight o’clock and then you’ll
See how I am not the crazy one
Voices tell me I’m the shit
Twenty days go by and every day looks the same

La la la la la la la la ...

I’m the shit"

(My Descent Into Madness, Eels)

Paradão da Semana (02-06/03/2009)

There He is Again (Gene Page c/ Hues Corporation)
My Descent Into Madness (Eels)
Aisha (Death In Vegas c/ Iggy Pop)
The City (Dismemberment Plan)
Talk to Me (Tindersticks)
Atlantic City (Bruce Sprinsteen)
I Choose You (Willie Hutch)
Last Orders (Arab Strap)
Sister Saviour (The Rapture)
NYC (Interpol)
The Goat Looks On (High Llamas)
Don’t Think Twice, It’s Alright (Bob Dylan)
One More Hour (Sleater-Kinney)
Strange Religion (Mark Lanegan)
Dust Devil (Butthole Surfers)
Surfing On a Rocket (Air)
Da Funk (Daft Punk)
Juliet (DJ Cam)
Janitor of Lunacy (Nico)
Fuel My Fire (L7)
Success (Iggy Pop)
Hooch (Melvins)
Whatever, Wenever (Groove Armada)
Full Bleed (DJ Food)
Take a Little Time (Les Rhythms Digitales c/ Shannon)
Declare Independence (Björk)

Eu e meu brinquedo (2)


"O dever de quem narra histórias é levar as pessoas à estação. O trem em que partem são elas que escolhem conforme o gosto pessoal. Mas precisamos levá-los até a estação. Gostaria que 'A Doce Vida' levasse o espectador, respeitando sua personalidade e sem discursos, até o momento da partida. Gostaria de sugerir aos espectadores que sejam receptivos e se abandonem, que escutem minha história com sinceridade descarada. Não tentem interpretar. Escutem apenas o que digo. São as paixões, esperanças, medos, angústias, sujeira de um homem igual a vocês."

(FEDERICO FELLINI, no documentário 'Fellini, Um Auto-Retrato' - 'Fellini Racconta: Un Autoritratto Ritrovato' -, dirigido por Paquito Del Bosco e produzido pela RAI, que consta dos extras de do DVD de '8 1/2', da Versátil Vídeo)

Versinhos bacanas (5)

"Here comes success (2x)
Over my hill (2x)
Here comes success (2x)
Here comes my car (2x)
Here comes my chinese rug (2x)
Here comes success (2x)
In the last ditch (2x)
I’l think of you (2x)
It will be true (2x)
Sweetheart I’m telling you (2x)
Here comes the zoo (2x)
Here comes success (2x)
Horay success (2x)
Here comes success
Horay success
Sucess
(2x)
I can’t help myself (2x)
I just got to got to go to (2x)
I can’t stand it
Here comes my face
(2x)
Out of the crowd (2x)
...
I’m gonna do the twist (2x)
I’m moved, man, I’m wigged
Oh I’,m moved and I’m wigged
I’m crazy – I’m gonna
I’m gonna go crazy

Let’s blast off
Baby let’s blast off

Blast off on success (2x)
Oh you slay me
Oh you slay me baby (2x)
I’m gonna do the twist (2x)
I’m gonna hop like a frog" (2x)

(Success, do digníssimo James Newell Osterberg, o primeiro e único Iggy Pop)

quinta-feira, 5 de março de 2009

Eu e meu brinquedo (1)


"O que aconteceu na primeira versão foi que, como diretor, eu me apaixonei pela minha câmera no mesmo instante em que a tive nas mãos e me contentei em explorar a técnica cinematográfica, buscando o ritmo pelo ritmo, utilizando grandes angulares, filmando através de árvores e janelas. Obtive um ritmo agradável, mas que não tinha nada a ver com meus personagens. Mas é sobre eles que se deve centrar o interesse, pois são eles que os espectadores vão ver. [...] Após assistir a primeira versão de 'Shadows', reexaminei a situação e declarei: 'Sim, eu realmente perdi os pedais'. Meu produtor, Maurice MacEndree, e Seymour Cassel vieram me procurar e me explicaram: 'Escute, John, vai ser preciso refilmar certas cenas. Confiamos plenamente em você ... mas você é amador'. Eu concordei e nos pusemos ao trabalho. Tentei filmar do ponto de vista do ator. E creio que conseguimos, pois os atores são magníficos. Antes não se podia reconhecê-los por detrás de todas aquelas árvores e carros".

(JOHN CASSAVETES, 'Derrière la caméra' - entrevista à Cahiers Du Cinéma nº 119, de maio de 1961, reproduzida em 'John Cassavetes', de Thierry Jousse, ed. Nova Fronteira, 1992)

Um dia numa locadora perto de você (2) – ‘A Hora da Estrela’


Outra lacuna imperdoável no nosso mercado de vídeo caseiro é a ausência inexplicável de clássicos do cinema brasileiro, justo quando o público em geral parece ter perdido definitivamente a implicância com filmes nacionais – o porquê dessa prevenção é assunto complicado e pra outra hora. O fato é que dia desses, fuçando as prateleiras de uma loja, encontrei uma esquecida obra-prima brasileira, escondida em meio a dezenas de outros filmes. Tinha uma cópia só, e o preço, uma fortuna - é que a edição não era nacional, mas americana (!). Com recomendação – entusiasmadíssima – na capinha de um crítico bambambam deles lá (Vincent Canby, Andrew Sarris, Richard Schickel, ... não lembro qual era) e tudo. Trata-se de um dos cinco melhores filmes brasileiros dos últimos 25 anos, na modestíssima opinião deste que vos escreve, e traz também uma das melhores interpretações de todos os tempos.

'A Hora da Estrela' já nasceu lendário por n fatores: adaptação do penúltimo romance de Clarice Lispector – último publicado em vida, por sinal no ano em que faleceria (1977) a ucraniana radicada no Brasil, autora de clássicos como ‘A Paixão Segundo G.H.’ e ‘Perto do Coração Selvagem’ -, foi o primeiro longa-metragem dirigido por Suzana Amaral, que à época contava já com 53 anos de idade. Nascida na capital paulista em 1932, a realizadora inscrevera-se na primeira turma do curso de cinema da ECA-USP em 1968, formando-se em 1971. Ao longo dos anos 1970, realizaria diversos e premiados curtas-metragens e documentários para a TV Cultura (SP), além de cursar uma pós-graduação em direção de cinema na Universidade de Nova Iorque. Em 1985 – aos 53 anos, portanto –, Suzana assombrou as platéias nacionais e estrangeiras. Aliás, Suzana e Marcélia Cartaxo.

A história infeliz da nordestina Macabéia, que perde pai, mãe, tia e vai tentar a sorte no Rio de Janeiro como datilógrafa, levando uma rasteira atrás da outra, é daqueles casos típicos do cinema em que dizemos “isto não teria o mesmo impacto – ou nem mesmo funcionaria – com outra pessoa desempenhando o papel principal”. Como nos clássicos ‘Um Bonde Chamado Desejo’ sem o Kowalski de Marlon Brando, ou ‘A Malvada’ sem o trio Bete Davis/Anne Baxter/George Sands, ou ainda os recentes ‘O Lutador’ sem Mickey Rourke e ‘Piaf’ sem a encarnação espírita de Marion Cotillard, não dá pra imaginar Macabéia na pele de outra atriz que não Marcélia, mesmo que o elenco conte com gente do quilate de José Dumont (como Olímpico de Jesus, que começa a namorar a protagonista até que esta tem seu tapete puxado por uma colega de trabalho) e até dame Fernanda Montenegro. É impossível tirar os olhos da atriz paraibana: a fragilidade, a ingenuidade, o despreparo da retirante encontram sua cara, voz e gestos na intérprete que fazia justamente ali sua estréia. (Vendo recentemente ‘Estômago’, de Marcos Jorge, lembrei de Márcélia/Macabéia na caracterização marcante de Raimundo Nonato/Alecrim feita por João Miguel: o mesmo olhar de insegurança e perplexidade de quem tenta se defender como pode de um mundo cruel que o despreza. Mas com uma diferença marcante: Alecrim vai aprendendo aos poucos a se virar na selva, incorporando ao final um olhar vigilante adquirido após os seguidos tombos. A Macabéia de Marcela, não: é pura inocência e credulidade até o fim, quando é então engolida). Estréia de luxo: prêmio de melhor atriz no Festival de Brasília e um consagrador Urso de Prata em Berlim. A película ainda renderia as estatuetas de melhor ator (José Dumont), melhor fotografia, melhor edição, além dos prêmios de melhor filme e direção, para Suzana, em Brasília. Em Berlim, Suzana foi indicada para o Urso de Ouro de direção, mas não levou, mas faturou o prêmio da crítica. Em Havana, um ano depois, a diretora foi laureada com a melhor direção.

Se a diretora demorou a iniciar sua vida no cinema, a atriz começou a trilhar seu caminho bem cedo: na adolescência, já fugia de casa, em Cajazeiras, para ensaiar às escondidas com os amigos, pois a mãe achava que interpretar era coisa “de rameira e de vagabundo”. Além de driblar a família, ainda tinha de se virar pra arrumar grana pra ir ao cinema, e a solução encontrada já serve pra demonstrar todo o bom humor e determinação da futura atriz: roubava as moedas depositadas pelos fiéis numa estátua de Santo Antônio de sua cidade. (Anos mais tarde, contando a história, comentou que “o santo deve ter achado um bom investimento”, pois ela jamais foi descoberta). Marcélia foi descoberta, sim, por Suzana Amaral, em uma apresentação do grupo teatral da atriz em São Paulo. Na hora, a diretora sacou que ali estava sua estrela.

No ano seguinte, Marcélia atuaria em ‘Brasa Adormecida’, de Djalma Limonji Batista, e logo começaria a aparecer em novelas e minisséries televisivas. Tem participado de vários filmes brasileiros, como ‘Madame Satã’ e ‘O Céu de Suely, de Karim Aïnouz, ‘Quanto Vale ou é por Quilo?’, de Sérgio Bianchi, ‘Crime Delicado’, de Beto Brant, e ‘O Baixio das Bestas’, de Cláudio Assis. Suzana, por sua vez, seguiu escrevendo e dirigindo trabalhos para a televisão (inclusive em Portugal) e realizou apenas mais um longa, ‘Uma Vida Em Segredo’, em 2001. ‘A Hora da Estrela’ é o feliz encontro de uma diretora sensível, segura, que sabe muito bem o que faz, com uma atriz magnífica, de uma força inexplicável, na feliz adaptação da obra de uma escritora singular. O romance, felizmente, é encontrável sem dificuldade nas melhores livrarias, até em edições diferentes. Já o filme faz uma falta danada nas locadoras.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Um dia numa locadora perto de você (1) - Cassavetes


Que as nossas locadoras apresentam sérias lacunas, qualquer cinéfilo que se preze sabe, mas é preciso admitir: a coisa já foi muito pior. De tempos pra cá, com a entrada no mercado do DVD de distribuidoras como a maranhense Lume, a pernambucana Aurora (fechou?), sem falar na Versátil e na Continental e suas ‘filiais’, Magnus Opus, Wonder Video e Silver Screen Collection (a despeito do pouco capricho com que embala o material, dos erros freqüentes de tradução e das cópias que simplesmente teimam em trancar no aparelho), a oferta de clássicos e filmes de arte melhorou substancialmente. Bresson, Buñuel, Godard, Truffaut, Rohmer, Bergman, Visconti, Fellini, Rosselini, Dreyer e inúmeros outros mestres têm quase todos os seus títulos mais significativos à disposição nas gôndolas dos estabelecimentos que têm a dignidade de oferecer ao público mais do que os manjados blockbusters do momento. Isso sem falar em filmes cultuados, como ‘Felicidade’, ‘Leòlo’, ‘A Canção da Estrada’, ‘O Quarto Homem’, ‘Os Olhos Sem Rosto’, ‘Freaks’, ‘Aconteceu Perto de sua Casa’, as provocações de Andy Warhol, os clássicos blaxploitation dos 70, as podreiras de John Waters, a primeira new wave japonesa e outros tantos. Até Mizoguchi e Ozu, que jamais tiveram um filme menor que fosse lançado por aqui em VHS, começaram a receber a atenção que merecem. Só o que não dá pra entender é o que acontece com o pai espiritual do cinema independente americano. Um mistério.

John Cassavetes foi ator conhecido (‘Os Doze Condenados’, de Aldrich, ‘O Bebê de Rosemary’ , de Polansky), mas sua grande contribuição foi atrás das câmeras (e também no set, comandando exaustivos ensaios com seu atores, e à frente da folha de papel, escrevendo e reescrevendo seus roteiros incontáveis vezes à medida que os intérpretes iam lhe revelando coisas a respeito dos personagens): goste ou não, quem vê um filme que leva sua assinatura jamais esquece. Paralelamente à (nova) revolução francesa da sétima arte levada a cabo no final dos anos 1950 pela turma dos "jovens turcos" dos Cahiers Du Cinéma, o novaiorquino descendente de gregos e egresso dos teatros, já na estréia, em ‘Shadows’ (1959, portanto o mesmo ano de lançamento dos marcos iniciais da nouvelle vague, o ‘Acossado’ de Godard e ‘Os Incompreendidos’ de Truffaut), também colocava sua câmera nervosa na rua, utilizava atores não profissionais, usava e abusava de closeups pra dissecar seus personagens, falava sobre os dramas de pessoas reais – e pra se ter uma ideia da determinação do cara, em um programa de rádio ao qual comparecera pra promover ‘Um Homem Tem Três Metros de Altura’, de Martin Ritt, seu sexto filme como ator, ele não só declara em alto e bom som que pretende dirigir um filme "sobre pessoas autênticas", como conclama a audiência a contribuir com dinheiro para isso. Saiu de lá com 2 mil dólares (!), provavelmente o primeiro e único caso na história do cinema americano em que o público dá o pontapé inicial para a realização de um filme, que custaria ao final a bagatela de 40 mil dólares.

O segredo dos filmes de Cassavetes (1929-1989) era seu método. Em primeiro lugar, com a exceção de sua curta passagem pelos grandes estúdios, só trabalhou com produtores com quem mantinha afinidades, que compreendiam suas ideias e apostavam nelas. Os atores não eram apenas cúmplices mas colaboradores, dividindo a criação com o diretor: os ensaios intermináveis e a liberdade para improvisar acabavam por redelinear não apenas os personagens, mas a própria trama, reescrita várias vezes ao longo das filmagens – que, por sua vez, eram levadas a cabo como um work in progress, onde havia um roteiro, sim, mas que estava ali apenas para servir de bússola, dando o norte para um destino já traçado, mas não impondo limitações, deixando margem para possíveis alterações no caminho. Um improviso mais ou menos calculado, portanto, de onde o diretor, atento a todos os detalhes, extraía o que interessava, aquele algo mais revelador do inesperado. Por isso, os filmes de Cassavetes são tão vivos, muitas vezes parecendo ser a própria vida real que transcorre na tela ou um daqueles documentários ao estilo ‘cinema verdade’ – por sinal, uma das influências do diretor, além do neo-realismo italiano e do naturalismo televisivo, bem conhecido de seus tempos de ator.

No final de 2007, em uma rara oportunidade daquelas a se lamentar profundamente se perdida, a Casa de Cultura Mário Quintana, em parceria com a distribuidora/cineclube carioca Filmes do Estação, exibiu um ciclo com cinco filmes do de Cassavetes. Um breve resumo de cada um deles – qualquer um cairia muito bem nas prateleiras:

‘SOMBRAS’ (‘SHADOWS’), 1959
Estréia na direção de Cassavetes, um filme que, se não chega a ser um marco do cinema moderno da estatura de ‘Cidadão Kane’, sem dúvida pode ser considerado uma ruptura com o modelo representado pelos estúdios: a câmera, com singular liberdade, acompanha o cotidiano de três irmãos negros e suas frustrações. Benny, o revoltado, quer ser saxofonista; Hugh é cantor de jazz, se apresenta em bares e sonha em dar um salto na carreira; Lelia sonha em ser escritora, e em meio a um processo de auto-descoberta se vê apaixonada por Tony, uma rapaz branco, que, ao se dar conta de que ela é ‘de cor’ (ela é mestiça, ao contrário dos irmãos, cuja negritude é mais evidente), a abandona. A vida pulsa e o jazz dá o ritmo neste clássico do cinema independente americano.

‘FACES’, 1968
Esta crônica de um casamento desgastado pelo tédio é mais um clássico na filmografia de Cassavetes. Richard (John Marley, excelente) e Maria (Lynn Carlin) estão juntos há 14 anos, o que não impede que ele vá fazer farra no apartamento de uma prostituta (interpretada pela grande Gena Rowlands, mulher de Cassavetes, em seu primeiro papel de maior relevo nos filmes do marido), enquanto ela sai com suas amigas igualmente de saco cheio do casamento e caba se envolvendo com um tipinho com pinta de gigolô (Seymour Cassel) que joga seu charme para as quatro coroas. As aventuras de uma noite só do casal só lhes trarão mais frustração. O título não só sugere o caráter analítico do filme como meio que escancara a técnica empregada para esta devassa da alma dos personagens: jamais se viu até então no cinema americano tantos closes em um filme só quanto nesta obra de Cassavetes – de dar inveja a Dreyer e Bresson.

‘UMA MULHER SOB INFLUÊNCIA’ (‘A WOMAN UNDER THE INFLUENCE’), 1974
Um dos filmes mais conhecidos e estimados do diretor e um dos maiores tour-de-force interpretativos de que se tem notícia: a bipolar Mabel de Gena Rowlands é seguramente uma das mais densas atuações de toda a história do cinema, só vendo pra crer. Seu marido, o trabalhador da construção civil Nick (Peter Falk, ele mesmo, o Columbo da série de TV!), não compreende o comportamento exuberante da mulher em seus picos de euforia, assim como o restante dos familiares e amigos, que têm dificuldade em lidar com a situação. Crônica da vida pequena de uma família de classe média baixa americana, retrato da incompreensão daquilo que não se mostra como ‘normal’, um dos grandes filmes americanos dos anos 1970 (e não só), talvez o melhor de todos os Cassavetes.

‘O ASSASSINATO DE UM BOOKMAKER CHINÊS’ (‘THE KILLING OF A CHINESE BOOKIE’), 1976
Com pinta de film noir, acompanha a angústia do dono de uma boate que é encarregado de matar o bookmaker do título pra compensar a dívida que tem com mafiosos. O excelente Ben Gazzara é o empresário da noite em apuros – e crise de consciência.

‘NOITE DE ESTRÉIA’ (‘OPENING NIGHT’), 1977
Mais uma interpretação histórica da sra. Cassavetes, aqui na pele de Myrtle Gordon, uma atriz de teatro em crise de identidade, que entra definitivamente em parafuso quando uma fã, após lhe pedir autógrafo, morre atropelada – lembrou do ‘Tudo Sobre Minha Mãe’ de Almodóvar? Pois foi daqui mesmo que saiu a inspiração, o filme do realizador espanhol inclusive é dedicado a Gena. A sequência da apresentação da peça, com Myrtle em frangalhos e a produção e elenco desesperados, é peça de antologia.

Vale ainda ressaltar que, embora os filmes de John Cassavetes jamais tenham merecido a atenção das distribuidoras no Brasil, já foi lançado por aqui um livro sobre sua vida e obra, numa daquelas incongruências bem próprias do mercado nacional: "John Cassavetes – Biografia, análise crítica e filmografia completa do diretor de ‘Gloria’ e ‘Faces’", do francês Thierry Jousse (ex-redator-chefe da Cahiers Du Cinéma), saiu em 1992 pela Nova Fronteira e trazia entrevistas com amigos próximos e colaboradores do cineasta: o ator Ben Gazzara e os faz-tudo Al Ruban e Seymour Cassel. Claro que a obra está esgotada há anos, podendo ser encontrada, com muita sorte, em sebos. Quanto aos filmes, estes nem em sebo: só ‘Amantes’ (‘Love Streams’, seu penúltimo filme, de 1984) pode ser encontrado em poquíssimas locadoras que ainda mantêm acervos em VHS, ou conferido na programação do Telecine Cult, onde passa ocasionalmente -além de ‘A Canção da Esperança’ (‘Too Late Blues’, título de 1961, primeira incursão hollywoodiana do realizador, naturalmente com algumas concessões não vistas antes em seus trabalhos independentes). O resto, só importando.

PS – ‘Shadows’ acaba de ser relançado no mercado americano (certamente como comemoração pelos 50 anos de seu lançamento) em DVD pela prestigiada Criterion Collection, em edição no capricho (pra variar): nos extras, tem entrevistas com a atriz Lea Goldoni e o produtor associado e parceiro de trago Seymour Cassel, uma rara filmagem em 16mm de uma das workshops de Cassavetes, um documentário sobre a restauração do filme e um livreto contendo um ensaio do crítico Gary Giddins e um texto de 1961 do próprio Cassavetes sobre o filme. Coisa fina mesmo. Mas por aqui, uma mera ediçãozinha simples já serviria pra preencher uma lacuna e tanto.