sábado, 28 de fevereiro de 2009

Frases e diálogos inesquecíveis (5)


"Reading first. Sex afterwards".

(Hanna Schmitz/Kate Winslet para o amante adolescente em 'O LEITOR')

Frases e diálogos inesquecíveis (4)


"Quando você faz amor com uma mulher, você se vinga de todas as coisas que o derrotaram na vida"

(Ben Kingsley/David Kepesh/Phillip Roth em 'FATAL', versão de Isabel Coixet para 'O Animal Agonizante', de Roth)

Analfabeta, mas mais letrada que muita gente por aí ...

'Guerra e Paz', 'A Dama do Cachorrinho', 'O Amante de Lady Chaterley', 'A Odisséia', poemas de Rilke, 'As Aventuras de Huckleberry Finn', ... para uma analfabeta, as referências literárias de Hanna Schmitz, personagem da oscarizada Kate Winslet em 'O LEITOR', não são nada modestas. Enquanto isso, por aí, muito marmanjo supostamente letrado anda lendo ... lendo o quê, mesmo?

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Versinhos bacanas (3)

"Most of My Fantasies Are of
Making Someone Else Come
Most of My Fantasies Are of
To Be of Use
To Be of Some Hard
Simple
Undeniable Use

Like a Spindle
Lika a Candle
Like a Horseshoe
Like a Corksrew"


(To Be of Use, (Smog))

Frases e diálogos inesquecíveis (3)


Bujiú (o líder da cela): "ô Alecrim, porque essa frescura toda aí meu irmão, porque que tu traz uma coisa de cada vez, meu irmão? Porque você não traz tudo de uma vez e senta aí pra comê, porra?"
Nonato (o 'Alecrim', cozinheiro): "Não é não, Bujiú é que não é prá misturá tudo no mesmo prato, né. Tem que senti os gosto, tem que sê uma coisa de cada vez, que senti os tempero tudo, né?"
Lino (preso na mesma cela de Bujiú): "Pra quê? Vai misturar tudo na barriga mesmo. No bucho, fica tudo junto."
Nonato: "É, mas você não come merda só porque a comida vai virá merda no bucho, né, Lino? Minha gente, alguém come merda aqui, não, né?"
Lambari (preso na mesma cela de Bujiú): "Eu nunca comi merda. Mas já fiz um desinfeliz comer."
Suely (detento, travesti): "Ai, gente, que nojo! Eu tô comendo."
Etecétera (o bambambam dos criminosos): "Peraí, cara! Peraí. E ele disse se era bom, que gosto que tem?"
Lambari: "Ói, ele não disse se é bão, mas deixô ele com um bafo desgraçado."

(Cena do almoço oferecido por Bijiú ao poderoso Etecétera em ESTÔMAGO)

E o Oscar não vai para ... um filme do Brasil (nem poderia)

Transcorrida mais uma cerimônia de premiação da chamada "maior festa do cinema mundial" (esses inextinguíveis clichês jornalísticos ...), confesso que não posso opinar sobre a justiça (ou não) dos resultados do certame e menos ainda sobre o evento em si. Basicamente, pelas óbvias razões de que, primeiro, não vi a maioria dos filmes envolvidos na disputa pelos principais prêmios, e, segundo, porque não vi a própria cerimônia, far away from cable que estava (e a Globo, claro, não iria queimar o Carnaval carioca pelo Oscar). Li na página do Roger Ebert, no Chicago Sun-Times, que foi a melhor cerimônia a que ele assistiu (e ele assistiu a várias) em muito tempo. Paciência. Ganharam aqueles mais ou menos esperados, talvez de surpreendente só mesmo a montanha de estatuetas dadas ao tal ‘Slumdog Millionaire’, do Danny Boyle – mais um cineasta britânico superestimado, com alguns bons filmes no currículo, mas longe de ser tudo isso – e a não premiação do ressuscitado do inferno Mickey Rourke, por sua monstruosa (naturalmente em mais de uma acepção) caracterização em ‘The Wrestler’ (se bem que, persona non grata na indústria há muito tempo, por conta do comportamento irascível e da língua solta, sua indicação já pode ser interpretada como um prêmio, soando como algo tipo "te damos mais uma chance, mas ainda estás em observação". Azar da Academia, anyway).

Mas o que eu quero comentar não é sobre quem foi e quem não foi premiado, mas sobre quem nem sequer chegou lá pra ver a festa dos outros. Mais uma vez, o ansiado Oscar para a emergente cinematografia nacional não saiu para o país do carnaval. Nem poderia. A comissão de notáveis que escolhe o candidato brasileiro para a festa que os perdedores brasucas costuma dizer ser "uma festa deles" – o curioso é que esse universo supostamente fechado aos filmes brasileiros tem sido receptivo a lugares ‘representativos’ da produção cinematográfica mundial tais como Suíça, Bósnia, Áustria e África do Sul (?!) –, ao invés de apostar em títulos que atestam a originalidade e o vigor do cinema brasileiro nos últimos anos (‘Cinema, Aspirina, Urubus’, ‘Árido Movie’, ‘O Céu de Suely’, ‘Cidade Baixa’, ‘O Baixio das Bestas’) têm dado vez a produções que, segundo as sumidades que fazem parte da referida confraria, teriam mais condições de se dar bem na cerimônia, têm ‘mais cara de Oscar’ – como o novelão ‘Olga’, filmeco lotado de clichês que disperdiça uma das mais pungentes histórias de coragem e paixão possíveis, transformando-a um melodrama barato e apelativo, tipo de cinebiografia que desrespeita a rica trajetória do(s) biografado(s) e que até Hollywood tem vergonha de fazer. Este ano, o pessoal escolheu ‘Última Parada: 174’, de Bruno Barreto, para finalmente acabar – ou minimizar – com este complexo de vira-latas nacional do qual só o futebol, ao que parece, conseguiu imunizar-se totalmente até hoje (e há apenas 50 anos). Mas não deu, o mais recente empreendimento da família Barreto não descolou o sonhado convite para a festa principal. Nem poderia, insisto.

Além da absoluta pretensão de tentar adivinhar o que vai na cabeça dos acadêmicos, de querer avaliar, entre as produções lançadas no mercado nacional ao longo da temporada passada, aquela que teria mais chances de dobrar o pessoal que outorga os prêmios mais cobiçados do mercado cinematográfico, a tal comissão (formada por Antonio Alfredo Torres Bandeira, Cleber Eduardo Miranda dos Santos, Silvia Maria Sachs Rabello, Maria Dora Genis Mourão, o nosso Giba Assis Brasil e Paulo Sérgio Almeida, além do secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura, Silvio Da-Rin, que presidiu os trabalhos) demonstra não conhecer a competição para a qual indicaram um representante. É sabido por qualquer cinéfilo minimamente informado que a categoria de Melhor Filme Estrangeiro tem significativa diferença em relação às outras premiações, destinadas aos filmes de língua inglesa: trabalhos com uma linguagem mais autoral e mais ousados esteticamente freqüentemente são premiados, mesmo que ali também haja injustiças vez que outra, talvez por tratar-se do mercado dos outros – afinal, se o Oscar é um prêmio da indústria, um indicativo do tipo de produção que a Academia imagina que deva mais ou menos balizar o trabalho dos estúdios no momento (filmes de orçamentos inchados, com grandes astros e produções onde salta aos olhos cada centavo gasto têm dado lugar ultimamente a produções de cunho mais independente, de cifras reduzidas), quando o foco sai do próprio umbigo esses critérios mercadológicos podem ficar em segundo plano. Enfim, especulações à parte, o fato é que na categoria de filme estrangeiro De Sica, Buñuel, Truffaut, Fellini e Kurosawa chegaram a ser premiados consecutivamente, no início dos anos 1970, e Bergman chegou a levar dois seguidos, entre o final dos 50/início dos 60, época da explosão, em escala mundial, do cinema europeu de arte. Filmes francamente políticos (leia-se esquerdistas de carteirinha), como ‘Z’, de Costa-Gavras, e ‘Investigação de Um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita’, de Elio Petri, além de ‘A História Oficial’, da vizinha Argentina, também levantaram o trofèu dourado. Fica difícil imaginar, então, porque a Academia se deslumbraria com um filme (mais um!) brasileiro sobre violência urbana cinco anos depois de recusar a principal referência recente do gênero, o fenômeno (mundial, aliás, tanto de público quanto de crítica) ‘Cidade de Deus’, preterido à época supostamente por ter chocado os acadêmicos mais idosos pela sua extrema violência, apesar do lobby massivo do então todo-poderoso chefão da Miramax, Harvey Weinstein.

Lobby, aliás, que funciona que é uma beleza por aqui. A força da família Barreto é uma coisa impressionante, tanto para conseguir financiamento público quanto emplacar indicações como essa, para o direito de ser o representante oficial do Brasil no Oscar – se não estou enganado, a terceira em quinze anos (Fábio Barreto, que divide com ‘Jayminho’ Monjardim o posto de mais medíocre cineasta brasileiro da atualidade, por ‘O Quatrilho’, e Bruno pela sua controversa adaptação de ‘O Que é Isso Companheiro?’, além do ‘174’). O velho Barretão, Luís Carlos, tem seus serviços prestados ao cinema brasileiro: é o responsável pela histórica fotografia de ‘Vidas Secas’, de Nélson Pereira, uma das principais referências da ‘estética da fome’ do Cinema Novo, foi amigo pessoal de Gláuber Rocha, é co-roteirista de ‘Assalto ao Trem Pagador’ de Roberto Farias, além de produtor íncansável de mais de 70 filmes em quase 40 anos de carreira – entre eles, a maior bilheteria do país em todos os tempos, ‘Dona Flor e Seus Dois Maridos’ –, sobrevivendo a todas as crises que já se abateram sobre a produção nacional – ‘O Quatrilho’ justamente foi uma das produções que realavancou o cinema brasileiro em meados dos 90, a famosa ‘retomada’logo após a terra arrasada da era Collor. Mas age como cartola de futebol nos bastidores, pegando pesado para que seu time e só ele obtenha benefícios que muito bem poderiam ser buscados no próprio mercado, por conta do tipo de produção, mais acessível, em que costuma investir e naturalmente pelos resultados apresentados. Aliás, uma das boas coisas da passagem de Gilberto Gil pelo Ministério da Cultura foi justamente negar patrocínio público para quem já está mais do que consolidado no mercado e teoricamante não necessitaria se agarrar às mamas do Estado, como Barretão. Claro que ele chiou, então, dando o carteiraço de que "tenho mais de trinta anos de atividades, vários de meus filmes foram campeões de bilheteria ...", ao que Gil respondeu que justamente a função de seu Ministério não era dar dinheiro pra medalhões que não precisam mas para quem tem, ao contrário, talento de sobra mas dificuldades de mostrar a cara.

Mas o mais curioso de tudo é que a escolha da indicação de ‘174’ como filme oficial do Brasil para o Oscar saiu no dia 16 de setembro do ano passado sem que a obra tivesse entrado no circuitão ainda – apenas algumas exibições em festivais foram registradas, já que a entrada em cartaz nacional estava prevista só para 24 de outubro. Mas então como é que obteve a indicação, se uma das exigências justamente é ser exibido em cinemas – com venda de ingressos, naturalmente – por pelo menos uma semana? Ah, aí entra mais uma brilhante jogada da família Barreto: para cumprir a exigência, o filme foi colocado, em uma única sala, em Jundiaí, interior de São Paulo. Cumpriu a regra, mas não deu condições para que a aceitação popular e a opinião da crítica especializada fossem minimamente consideradas, o que reforça a idéia de que a tal comissão de notáveis responsável pela escolha imagina-se uma autoridade e tanto no que é melhor para o Brasil em termos de visibilidade do seu produto audiovisual. Portanto, a única conclusão possível é que, ao desprezarem a Academia, cuja preferência eles imaginam ser por produções corriqueiras, acabaram desprezando também o que de melhor o filme nacional brasileiro produziu, preterido a criatividade em prol do senso comum (que, repito, eles imaginam saber como é) e o próprio filme indicado, que, afinal, cabe neste contexto furado deles de ‘filme acessível ao gosto acadêmico’. O cinema brasileiro ficou sem o passaporte para o evento que parece concentrar todas as expectativas de uma parte significativa dos realizadores, da imprensa e do público brasileiros, para quem falta a estatueta dourada para ser definitivamente legitimada a produção audiovisual brasuca. O que é uma grossa bobagem, obviamente, já que o Oscar não serve para legitimar absolutamente coisa nenhuma – se é por preimação, Cannes, Berlim, Sundance, Toronto, Veneza ... têm mais credibilidade, e se o critério é a posição na indústria, o cinema nacional já está definitivamente representado por diversos atores e realizadores que vêm constantemente filmando em Hollywood ou trabalhando em co-produções estrangeiras faz tempo.

Não vi ‘Última Parada: 174’, talvez até seja um filmão. Bruno Barreto, sabidamente, é um cineasta competente – o ótimo ‘Dona Flor e Seus Dois Maridos’ foi lançado quando Bruno contava com apenas 21 anos de idade – e um realizador que se sai bem no drama (‘O Beijo no Asfalto’), na comédia (‘Dona Flor’), no suspense (‘O Que É Isso, Companheiro?’ é um thriller eficiente, apesar da mal enjambrada relatividade moral proposta para certos personagens). Mas não é um autor, alguém com uma visão particular de mundo e de cinema, que mereça esta distinção, a honra de representar a arte de um país. A trágica história de Sandro do Nascimento, sobrevivente da chacina da Candelária que resolve sequestrar um ônibus, também já havia sido contada antes por José ‘Tropa de Elite’ Padilha, no documentário ‘Linha 174’. E filmes brasileiros de violência urbana, cá entre nós, é um filão que já se esgotou – até os cinemeiros gringos já não têm mais saco pra isso. ‘Estômago’, o divertido filme de estréia (em ficção) de Marcos Jorge, tinha todos os quesitos para fazer bonito na desesperada busca pela estatueta que parte do cinema brasileiro acha que precisa: é original, conta uma história que prende a atenção do início ao fim sem jamais perder o ritmo, possui grandes personagens (o mais óbvio é o Raimundo Nonato do baiano João Miguel, mas há ainda a Íria da curitibana – estreante – Fabíula do Nascimento, o Bujiú de Babu Santana, e mais um cômico bandidão composto pelo Titã Paulo Miklos, Etecétera), diálogos bem construídos e impagáveis, além do tratamento engenhoso que dá para o tema que serve de mote para a história, que é a lei do mais forte (ou mais esperto) na luta pelo poder em diferentes esferas da sociedade brasileira.

Então, no final das contas, é bem feito, pra comissão de notáveis, pros Barreto, pro cinema nacional, que a tal indicação não saiu. Ninguém mandou fazer filme pra ganhar Oscar. Nem escolher filme de organização mafiosa pra representar um ramo de atividade que vem dando seguidas mostras de vitalidade no Brasil. O provincianismo imperou na escolha local, mas foi derrotado mais uma vez pela ‘diretoria’, que fez a justiça que não foi feita antes na origem. O cinema de verdade agradece.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Paradão (24 e 25/02/2009)

Planet Claire (B-52’s)
Diamonds, Fur Coat, Champagne (Suicide)
TV Party (Black Flag)
Do You Like Me (Fugazi)
Golden Age (TV On The Radio)
Sweetheart Contract (Magazine)
Shake Your Rump (Beastie Boys)
Broken English (Marianne Faithfull)
Theme from ‘Shaft’ (Isaac Hayes)
The Wait (Killing Joke)
Mongoloid (Devo)
Ladytron (Roxy Music)
Trust Your Mechanic (Dead Kennedys)
Burning Inside (Ministry)
Disco Infiltrator (LCD Sound System)
Eat Y’self Fitter (The Fall)
Peter Piper (Run DMC)
Stoned Soul Picnic (Laura Nyro)
Freddie’s Dead (Curtis Mayfield)
Into the Light (Siouxsie & The Banshees)

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Paradão da Semana (16-20/02/2009)

Elektrobank (Chemical Brothers)
Can’t Do Nuttin’ For Ya Man (Public Enemy)
Mambo Sun (T-Rex)
That’s How I Escape My Certain Fate (Mission of Burma)
Heart Cooks Brain (Modest Mouse)
Thoughts and Words (Byrds)
Come Live With Me Angel (Marvin Gaye)
I Saw the Light (Todd Rundgren)
Hasty Boom Alert (M-Ziq)
We Have Explosive (Future Sound of London)
Poison (Prodigy)
Kool Keith Housing Things (Ultramagnetic MC’s)
Penetration (Iggy & The Stooges)
At Home, He’s a Tourist (Gang of Four)
To Be of Use ((Smog))
Mr. Soul (Buffalo Springfield)
Pastime Paradise (Stevie Wonder)
Brand New Day (Van Morrison)
Building Steam With a Grain of Salt (DJ Shadow)
Roygbiv (Boards of Canada)
In My Eyes (Minor Threat)
Mr. Your On Fire Mr. (Liars)
Shadow of a Doubt (Sonic Youth)
Funky Drummer (James Brown)
Uh-Oh, Love Comes to Town (Talking Heads)
Who Loves the Sun (Velvet Underground)
Pay to Cum (Bad Brains)
Days of Being Wild (... And You’ll Know Us By The Trail of Dead)
Barnaby, Hardly Working (Yo La Tengo)
Stone Free (BBC Sessions) (Jimi Hendrix)
See No Evil (Television)
The Crystal Ship (Doors)

Frases e diálogos inesquecíveis (2)


"You shouldn't ask me for advice...When it comes to relationships with women, I'm the winner of the August Strindberg award."

(Isaac Davis/Woody Allen, desabafando sobre seus infortúnios afetivos em MANHATTAN)

Cinco tesouros (mais ou menos) escondidos

Som de primeira ‘escondido’ do grande público – ou mesmo passando ao largo daquele público que, a princípio, teria tudo pra apreciá-lo – sempre vai haver. O mercado, mesmo o indie, é inchado demais, centenas de lançamentos inundam as prateleiras das gravadoras, as páginas das revistas – impressas, virtuais – e das lojas especializadas na internet, numa velocidade tão absurda que até pra quem é do meio fica difícil acompanhar. Nunca me esqueço dos meus tempos de Unisinos FM, em que, trabalhando com absoluta liberdade (não é mito, não), apesar do descaso com que a universidade tratava sua emissora de rádio, cansamos de tocar, em absoluta primeira mão, anos antes de todo mundo, bandas e artistas relevantes no universo pop/rock (e não pop-rock, por favor): Belle & Sebastian, Black Rebel Motorcicle Club, Gomez, High Llamas, Elliott Smith, Roni Size & Reprazent, DJ Shadow, os hoje manjados Placebo, Queens of the Stone Age, Wilco (desde o primeiro, A. M.) e White Stripes (nem amigos da Ipanema e da redação da ZH com quem encontrei lá pelos idos de 2002 conheciam, e a gente já rodava faixas do terceiro álbum, White Blood Cells), Sigur Rós (este e outros baluartes do chamado pós-rock eles não têm coragem de rodar até hoje), ... ufa! A lista é longuíssima! Buscávamos clássicos esquecidos, as bandas quentes do momento – e as frias também –, sempre com a ideia de formar um acervo o mais completo possível, pra oferecer ao ouvinte um panorama amplo e que, além de divertir, estimulasse uma visão mais crítica do universo musical.

Claro que hoje, dadas as facilidades que a tecnologia coloca à disposição, tá tudo muito mais fácil, é só ir nos endereços certos (NME, MySpace, All Music Guide, Pitchfork Media) e logo se fica sabendo das apostas da crítica, dos fãs e dos próprios músicos. Mas mesmo assim alguma coisa acaba escapando ou acaba não recebendo a atenção devida, é inevitável. Humildemente, COMPANHIA MAGNÉTICA dá seu toque, selecionando cinco bandas do primeiro time que, por um motivo ou outro, não sá lá muito falados por aqui.

ADD N TO (X)
Trio londrino formado por Barry Smith (A.K.A. Barry 7), Ann Shenton e Steven Claydon, todos obcecados por sintetizadores Vintage e pelo trabalho de pioneiros da música eletrônica como Varèse, Robert Moog, Walter/Wendy Carlos, Brain Eno, Can. Terroristas sonoros com senso de humor: na capa do segundo disco, Ann aparece em uma mesa cirúrgica onde está sendo retirado um synth de suas entranhas – reforçando a estética ‘homem-máquina’ tomada de empréstimo do Kraftwerk. Dos cinco álbuns, só o penúltimo, justamente o mais acessível, saiu no Brasil, pela Sum Records. O melhor é o terceiro, com influências que vão da surf music ao punk eletrônico do Suicide (a quem foram comparados nos Estados Unidos, por conta de seus shows incendiários, que, se já não bastasse a barulheira feita por uma parede de synths e do theremin de Claydon, ainda contava com o auxílio de dois bateristas, Andy Ramsay, do Stereolab, e Rob Hallam, do High Llamas), e que conta com o clássico ‘Metal Fingers in My Body’, cujo clipe, de animação, mostra uma mulher fazendo sexo com um robô, e ‘Ann’s Eveready Equestrian’, uma das faixas mais bizarras dos anos 90. Infelizmente, encerraram as atividades em 2003.
Discografia – álbuns:
Vero Electronics (1996)
On the Wires of Our Nerves (1998)
Avant Hard (1999)
Add Insult to Injury (2000)
Loud Like Nature (2002)

LIARS
Outro trio – originalmente, era um quarteto –, este é novaiorquino, egresso da mesma cena de onde surgiram TV On The Radio (aliás, David Sitek co-produziu o segundo álbum deles) e Yeah Yeah Yeahs (Karen O foi namorada do vocalista), embora a origem mais remota seja Los Angeles, onde Aaron Hemphill e Angus Andrew, estudantes de arte, se conheceram. O método de composição dos caras é curioso: Memphil, guitarrista e programador eletrônico, cria a batida na sua drum machine e só depois as canções vão se estruturando – mais ou menos, pois em boa parte do trabalho dos caras é dificil se falar em "canções estruturadas". Tamanha espontaneidade e aquele clima de descompromisso absoluto são marcas evidentes no álbum de estréia, totalmente gravado em apenas dois dias. A influência básica dos caras vem daquelas bandas que uniam pounk rock, levada funk e muito ruído, na virada dos anos 70 para os 80: P.I.L., Gang of Four, Minutemen, Pop Group, ... O percussionista Julian Gross completa a formação do grupo, um dos mais anárquicos e divertidos desta década.
Discografia – álbuns:
They Threw Us All in a Trench and Stuck a Monument On Top (2002)
They Were Wrong, So We Drowned (2004)
Drum’s Not Dead (2006)
Liars (2007)

MODEST MOUSE
Desta seleção, é provavelmente o mais conhecido, pois, além de já sido lançado por aqui – assim como o Add N To (X), teve apenas um álbum lançado no mercado brasuca, no caso o penúltimo –, inclui em sua formação, desde 2006, Johhny Marr, o incensado ex-guitarrista dos Smiths, que hoje vive em Portland, Oregon, cidade do cineasta Gus Van Sant e berço de vários grupos e artistas significativos do indie rock yankee. O MM também é do noroeste dos EUA, vem da pequena Isaquah, Washington, e é cria de uma das figuras mais peculiares do rock americano recente, o cantor, guitarrista e compositor Isaac Brock, cuja história é daquelas típicas de filmes independentes que tratam de famílias disfuncionais: ainda quando criança, sofre um baque quando sua mãe separa-se do seu pai ... pra ficar com o irmão dele! Tempos depois, foram viver no trailer do padrasto – onde não havia espaço pra Isaac, que foi viver em lugares como o porão da casa de um amigo, até finalmente ser aceito no trailer do casal – onde o trio formado por Brock, Eric Judy (baixo) e Jeremy Green (bateria). As letras de Brock estão entra as mais originais da atualidade, e o som, um guitar rock climático e denso, áspero no começo (comparado a Pixies e Pavement), etéreo na passagem do universo indie para o das grandes gravadoras – transição feita sem traumas, diga-se: o som dos caras continua tão esquisito quanto nos primeiros anos –, melódico nas gravações mais recentes. A banda paralela de Brock, Ugly Casanova, é bacana também.
Discografia – álbuns:
This Is a Long Drive for Someone with Nothing to Think About (1996)
The Lonesome Crowded West (1997)
The Moon & Antarctica (2000)
Good News for People Who Love Bad News (2004)
We Were Dead Before the Ship Even Sank (2007)
* a coletânea Building Nothing Out of Something (2000) também é item obrigatório: reúne singles, o E.P. Interstate 8, e faixas raras de seu período na Up Records – que espertamente lançou o álbum justo quando o grupo atraía os holofotes da mídia, na época do lançamento de seu primeiro álbum por uma major, The Moon & Antarctica.

(SMOG)
Formação comum na seara alternativa, os "grupos de um homem só" geralmente possuem um dono que dá as coordenadas para que músicos contratados executem suas idéias – o Nine Inch Nails de Trent Reznor, embora mantenha uma ‘formação oficial’, trabalha assim –, embora várias outras entidades, embora recebam nomes de bandas, sejam, de fato, obra de apenas uma pessoa, que compõe, canta e se vira em todos os instrumentos. O (Smog) é desse time. Um dos pioneiros, no final dos 80 (estreou com uma fita cassete lançada em 1988)/início dos anos 90 (1990 é a data de lançamento do primeiro álbum), da onda lo-fi (gravações caseiras geralmente registradas em pequenos gravadores de 4 canais e não raro realizadas na casa de um dos músicos), é cria de outra figura rara, o esquizofrênico (não é figura de linguagem, o diagnóstico é esse mesmo) Bill Callahan. Das indas e vindas de clínicas psiquiátricas, amores desfeitos e o sentimento de solidão permanente, Bill tira o material de suas canções. De caráter eminentemente experimental no ínicio, o som do (Smog) foi amadurecendo para um formato de canção bem definido, em que referências como Nick Drake, Leonard Cohen, Dylan e Lou Reed (seu grande fã, aliás) se tornam amplamente perceptíveis. Mas não há como confundir o som desleixado, melancólico e reflexivo do (Smog) e a voz deadpan de Bill Calahan com qualquer outra coisa disponível no mercado.
Discografia - álbuns:
Sewn to the Sky (1990; lançado originalmente em LP, só foi sair em CD em 1995)
Forgotten Foundation (1992)
Julius Caesar (1993)
Wild Love (1995)
Doctor Came at Dawn (1996)
Red Apple Falls (1997)
Knock Knock (1999)
Dongs of Sevotion (2000)
Rain On Lens (2001)
Supper (2003)
A River Ain’t Too Much to Love (2005)
* pela primeira vez usando seu nome real, Bill Callahan lançou Woke On a Whaleheart em 2007. Para este ano, prepara Sometimes I Wish We Were An Eagle.

THE WALKMEN
Novaiorquinos como os Liars, mas menos experimentais e mais soturnos e sofisticados: suas referências vão do blues às canções mais introspectivas de Bruce Springsteen (tipo as do clássico ‘Nebraska’), de Nick Cave a Tom Waits, passando pelos baluartes do protopunk novaiorquino (Velvet Underground, Television) e do pós-punk. O debut do quinteto, formado dos escombros de duas conhecidas bandas do underground da big apple dos 90, Jonathan Fire-Eater e The Recoys, é um dos melhores discos de estréia desta década e não só, onde a delicadeza de cordas e pianos convive em harmonia com o som sujo das guitarras típicas do melhor rock garageiro. Os Walkmen levam tão a sério sua arquitetura sonora que são os felizes proprietários de um dos endereços mais quentes em termos de gravação do planeta: os Marcata Studios, um generoso espaço para ensaios, com uma verdadeira coleção de equipamentos vintage, além de um moderníssimo estúdio de 24 canais – que já abrigou gravações do The Kills, dos conterrâneos French Kikcs, de Arto Lindsay e até da Nação Zumbi –, a 1h15 min. de Manhattan (ficava originalmente numa fábrica desativada no Harlem, mas a Columbia University acabou comprando o antigo prédio onde localizava-se a ‘casa’ dos Walkmen, que, chutados do local, gravaram lá seu penúltimo disco, em 2006, em tom de despedida. Dois anos depois, foi reinaugurado.)
Discografia - álbuns:
Everyone Who Pretended to Like Me is Gone (2002)
Bows + Arrows (2004)
A Hundred Miles Off (2006)
"Pussy Cats" Starring The Walkmen (2006; versão dos caras para o álbum Pussycats, lançado pela dupla John Lennon e Harry Nilsson em 1974)
You & Me (2008)
* toque adicional: vale a pena procurar os discos do Jonathan Fire-Eater, um dos embriões do Walkmen: o E.P. Tremble Under Boom Lights (1997, com a sensacional ‘Give Me Daughters’) e os dois álbuns, Jonathan Fire-Eater (1995) e Wolf Songs For Lambs (1998).

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

O enganador Sam Mendes

Entre meados das décadas de 80 e 90, o britânico Adrian Lyne era um dos diretores mais populares do cinema. Um dos tantos cineastas da época egressos da publicidade (Ridley Scot, Alan Parker), seus filmes, invariavelmente, viravam sucessos de bilheteria, tirando proveito, sobretudo, da então nascente estética videoclípica (‘Flashdance’), de referências a clássicos da controvérsia (‘9 ½ Semanas de Amor’ claramente se pretendia um ‘O Último Tango em Paris’ da era yuppie), tramas apelando para o sencionalismo mais canhestro (‘Atração Fatal’, que até lhe rendeu uma absurda indicação ao Oscar de direção, num tempo em que a Academia era ainda mais sem noção do que é hoje) e polêmicas baratas como a de ‘Proposta Indecente’. Um oportunista vulgar, bem a cara tacanha do mauricismo reinante naqueles dias, mas esperto o suficiente pra fazer dinheiro à custa de polêmica, geralmente relacionada ao trinômio sexo/amor/poder. O tempo de Lyne passou – sua adaptação de ‘Lolita’, apesar de mais picante que a contida versão Kubrickiana, naufragou completamente, e seu último trabalho, ‘Infidelidade’ (o cara apela ou não apela?), já faz sete anos que foi lançado - mas seu trono no panteão de grande fraude do cinemão hoje é ocupado, coincidentemente, por um compatriota. Só que um verniz cult, pretensioso, e chinfra de auteur. Esse inclusive engana mais gente, até cinéfilos juramentados e críticos renomados.

Sam Mendes, natural de Reading e descendente de portugueses, fez respeitada carreira teatral, nos dois lados do Atlântico (incluindo o West End londrino, a Royal Shakespeare Company e a Broadway), até estrear nas telas com ‘Beleza Americana’ (1999), que logo cativou a indústria e a crítica especializada, ganhando status de obra-prima da década, terminando por 5 arrebatar Oscars, entre eles o de direção. Desde então, é nome do primeito time da indústria, daqueles que pouquíssima gente ou ninguém contesta. Mui humildemente, me apresento pra fazer o serviço sujo.

'Beleza Americana’ é disparado a maior fraude cinematográfica dos últimos dez anos, a coisa mais fake que há, zero em autenticidade e profundidade, dez em pretensão e superficialidade. O retrato da degradação de uma típica família de classe média americana é tão rasteiro quanto as polêmicas rasas de Adrian Lyne, mas se traveste de cinema autoral, utilizando uma embalagem de filme de arte mas apelando para as mais manjadas referências (o morto que conta a história, chupado de ‘Crepúsculo dos Deuses’, a fotografia em tons berrantes remetendo aos "melodramas críticos" de Douglas Sirk nos anos 50, que Todd Haynes utilizou com mais brilhantismo e efetividade no ótimo ‘Longe do Paraíso’ e é habitualmente homenageado/parodiado por Almodóvar) e apoiando-se em diálogos risíveis, atuações beirando o ridículo (sim, é evidente que o tom é caricatural mesmo, mas o resultado é aquela forçação de barra, um troço over demais, passando do ponto pra um cara que fez carreira trabalhando com texto e atores), tudo de uma previsibilidade atroz, e ainda por cima aquele tipo de filme em que o diretor abusa de sacadinhas "espertas", parecendo dar aquela piscadinha para o espectador, tipo querendo dizer "sacou?". (Sim, saquei, meu caro, e já vi isso trocentas vezes antes e melhor). Mandes na verdade pegou carona em dois ótimos filmes lançados nos dois anos anteriores sobre o mesmo tema mas com um tratamento muito mais denso e original: ‘Tempestade de Gelo’ (1997), de Ang Lee, e ‘Felicidade’ (1998), de Todd Solondz.

O primeiro se passa na América da primeira metade da década de 70, no fim de semana em que se comemora o tradicional Dia de Ação de Graças, e retrata o outro lado da liberação dos costumes alcançada nos libertária década anterior – o sonho já tinha acabado, lembra? Ben (Kevin Kline), casado com Elena (Joan Allen), tem uma relação extra-conjugal com Janey (Sigourney Weaver), e a indiferença e o egocentrismo do triângulo trará conseqüências trágicas para os filhos das duas famílias. O diretor Ang Lee, nascido em Taiwan mas labutando há tempos em Hollywood, já tinha no currículo sucessos como ‘O Banquete de Casamento’ e ‘Razão e Sensibilidade’, e a seguir se consagraria com ‘O Tigre e o Dragão’ e ‘Brokeback Maountain’. Já o segundo é mais uma provocação do bizarro Todd Solondz, com toda a sorte de acontecimentos chocantes comuns ao cineasta de ‘De Volta à Casa das Bonecas’. Trata-se do retrato de três irmãs absurdamente infelizes (Lara Flynn Boyle, Jane Adams e Cynthia Stevenson) e a fauna de criaturas perturdadas que as circunda, incluindo um gordinho (Philip Seymour Hoffman) obcecado pela poeta (Boyle), que só quer ouvir sua voz ao telefone e se masturbar – pra depois limpar-se na parede e anotar a data do gozo (!!!!!) -, um psiquiatra (Dylan Baker, marido da dona-de-casa interpretada por Stevenson) que abusa os colegas de seu filho e um loser que, sentindo-se rejeitado, humilha a personagem de Adams em um jantar que era para ser de romance. Ambas as produções têm o frescor e a inventividade típicas do cinema americano de cunho independente – que Sam Mendes chupou na cara dura pra compor seu banal melodrama social suburbano, um festival de observações absolutamente previsíveis da implosão do sonho americano, do tédio e o vazio que vêm a reboque da não-realização profissional e pessoal do casal vivido por Annette Bening e Kevin Spacey, resultado de uma neurótica busca apartada de valores essenciais.

Após o sucesso de ‘Beleza ...’, Mendes rodou o bom ‘Estrada para a Perdição’ (2002), com Paul Newman e Tom Hanks, uma reflexão sobre a lealdade a qualquer preço, bem mais sóbrio e sem o tom pretensioso e forçado de seu trabalho anterior, e o drama de guerra (do Golfo) ‘Soldado Anônimo’ (Jarhead, de 2005 - não vi), com Jake Gyllenhall. E eis que em 2008 resolveu voltar ao tema que o consagrou no filme de estréia, e desta vez, não apenas se utilizando de referências cinematográficas dos 50, época da primeira ‘new wave’ do filme americano (Sam Fuller, Richard Brooks, Nicholas Ray, Robert Aldrich), avó do cinema indie dos 80 e 90, mas ambientando mesmo a trama naquele período. O resultado é tão previsível e falho quanto ‘Beleza Americana’, agravado ainda pelo fato de o realizador estar se repetindo.

Propagandeado all over the World como o reencontro do casal de ‘Titanic’, Kate Winslet (hoje sra. Sam Mendes, por sinal) e Leonardo DiCaprio, ‘Foi Apenas um Sonho’ tem por base o demolidor romance ‘Revolutionary Road’, retrato impiedoso do escritor Richard Yates sobre as mudanças na sociedade americana após o final da Segunda Guerra, em que a prosperidade, a explosão de consumo, as oportunidades abundantes, a aparente segurança escondiam uma outra América, a do conforto à base da renúncia aos sonhos, da normalidade mal disfarçada pela adesão justamente aos ideais conformistas que contrariam o espírito fundador do país (o McCarthismo é um tema que não chega a ser explorado diretamente no filme, mas que, relata Yates, influenciou decisivamente o clima da narrativa do livro). O romance foi lançado em 1961e imediatamente aclamado, sendo eleito também – pela revista Time em 2005 - um dos 100 melhores em língua inglesa, de 1923 aos dias atuais, e acaba de ganhar edição brasileira agora pela Ed. Alfaguara.

A trama é a seguinte: April (Winslet), atriz de teatro, quer viver intensamente; Frank (DiCaprio), a quem April conhece em uma festa, tem a mesma mentalidade. Mas em uma apresentação de "A Floresta Petrificada", a falta de talento de April fica evidente, ao passo que seu agora marido Frank, ainda que entediado, tem um emprego mais ou menos estável em uma companhia de seguros. A insatisfação crescente de ambos com a vidinha sem graça no subúrbio faz com que April proponha uma medida drástica a Frank: mudarem-se para Paris, onde ela trabalharia como secretária , enquanto Frank decide o que quer fazer da vida. Frank hesita, pensando nos riscos que isso acarretaria – agora, eles têm dois filhos pra sustentar -, mas acaba topando. Os planos são anunciados aos colegas, que reagem incrédulos, e aos vizinhos, que se escandalizam. A notícia chega até o chefe de Frank, que, inesperadamente após chutar o balde na empresa, começa a ser respeitado – esta, uma das melhores seqüências do filme, a confirmar a premissa básica deste retrato opaco (com o auxílio da correta fotografia de Roger Deakins) da vidinha mais ou menos do casal: cansado de dar explicações e ser xingado por um sub-chefe, sai-se com uma solução que é puro deboche ... e acaba dando certo! O chefe-maior lhe oferece um aumento e lhe fala de sua admiração pelo empregado ... e Frank passa a reconsiderar os planos de mudar de vida de April.

‘Foi Apenas um Sonho’ – mais um título estúpido que os tradutores nacionais impõem a uma obra estrangeira, ainda por cima sugerindo mais do que o recomendável – não é um filme ruim, apenas previsível, redundante, e, a meu ver, inconsistente. Por mais que se esforce a talentosa dupla de atores – Kate, então, já pode ser considerada uma das grandes do cinema atual, num nível próximo ao de uma Juliane Moore, superior a Cate Blanchet -, os personagens não são totalmente críveis, o roteiro não tem aquela consistência toda e isso e ainda sofre com a encheção de lingüiça própria da obra de Sam Mendes: o desembarque de Frank em uma estação de trem rumo ao trabalho, junto a dezenas de homens de terno no mesmo tom cinzento que ele, é só mais uma das observações banais de que Mendes lança mão em seus filmes, exageradamente superestimados.

Talvez ‘Foi Apenas um Sonho’ não leve os principais Oscars da temporada – ‘Slumdog Millionaire’, de Danny Boyle, vem sendo apontado como o grande favorito -, mas é inegável que foi feito com vistas a isso, assim como ‘O Curioso Caso de Benjamin Button’, um David Fincher meio atípico, e o bom ‘A Troca’, projeto que o grande Clint Eastwood assumiu às pressas. Mas já fez um estrago bem maior, que é conquistar – ou ratificar, melhor dizendo - fama e fortuna (crítica, inclusive) para seu diretor justamente pelo que ele não é. Adrian Lyne jamais foi levado a sério pelos cinéfilos e pela imprensa especializada, e nesse quesito leva desvantagem nesta comparação – um tanto esdrúxula, admito - com seu compatriota. Por outro lado, jamais levou-se a sério, o que faz dele uma fraude bem menor.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Versinhos bacanas (2)

"Please Send me evenings and weekends"

(Return the Gift, Gang of Four)

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Frases e diálogos inesquecíveis (1)


"Mmmm-hmmm! This is a tasty burger!"

(Jules Winnfield/Samuel J. Jackson, antes de ele e seu comparsa, Vincent Vega/John Travolta, descarregarem suas pistolas no dono do hamburger e seus companheiros, em PULP FICTION)

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

No lloren por nosotros Madonna, Cristina, Argentina (parte 2)


Rumamos ao Monumental de Nuñes. Mais uma hora e meia e 10 quadras derretendo na fila até entrar no estádio do River. Não há revista: passagem livre pra quem quisesse vir armado – assim como no Beira-Rio, onde a BM finge que revista. Água mineral (8 pesos!) é a única opção contra o bico seco: sua majestade vetou o álcool. Em compensação, la mota reina absoluta no gramado. Ás 20h em ponto, começa o show de abertura: o londrino Paul Oakenfold mixa house, techno, big beat, trance ... No seu saladão, trechos de Chili Peppers (Other Side), White Stripes (Seven Nation Army), U2 (Where the Streets Have No Name), Underworld (Born Slippy, aplaudidíssima), Eurythmics (Sweet Dreams (Are Made of This)). O Monumental é uma enorme rave a céu aberto, clima de comunhão total. Ecos da psicodelia noventista, a tribal gathering. A electronica é ou não é a coisa mais democrática do mundo?

Às 21h50, a celebração principal tem início. No telão, uma bolinha percorre o caminho labiríntico de uma enorme mesa de pinball. A popstar que deu voz definitiva aos gays e às garotas que, como canta sua ex-rival que ficou pra trás, só querem diversão sem culpa se diz feliz por estar de volta. Clássicos repaginados: Into the Groove agora é house minimal (lembra Daft Punk), Borderline, punk rock (!) de guitarras ferozes – Madonna até faz caretas a la Johnny Rotten. Em She’s Not Me, La Ciccone tira onda com as várias personas ao longo de sua carreira: da material girl à provocadora de Like a Prayer, da libertina pronta pra todas de Erotica à busca espiritual de Ray of Light. Beija na boca uma das dancers fantasiadas de Madonna: a rainha tem a manha de questionar sua imagem pública só pra depois reafirmar o narcisismo.

Rain, com sample de Here Comes the Rain Again (Eurythmics), vem caprichada: a estrela e seu pianista surgem de dentro do telão circular colocado à frente do palco, que exibe uma chuva cristalina. Em seguida, o momento latino/flamenco: imagens de um mapa-múndi e a volta ao globo, com paradas na Espanha, Romênia, na ex-Iugoslávia, na Bulgária, na Rússia. Gipsy party total (Gogol Bordello e Goran Bergovic na área? Parece). La Isla Bonita. Aproveitando o ensejo, a loira reafirma sua soberania no pedaço: com o telão exibindo a bandeira dos hermanos, No llores por mi, Argentina é o momento the crying game (honesto). Emoção na platéia e no palco - a rainha leva a mão ao lado esquerdo do peito. Mas a tônica do negócio é rock – sim! – eletrônico. Like a Prayer é Prodigy fase Music For the Jilted Generation. A terra treme. Na seqüência, Ray of Light – ladies and gentlemen, we are floating in space. A história da dance passada a limpo: Donna Summer/Giorgio Moroder, Grandmaster Flash, Chic, house de Chicago, electro, New Order, os loops furiosos dos Chemicals, Timbaland, tudo na ótica Re-make/Re-model do melhor pop. E com a vantagem da presença de uma frontwoman assombrosamente carismática, cuja segurança é impressionante: já vi alguns shows de gente de peso na vida (Sonic Youth quebrando tudo, Iggy, Neil Young, Dylan, L7 & Nirvana, formação original do Echo, Faith No More dando maracanazzo, Prince no auge, NIN & David Bowie, Diamanda Galás entoando blues dos infernos, George Clinton & P-Funk em quatro horas de groove, ...), mas NINGUÉM, NUNCA, JAMAIS, me pareceu tão seguro de si, com tanta certeza do que está fazendo! De imediato, lembrei do Gay Talese e seu clássico perfil de The Voice: em 'Frank Sinatra está resfriado', conta como a garganta inflamada minou sua confiança e causou rebuliço em todos à sua volta. Madonna não é Sinatra, mas a firmeza nas duas horas da apresentação (the hardest workingwoman in show business, sem a mínima dúvida) não deixa margem a questionamentos: ali está alguém MUITO FORTE, do tipo que sabe que pode e que ninguém é capaz de deter. Por fim, dirige-se a um muchacho da primeira fila, e ele escolhe Like a Virgin, que sai só com palmas e voz. Hung Up, Give it 2 Me, ... Game Over. As luzes se acendem e os alto-falantes despejam Holiday: o Monumental agora é um nightclub. Uns vão saindo, outros seguem dançando sobre o tablado armado sobre o campo do River. Pra que ir a uma casa noturna se a melhor dance music toca aqui?

Hora de voltar. No caminho, divagações. É engraçado como até hoje há quem insista em qualificar Madonna de "armação". Fabricação pela indústria de um produto descartável não combina com madame: ela é obra de si própria, isso tá tão na cara ... Se David Bowie questionou a autenticidade do show bizz em geral e do rock em particular, mostrando a grande trapaça aos Sex Pistols, Madonna, que domina à perfeição os truques e artifícios do pop e da indústria, se associa aos melhores, recicla, reprocessa, adapta os clichês à sua personalidade, legitimando-se como artista. A "armação" revela toda sua verdade mais cara, a "mentira" ali tem um quê de sinceridade – a empresária tem alma. Mais: ela ama o pop com todas as suas forças. Por isso, não tem rival ou herdeira.

Na saída, quase uma hora e meia à espera de condução: táxis só atendem às chamadas pelo rádio; ônibus, todos lotados. Chegamos ao final do percurso. Soninho curto que amanhã partimos cedo. Na espelunca disfarçada de hotel. No final das contas, o saldo é positivo. Entonces no lloren por nosotros, Madonna, Cristina, Argentina: não vai ser por um ladrãozinho chinelo e uma recepcionista sem educação que meu amor por esta terra vai ceder uma palha que seja. Mas naquele estabelecimento podre da Bernardo de Irigoyen, o Grand B*, eu não fico mais.

No lloren por nosotros Madonna, Cristina, Argentina (parte 1)


A intimação veio com a confirmação do evento, lá por julho/agosto. A rainha estaria entre nós, e Neném disse que tinha de ir. Ok, também sempre fui fã. Mais: sempre considerei legítima sua majestade. Só que não tenho mais saco pra viagens de fim-de-semana só pra curtir shows. Em 96, cabia o bate-e-volta pra ver os Pistols em Sampa, mas hoje ... Porém, quando Neném pronuncia o nome certo – em vez de "Rio" ou "São Paulo", o mui mas hermoso "Buenos Aires" -, basta: sua majestade do lar ganhou mais uma. Mas percalços surgiriam.

Primeiro, baldeação aeroviária: subir até SP só pra descer tudo de novo (?!), aterrissar em Congonhas e rumar pra Guarulhos. Ali, o necessário lanchinho sai por quase 20,00 - beirute (com carne velha) e suco de laranja (sem gosto), numa lanchonete que tem filiais em POA. O resto da viagem é dedicado a atividades nobres: leitura e sono. Num rápida sacada na "tripulação", o que mais tem são patys e maurícios deslumbrados à procura de "um evento de primeiro mundo", desses que quase nunca vêm a POA.

No desembarque no destino final, a velha alegria. Mas no trajeto de Ezeiza até o hotel, vejo que aqueles casebres, raros há vinte anos, já se transformaram em barracos, multiplicando-se barbaramente: por aí, Buenos Aires já se parece com POA, Rio ou São Paulo. Do hotel, a primeira impressão é boa, mas ao chegar ao quarto o ar condicionado não funciona. No café-da-manhã, ao menos, o velho padrão de qualidade. Confiro os jornais. No La Nación, o Estudiantes ainda chora a arbitragem da final da Sul-Americana, ocorrida há três dias no Beira-Rio, e El Cabezón D’Alessandro demonstra sua "evidente alegria" com o momento no Inter e a vida em Porto Alegre. No Clarín, um colunista narra o encontro entre Madonna e a Presidente Cristina Kierchner na Casa Rosada. Diz que os homens foram o tema da charla: a recém-separada cantora perguntou à Chefe de Estado há quantos anos é casada com Néstor Kierchner. "Há 33", foi a resposta. Madonna a cumprimentou e colocou seu caso como contraponto. "Cristina, que é uma dama", diz o texto, "escutou em tom compreensivo. E privou-se de comentar sua frutífera vida com Néstor ..., a qual mais de uma vez ambos mencionaram em público". Falaram ainda da eleição de Obama, e a coluna fecha com fofoca: a popstar quer conhecer o ex-delantero da seleção Gabriel Batistuta.

Após o café, hora de sacar los tickets. Na loja, o cara se dá conta de que pagamos a mais pelo envio que não houve (única opção na hora da compra pela internet, depois receberíamos comunicado de que não disponibilizam este serviço pro exterior!). Sim, boludo, entonces la plata ... "No. Tu te equivocaste!". Argentino é ruim de negócio. Próxima parada, Palermo. Em vários locais que entramos, tocam MPB, com a devida reverência ao que é clássico, mas com o senso de que aquilo é também pop na essência (desnecessário comentar a falta dessa noção no pessoal das gravadoras e rádios por aqui). Há espaços generosos de música brasileira nas lojas, algumas mais bem nutridas que muita loja grande do BR, e o anúncio de um show do Celso Viáfora, saudado com um dos grandes compositores da MPB atual. Nas livrarias, o tradicional banquete, mas não dou sorte. Entusiasmado com o Perec que acabara de ler, confiro se não tem A Vida – Modo de Usar, há anos esgotado no BR. Lá, também. Os pockets não tão baratos: Os Inomináveis, Los Enfant Terribles, ... entre 40 e 50 pesos. (Os da L&PM são mais em conta; por outro lado, nas coleções dos hermanos não há livros de culinária ou de dicas para uma vida saudável). Rápida passagem pela Recoleta, Ateneo, hotel. Novo contato com a recepção e a promessa de que o ar vai finalmente ser consertado. Na volta, o problema persiste. Mas o golpe duro percebemos na manhã seguinte.

São 11h quando Neném volta à sala do café. Pálida. Trêmula. Sim: os ingressos desapareceram. De dentro da mala, no quarto do hotel. Tá certo que os deixamos no bolso de fora da mala, coisa bovina mesmo, mas o ocorrido é incompatível com um estabelecimento que ostenta 4 estrelas. Pior ainda o encaminhamento dado ao caso pela "administração": nenhum. A atendente, uma ruiva evidentemente mal amada, inverte as coisas - de vítimas passamos a culpados -, e até ironiza nosso pedido de providências. Niña de mierda. O gerente é mais educado, mas sabe que voltamos no dia seguinte - pra uma medida judicial, só voltando ao país, contratando advogado local, .. -, óbvio que não vai se coçar. Restam o B.O. na comisaria de policia e a resignação. E a sorte (?) de conseguir comprar os ingressos de novo: uns chilenos não podem ficar e resolvem negociar as entradas - que serão pagas pela minha prestativa cunhadinha, pois a grana, menos de 24h do vôo de volta, já tá escaesseando (e aquela caixa de 5 CD's do Dylan - Biograph - a 135 pesos e tenisinho Adidas por 300 vão ter mesmo de ficar pra outra). Que o show mais caro de nossas vidas ao menos valha a pena, e não se fala mais nisso.

* escrito (e reescrito diversas vezes) entre dezembro (desde o penúltimo dos quatro shows de Madonna na Argentina, em 07/12/2008) e janeiro de 2009

Paradão da Semana (09-13/02/2009)

Cowboys (Portishead)
Red Hot Mama (Funkadelic)
Find the River (R.E.M.)
16 Shells From a Thirty-Ought Six (Tom Waits)
No Reservations (Hüsker Dü)
Love & Communication (Cat Power)
Mellow Doubt (Teenage Fanclub)
A Warm Place (Nine Inch Nails)
Stand! (Sly & The Family Stone)
Fruit (Meat Puppets)
Goin’ Back (Neil Young)
Tommy Gets His Tonsils Out (Replacements)
So It Shall Be (k. d. lang)
Daily Mutilation (Posies)
Rockin’ in the Free World (versão acústica) (Neil Young)
Run Run Run (The Who)
Tom Traubert’s Blues (Four Sheets to the Wind in Copenhagen) (Tom Waits, de novo)
Rosie Won’t You Please Come Home (Kinks)

Versinhos bacanas (1)

"How I say Goodnight to an answering machine?
How You say I’m lonely to an answering machine?"


(Answering Machine, Replacements)

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Os dez shows da minha vida

Muito antes de aparecer aquele cidadão que escreveu o 'Alta Fidelidade', já fazia as minha listinhas - de discos, músicas, filmes, diretores, etc. -, só nunca cheguei ao requinte de imaginar coisas do tipo 'os melhores álbuns gravados por artistas cegos', 'cinco canções dor de corno', 'as mais impressionantes canções feitas sobre - ou sob o efeito de - drogas' (desta, a revista inglesa Mojo se encarregou) como o seu Nick Hornby. Eu e toda a torcida do Flamengo, dirão os cinéfilos e pop/rock maníacos. Mas eu garanto que as minhas listinhas são anteriores às do sujeito - tenho várias testemunhas, como os amigos mais antigos, ex-colegas, minha mãe, ...
Buenas, indagado pela Neném, logo após o show da Madonna no Monumental de Nuñes, no final do ano passado, sobre qual seria o melhor show que vi na vida, puxei pela memória (já bem falha) daqui e dali, e cheguei a esta listinha aí debaixo. Tais quais os flashbacks que anos depois atormentam os usuários de LSD, vez que outra imagens surgem à mente provocando um misto euforia e uma certa frustração, pela capital da província riograndense ser tão pobre de espetáculos que realmente fazem diferença. Lá vai a lista, então - e quem se sentir à vontade, e-mail me falando dos seus:

NIRVANA/L7 (Hollywood Rock 1993, Praça da Apoteose, Rio)
Nevermind the Bollocks, Here Are Nirvana and L7

IGGY POP (The Palace, Hollywwod, 1993)
O godfather of punk, formando mais uma turma

NEIL YOUNG w/ Booker T. & The M.G.’s (L.A . Sports Arena, 1993)
O godfather of grunge, tomando a lição da gurizada

ISAAC HAYES (Free Jazz Festival, Salão de Atos da UFRGS, 1996)
Já não se fazem mais cafajestes classudos como antigamente

FAITH NO MORE (Maracanã, Rock In Rio 2, 1991)
Maracanazo à californiana: o coadjuvante rouba a cena

GEORGE CLINTON & THE P-FUNK ALL STARS (Anaheim, 1993)
Free Your Mind, Free Your Ass, Free Your Soul, Free Whatever You Want

NINE INCH NAILS/DAVID BOWIE (The Great Western Forum, L.A ., 1995)
O mal-estar rende grande música

ECHO & THE BUNNYMEN (Gigantinho, 1987 - o melhor de todos, e o grande show de rock em POA nos últimos 25 anos)
Do You Believe in Magic?

SONIC YOUTH (Jockey Club de São Paulo, Free Jazz Festival, 2000)
College Rock por quem tem doutorado

MADONNA (Monumental de Nuñes, Buenos Aires, 2008)
God Save the (one and only) Queen!





A formação original do Echo, com Pete DeFreitas: não tinha pra ninguém

Sobre emissoras públicas

Já faz tempo que foi publicado - mais de dois meses -, mas resolvi postar aqui um texto que escrevi para o site coletiva.net - especializado em notícias sobre o universo da comunicação riograndense, pra quem não sabe - em resposta a um artigo publicado dias antes no mesmo veículo por um 'consultor de marketing' de passagens (duas, pra ser mais exato), digamos, pouco efetivas pela Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura). Seu texto, intitulado 'A Ilha de Lost do Morro Santa Tereza', data de 26/11/2008.


A Ilha de Lost à espera de Godot

Há uns dois anos, em uma daquelas tardes escaldantes de Porto Alegre, chegava eu para minha jornada diária de trabalho na FM Cultura quando, mal havia entrado na sala, me avisam: "tem reunião com o Presidente". O pessoal já se encaminhava para o prédio da frente quando foi informado do teor do encontro e seus participantes – pela primeira vez, desde que estou na Fundação ao menos, uma reunião era marcada com todos os funcionários da rádio na Presidência. Entre os presentes, estaria o responsável pelo marketing da Fundação Cultural Piratini, que iria expor seus planos para a Rádio. Dirigimo-nos, então, à sala da Presidência.

Em lá chegando, apresentou-se o consultor de marketing, que trazia no currículo passagem anterior pela casa. Introduziu sua pauta: "Eu sei que vai dar polêmica, mas insisto: a rádio precisa mudar o perfil, pois com esse modelo atual, mais cultural e ‘avesso ao mercado’, fica difícil vender qualquer coisa". Alguns colegas tentaram – como da outra vez em que o consultor passou pela Fundação – argumentar que o tal modelo a que se referia está mais do que consolidado, que "a rádio precisa é de mais visibilidade, temos um público fiel, precisamos é de apoiadores, de ações externas, o nosso nicho, não tem sido explorado por ninguém, então está aí o diferencial, se mudarmos o perfil, perderemos nosso público e não conquistaremos ninguém ...", ao que o consultor interrompeu: "pronto, eu sabia que ia dar nisso". E continuou: "sou o maior especialista em marketing de rádio no Brasil, amigo pessoal do Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope, ...". Fiquei na minha, mas pensei: "ué, mas se o cara é tem esse cacife todo, não deve ser difícil elaborar um plano que possa dar mais visibilidade à nossa rádio, que tem seu público cativo, a única emissora a tocar MPB de qualidade hoje, das novas tendências aos clássicos, da música urbana gaúcha às novidades do rock feito aqui, da música campeira à música instrumental". A reunião não foi muito além disso, argumento daqui, contra-argumento de lá, então preferi esperar, pra ver o que aconteceria. E ficamos todos, enfim, até o final da (segunda) estada do consultor esperando, esperando... tais quais Estragon e Vladimir: esperando Godot. Corta para duas semanas atrás.

Jantávamos em minha casa eu, minha mulher e um casal de amigos. O rapaz, publicitário, várias vezes me havia referido sua admiração pela programação da FM Cultura, inclusive pediu-me que lhe gravasse um CD com músicas de Ná Ozzetti, Luiz Tatit... "músicos importantes, parte da história da MPB, e que só tocam na tua rádio". Fiquei feliz e lisonjeado, óbvio, mas não surpreso: a predileção por música popular brasileira de verdade – não aquela que as gravadoras empurram, muitas vezes via jabá, para as emissoras comerciais -, só é desconhecida por gente que não têm por hábito conversar, trocar uma idéia, freqüentar, interagir. Entre outras coisas, é por isso que André Midani, Nélson Motta e outros ex-executivos fazem falta hoje no universo das (falidas) grandes gravadoras, e que Chico Buarque, Maria Bethânia, Alceu Valença, Djavan, etc. têm migrado para as independentes: gente com imaginação, que antevê caminhos a seguir e valoriza a sensibilidade do consumidor e a inteligência de quem é do meio, foi trocada por burocratas, que amam os números e ... são freqüentemente traídos por eles, pois estes, por si só, não indicam tendências. Me dizia o amigo, então: "o público de vocês é classe A, pequeno mas fiel, o que consome cultura: vai a cinema e conhece a obra dos grandes diretores; vai ao teatro; compra livros não só em tempo de Feira – compra e lê, diga-se de passagem; conhece música clássica e sabe quais são as grandes gravações, as grandes orquestras, ...", ao que o interrompi: "é, mas numa gestão recente, cortaram drasticamente a música clássica por entenderem que esta seria ‘muito elitista’". Ao que meu amigo respondeu, incrédulo: "mas eles não percebem que a rádio de vocês não têm que fazer concessão em termos de qualidade? Que o público de vocês não se contenta com qualquer coisa?". E completou: "vocês não têm que competir com as grandes, mas serem fortes no seu nicho. Há um público ávido por este tipo de consumo – não se fala em consumo de luxo, hoje em dia? Por que não falarmos então em consumo de produto cultural diferenciado? Olha o sucesso da Livraria Cultura em POA, olha o caso da revista Bravo, que vende mais aqui do que em qualquer outro lugar ... Claro que não é pra muitos – mas trata-se de um público com alto poder aquisitivo, que não vê outras opções além da rádio de vocês no dial". "É uma barbada anunciar na rádio de vocês, o que tá faltando é visão", finalizou. Corta pra semana passada.

Sexta-feira última, acho, abro o Coletiva e dou de cara com um artigo comparando a Fundação Cultural Piratini à Ilha de Lost, o seriado – do qual sou espectador, aliás. Antes mesmo de ler o texto, confiro o nome e a função do escriba, "Consultor em Marketing". Ele mesmo, nosso ex-colega da Fundação. Entre outras coisas, argumentava em seu texto, que na TVE "há os concursados e os outros", referindo-se a um suposto clima de animosidade entre os "grupos". Ou seja, o velho papo de que há uma espécie de "Comando Vermelho", do martelo e da foice, disposto a "fazer a revolução" contra os representantes do governo no Morro Santa Tereza. Maior bobagem, impossível. O clima na Fundação sempre foi o melhor possível entre CC’s e concursados, esta rivalidade que o sr. consultor coloca é pura ficção, que só pode encontrar eco na cabeça dos paranóicos – embora seja, na verdade, factóide grosseiro. Posso falar por mim: entrei na Fundação à época do último concurso, em 2002 (gestão do PT), como poderia ter entrado no anterior, no final de 1994 (governo Collares), quando também passei em 1º lugar para Programador Musical da Rádio. Ninguém foi chamado pelo governo seguinte – ou poucos o foram, não sei -, então tive de esperar o próximo concurso. Não tenho ficha em partido algum, nem tampouco pauto minha conduta por suposta cartilha ideológica (sempre achei a ideologia redutora, limitadora), como todos os funcionários da casa que conheço – aliás, a afirmação do sr. Glauco de que "a estação de TV... foi estufada de petistas por Olívio" esconde a insinuação de que o resultado do concurso de 2001 teria sido fraudado? Quero crer que não foi essa a intenção do nobre consultor em seu texto. E quanto aos CC’s, só posso dizer que entre as boas amizades que fiz na casa nestes quase sete anos, estão Léo Felipe, apresentador do Radar, e a Tatiana Forster, apresentadora do Jornal da TVE, ambos CC’s. Este clima de rivalidade por ora anunciado, quase um Gre-Nal entre torcidas organizadas, é absurdo. Duvido que os "macacos velhos" (com todo o respeito) Pedro Macedo, Machadinho, Airton Nedel se sintam "combatidos" como querem fazer crer estes comentários de uma suposta divisão de grupos na TVE. Assunto que, vez que outra, vem à baila neste espaço – até minha amiga (acho que posso chamá-la assim) Maristela caiu nessa conversa. (De qualquer modo, não deixa de ser curioso como estes rótulos ideológicos pegam em cheio nas pessoas, à revelia de sua vontade: tempos atrás, o presidente do Sindicato dos Radialistas, Antônio Édisson Peres, o famoso Caverna, referiu-se a mim como um cara legal "apesar de não conjugarmos das mesmas idéias políticas", o que interpretei como "o cara é gente boa, mas vota pro lado de lá". Imaginava, o Caverna, que, por conhecer meu pai, presidente das Empresas de Radiodifusão do RS por um bom tempo – "patronal", portanto -, estaria eu "do lado de lá". "Não tenho lado nenhum", lhe respondi, "sou Fundação Cultural Piratini Futebol Clube, só. O velho Noé tem as idéias dele, eu, as minhas – e política, definitivamente, não está entre as minhas paixões".)

Mas retomando o texto do consultor, o que espanta é que o ex-colega, além de cuspir no prato em que comeu, ainda tem a coragem de tentar atingir a honra dos funcionários, que há décadas lutam, às vezes sozinhos, para manter de pé a Fundação. Também não entendi por que demonstra tanto desprezo por uma casa pela qual passou duas vezes. O curioso é que teve a oportunidade – por duas vezes, repito – de ajudar a reverter o quadro "sombrio" (as palavras são suas), mas em ambas disperdiçou-as. Não vá dizer que "os outros" sabotaram seu projeto. Currículo para tanto, inclusive, não lhe faltava - pelo menos é o que ele garante. Uma pena. Torço para que tenha amplo sucesso profissional em qualquer empreitada que venha a se engajar e que não seja obrigado a voltar à Ilha de Lost que tanto despreza – e que nós, funcionários tanto amamos, de coração –, por uma terceira vez. Como a Kate do seriado, que na próxima temporada, ao que tudo indica, vai ser convencida pelos demais saídos da ilha a ter de voltar por não ter outra alternativa.

José Fernando Cardoso é jornalista e programador musical da rádio FM Cultura.

* texto publicado no site coletiva.net em 12/12/2008.





A última grande geração do rock americano (parte 2)

MINOR THREAT
A outra grande banda de Washigton D.C., pilar do hardcore junto com seus conterrâneos Bad Brains, com uma diferença básica em termos de postura: são a primeira banda straight edge da história. Ian McKaye, seu líder, sempre foi um sujeito de conviccções tão firmes quanto estranhas ao mundo do rock: não bebe, não fuma, não cheira, não injeta, ... não consome droga nenhuma, lícita ou ilícita. A rebeldia do MN é totalmente focada na questão da autoconsciência e da, digamos, integridade pessoal inabalável. Coisa que o McKaye leva extremamente a sério até hoje: mesmo no auge da popularidade, sensação do indie rock americano, o Fugazi, sua banda posterior, recusou dezenas de convites para gravar por grandes gravadoras. Os discos do selo Dischord, de sua propriedade, vêm todos com o preço - em torno de dez dólares, no máximo - estampado na capa, para que nenhum lojista esperto cresça as unhas. Os ingressos dos shows também não podem custar mais de 6 dólares (taxas incluídas) e o sujeito que compra camisetas piratas dos caras é destratado por McKaye em pleno show - sei porque presenciei ao vivo, em 93, no Hollywood Bowl. Mas voltando ao MN, as canções são rápidas, curtas - em torno de 1min., 1min. e meio -, só que com uma levada característica, que, aprimorada, transformaria o Fugazi numa das bandas mais originais no cenário indie americano desde o final da década de 80 e por toda a de 90. Hardcore de vanguarda, tocado por caretas convictos.
Álbum: a compilação Complete Discography, claro, mata a charada toda. Como o título já diz, reúne tudo o que os caras gravaram: o único LP, Out of Step (1984), o E.P. Minor Threat (1981) e o single de In My Eyes (também de 1981)

MINUTEMEN
Dificílimo classificar a música do trio californiano de San Pedro: hardcore, funk, free jazz, folk, ... entrava tudo no caldeirão dos caras, e esse ecletismo todo jamais significou falta de foco. Quem ouve Minutemen alguma vez, reconhece imediatamente o som. Infelizmente, mais uma banda de duração relâmpago: com a morte do guitarrista e vocalista D. Boon, em um acidente de trânsito em 1985, o grupo se desfez após apenas cinco anos de existência, passada a maior parte do tempo na estrada - dizia-se que o Minutemen só gravava quando tinha tempo, ou seja, quando não estava tocando ao vivo. Mas ainda assim, deixaram cinco discos em cinco anos (!), além de um ao vivo póstumo e vários E.P.'s. O baixista Mike Watt, grande músico e figura carismática do rock americano desde então, e o baterista George Hurley, formaram em seguida à morte de Boon o Firehose, outra grande banda. Watt vinha tocando ultimamente nos redivivos Stooges.
Disco: o básico é Double Nickles on the Dime (1984), um dos discos definitivos dos anos 80: 43 faixas (!!!!), algumas durando menos de um minuto, em pouco menos de 1 hora e 15 min. de música - o L.P. original era duplo. Mas What Makes a Man Starts Fire? (1982), Buzz or Howl Under the Influence of Heat (1983) e o derradeiro 3-Way Tie (For Last) (1985) também são obrigatórios.

MISSION OF BURMA
A college band por excelência, o equivalente americano da Gang of Four - sem discursos marxistas - ou Wire. Art punk, precursores do pós-punk americano, ... não faltam definições para o som do quarteto liderado pelo guitarrista Roger Miller e o baixista Clint Conley, que tinham em sua formação ainda o baterista Peter Prescott e o manipulador de tapes Martin Swope. Basicamente uma guitar band com ecos de Velvet Underground, Modern Lovers e um certo experimentalismo a la Brian Eno no Roxy Music (mais no método e conceito do que no som, sem parafernália eletrônica). Gravaram apenas um álbum, e um E.P, que marcaram indelevelmente a(s) cena(s) alternativa(s) americana(s), durando apenas três anos mas deixando hinos como a abrasiva 'Academy Fight Song' e 'That's When I Reach For My Revolver' - esta regravada nos 90 por gente como Moby e o guitarrista do Blur, Graham Coxon. Voltaram em 2002, com o mesmo altíssimo padrão de qualidade.
Álbuns: Mission of Burma (col., 1988) resolve a questão em relação à fase clássica da banda, pois traz o álbum Vs. (1982), o E.P. Signals, Calls and Marches (1981) e faixas gravadas à época de Vs. E Onoffon (2004) e The Obliteratti (2006) são honrosas exceções àquela regra que diz que, no pop e no rock, o veterano, quando retoma a carreira longos anos após seu auge, geralmente tá acomodado e não tem mais o que dizer.

R.E.M.
A única representante da turma que trocou o underground pelo mainstream e lá permaneceu, e também uma das poucas superbandas da história do rock que, prestes a comemorar 30 anos de carreira, ainda não demonstra sinais de desgaste - como comprovado recentemente no Brasil. Do início, soando como um mix de Byrds e Gang of Four, ao som dominado por guitarras turbinadas de Accelarate (2008), uma trajetória mais do que respeitável, exemplo de integridade: o grupo fundado na mesma Athens (Georgia) do B-52's e Pylon pelo carismático cantor Michael Stipe, letrista original e ex-estudante de artes, o enciclopédico guitarrista Peter Buck (uma espécie de Steve Cropper da geração 80), o baixista e cantor ocasional Mike Mills e o preciso baterista Bill Berry - que retirou-se em 1997 por problemas de saúde - dignifica o mainstream. Fenômeno de identificação popular no universo alternativo, viraram uma espécie de voz da América arejada, conquistando fãs em todo o mundo e influenciando uma cacetada de bandas igualmente por todos os lugares do globo, gerando até uma série de cópias - muitas brasileiras, inclusive.
Álbuns: na já extensa discografia da banda - 15 discos num intervalo de 25 anos -, há desde clássicos inquestionáveis (a estréia em Murmur, de 1983, os derradeiros registros pelo selo I.R.S., Lifes Reach Pageant, 1986, e Document, de 1987 - um dos melhores discos de rock da década de 80 -, o folky e reflexivo Automatic For the People, de 1992 - um dos melhores da década de 90), ótimos discos (o subestimado Fables of the Reconstitution, de 1985 - primeiro lançamento da banda no Brasil -, a estréia na Warner, Green, de 1989, o elétrico Monster, de 1994, o mais recente, Accelerate) e discos francamente medianos (o badalado Out of Time, de 1991 - sucesso de vendas, mas artisticamente ofuscado pelo Nevermind do Nirvana e toda a leva de bandas que invadiu o mainstream na cola de Kurt Cobain e cia. -, Up, de 1998 - atropelado pela onda eletrônica e o primeiro sem Berry - e os anteriores a Accelerate, Reveal, de 2001, e Around the Sun, de 2004).

REPLACEMENTS
Já valeria simplesmente por revelar o talento do compositor e cantor Paul Westerberg, outra das vozes do indie rock yankee da época, um fenômeno junto aos adolescentes angustiados/revoltados de então. Junto com o Hüsker Dü e Prince, colocou a gelada e tediosa Minneapolis (Minessotta) no mapa da música pop - que antes deles havia revelado praticamente só a surf music tosca dos Trashmen. Beberrões furiosos, os Replacements eram famosos por suas apresentações incendiárias e caóticas. Do início hardcore a álbuns mais melódicos, com uma levada stoneana, melodias a la Beatles e Big Star, mas mantendo a pegada indie, consolidaram uma carreira e duraram 12 anos, coisa rara entre esse pessoal. Mas se tivessem resistido mais um pouco - depuseram armas justo no ano do estouro do grunge -, provavelmente se tornariam umas das maiores bandas da América.
Álbuns: fecharam a fase indie com um clássico (Let it Be, de 1984, com a participação de Peter Buck e composições antológicas como 'I Will There', 'Androgynous', 'Unsatisfied', 'Answering Machine', ...) e estrearam no mainstream com outro (Tim, do ano seguinte, com 'Bastards of Young', 'Left of the Dial', 'Here Comes a Regular' e outros hinos). A estréia, Sorry, Ma, Forgot to Take Out the Trash (1981), é da fase quebradeira total, o seguinte, Hootenanny (1983), faz a transição para um som mais melódico, e Pleased to Meet Me (1987), Don't Tell a Soul (1989) e All Shook Down (1990) mantêm o respeito.

SONIC YOUTH
Junto com o R.E.M., outro fenômeno de longevidade, quase um dinossauro do pós-punk, mantém a qualidade, o espírito indie e a experimentação. Cria de uma das mais afiadas duplas de guitarristas da história do rock - os excepcionais Thurston Moore e Lee Ranaldo, alunos e músicos da peculiar 'orquestra de guitarras' do compositor de vanguarda Glenn Branca, que ensinou-lhes a manha de utilizar diferentes afinações para cada música, além da criação de atmosferas estranhas pelo ruído -, filhos espirituais de Velvet Underground, Stooges e Television, o Sonic Youth é a banda do coração de todo o fã de música indie: quando pensava-se que seu som talvez pudesse se diluir com a contratação pela Geffen Records em 1990 - logo após o clássico Daydream Nation (1988), vitimado pela fraca distribuição e pela falência do selo Enigma -, os caras fincaram pé no universo das multinacionais ratificando a identidade, com o excelente Goo (1990). Lançaram discos ainda mais experimentais - e basicamente instrumentais, indo na onda do pós-rock que eles certamente influenciaram - pelo seu próprio selo, Sonic Youth Records. No final do ano passado, anunciaram o fim da parceria com a Geffen, e já preparam o novo disco, The Eternal, a sair pela Matador Records em junho. Poucos shows são mais empolgantes que os do veterano quarteto novaiorquino.
Álbuns: além dos citados Daydream Nation e Goo, não se pode deixar de lado EVOL (1986), primeiro grande álbum do grupo, Sister (1987, primeiro lançado no Brasil), Dirty (1991, produzido pelo mesmo Butch Vig que gravou Nevermind do Nirvana e viria a ser o baterista e líder do Garbage logo depois) e Murray Street (2002). Experimental Jet Set, Trash and No Star (1994), Washing Machine (1995), A Thousand Leaves (1998) e Sonic Nurse (2002) também são bacanas.

X
Talentosíssimo quarteto de Los Angeles apadrinhado pelo tecladista dos Doors, que produziu seus primeiros discos. A politizada cantora e compositora Exene Cervenka, seu então marido John Doe (baixista, compositor, cantor e também ator), o quebra-tudo DJ Bonebrake (baterista) e o venenoso guitarrista Billy Zoom forjaram um som único, sujo, rápido, mas com melodias pegajosas, levada rockabilly com elementos do country (cortesia de Zoom e sua levada inconfundível) e letras em que a angústia adolescente ('We're Desperate'), a violência ('Johnny Hit and Run Paulene') e o desconforto ('Nausea') eram alguns dos temas explorados. Formaram com os Germs e o Black Flag a santíssima trindade do punk de Los Angeles, e até hoje possuem um largo séquito de fãs, onde o público geral divide espaço com figurinhas carimbadas da cidade: o Jane's Addiction incluiu 'Nausea' em uma gravação ao vivo que chamou de 'L.A. Medley' (e que tinha ainda 'Lexicon Devil', dos Germs, e 'L. A. Woman', dos Doors), o Red Hot Chilli Peppers usou um trecho de 'White Girl' em 'Good Time Boys' - e Flea se refere ao X como 'a grande banda da história de Los Angeles' (sim, à frente de Beach Boys, Doors, Byrds, Love e Buffalo Springfield!!!!).
Álbuns: todos os quatro primeiros: Los Angeles (1980), Wild Gift (1981), Under the Big Black Sun (1982) e More Fun in the New World (1983, lançado em vinil no Brasil, à época).

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

A última grande geração do rock americano (parte 1)

Não que não se tenha feito nada de relevante depois e que nenhuma grande banda tenha sido revelada desde então, mas a última grande época do rcok americano está de fato completando seus 30 anos. Foi na virada dos 70 para os 80 que surgiu a última grande leva de bandas que, se não chegaram a revolucionar o rock, coisa que talvez tenha ocorrido mesmo só nos 60 e em alguns momentos da primeira metade dos 70 – o que vem depois é reciclagem -, pelo menos deu ao mundo uma porrada de gente talentosa, que deixou grandes gravações e influenciou, na atitude e no som, do grunge de Seattle ao famigerado new rock de White Stripes, Strokes e contemporâneos, do som low-fi do Pavement à esquisitice dos Pixies. A segunda geração da new wave americana – a primeira foi o pessoal da cena novaiorquina do CBGB’s, a famosa blank generation de Ramones, Television, Patti Smith, Richard Hell, ... – , além de maior variedade sonora que a anterior, não tinha um local definido, mas vários: a explosão punk de 77 deixou crias em L.A. (X, Germs), Minneapolis (Hüsker Dü, Replacements), na sulista Athens (R.E.M.), na capital Washington D.C. (Minor Threat, Bad Brains), em San Francisco (os Dead Kennedys), em Boston (Mission of Burma) e também em Nova Iorque (Sonic Youth).
Um rápido histórico de cada uma dessas bandas, e seus discos fundamentais:

BAD BRAINS
Junto com Black Flag, Dead Kennedys e Minor Threat, forma a nata do então nascente hardcore americano. E ao contrário dos outros três, contava com grandes músicos: o guitarrista Dr. Know, por exemplo, tocou baixo em várias bandas funk, e, fã de fusion, costumava tirar o álbum Romantic Warrior, do Return to Forever, nota por nota. A fúria dos Brains, quem viu ao vivo diz, não tinha paralelo – Adam Yauch, dos Beastie Boys, os considera a melhor banda punk de todos os tempos. Gravaram vários reggaes, sempre com personalidade.
Álbuns: Bad Brains (1982, lançado aqui pela Trama), Rock For Light (1986) e I Against I (1986) são os clássicos, mas a coletânea Banned in D.C.: Bad Brains’ Greatest Riffs (2003) também é indispensável.

BLACK FLAG
A cara do hardcore angeleno, seu líder, o guitarrista Greg Ginn, também fundou a lendária SST Records, importantíssima gravadora indie do final dos 70 e por quase toda a década de 80. Gravou 3 E.P.’s e teve várias mudanças de formação até encontrar suas voz e cara definitivas: Henry Rollins, o homem que não ri, então um franzino adolescente, filho de um lar disfuncional (a mãe bebia religiosamente todos os dias, o pai, com a mesma freqüência, o espancava), pulou da platéia para o palco certa vez, em uma apresentação da banda em Nova Iorque, e só foi descer com o fim do grupo, em 1986. Segundo a lenda, o BF é a banda que mais influenciou o grunge: em sua última tour, Rollins convenceu seus companheiros a trocar o som ultra rápido para um ruído arrastado e lento, que fez a cabeça de futuros membros do Soundgarden, Tad e Nirvana que viram os caras em Seattle.
Álbum fundamental: Damaged (1981), o primeiro com Rollins e disco de cabeceira de Thurston Moore (Sonic Youth), entre outros.

CRAMPS
Mesmo quem não gosta ou não acha nada disso é obrigado a reconhecer: não há rigorosamente nada parecido com os Cramps, uma banda cujo conceito trashy, formulado pelo casal de pombinhos (corvos, melhor) Lux Interior e Poison Ivy Rorschach já é do caralho, tanto no som, o chamado psychobilly (rockabilly + guitarroristas como o pioneiro Link Wray + bandas toscas como Troggs e Sonics) quanto no visual, escandaloso, filho da estética dos filmes b. Dirão os detratores, inclusive, que o conceito freqüentemente supera a música, irregular ao longo de quase 25 anos de gravações. Exagero, os caras nunca deixaram de ser divertidos e autênticos, com um enorme repertório de pérolas de títulos saborosos como ‘I Was a Teenage Werewolf’ (que vergonha, Renato Russo!), ‘I Ain’t Nothing But a Gorehound’, ‘Can Your Pussy Do the Dog?’, ‘Bikini Girls with Machine Guns’, ‘Naked Girl Falling Down the Stairs’, ‘Like a Bad Girl Should’, ... Os Cramps se mantinham na ativa desde 1976, e seus shows iniciais no C.B.G.B.’s e Max’s Kansas City logo viraram sensação, mas só foram gravar o debut em 80. Com a morte recente de Lux, por complicações cardíacas, o rock perde um dos seus frotmen mais sui generis e carismáticos e uma porção generosa de diversão e bom humor.
Álbuns: o de estréia, Songs the Lord Taught Us (1980), com produção do Big Star Alex Chilton, é o melhor, Psychedelic Jungle (1981, acompanhado em CD pelo E.P. Gravest Hits) e A Date With Elvis (1986) são ótimos também. A coletânea Bad Music For Bad People - os títulos dos caras são o máximo mesmo -, de 1984, traz lados b e raridades.

DEAD KENNEDYS
O exemplo mais bem acabado de que nem sempre artistas politizados são sinônimo de chatice ou demagogia. Jello Biafra, líder do quarteto e dono do selo Alternative Tentacles, além de candidato (obviamente derrotado) à prefeitura de San Francisco, é célebre por suas apresentações-solo, em que invariavelmente apavora a audiência tratando da política interna e externa dos governos de seu país e atacando as grandes corporações. Numa dessas, o falecido Joey Ramone chegou a mijar nas calças, de tão assustado com o quadro apocalíptico pintado por Jello. No som, batidas rápidas, guitarra com ecos de surf music (by East Bay Ray) e os versos cuspidos por Jello.
Álbuns: Fresh Fruits For Rotting Vegetables (1980, saiu uns cinco ou seis anos depois no Brasil – e com vinil branco!) é a obra-prima evidente, mas o posterior, Plastic Surgery Disasters (1982, acrescido do E.P. In God We Trust, de 1981 na edição em CD) não fica tão atrás.

GERMS
Banda de curtíssima duração, por conta da defecção de seu vocalista Darby Crash, morto por overdose de heroína com apenas 21 anos. Crash, cujas incendiárias apresentações ao vivo incluíam confronto aberto com a platéia, ainda teve tempo de ter uma participação marcante no documentário The Decline of Wsetern Civilization, de Penelope Spheeris, e teve como parceiro de tomação e inspiração musical o guitarrista Pat Smear, que mais de uma década depois, tocaria no último ano de vida do Nirvana. O grupo só deixou um álbum, G.I. (1979), produzido pela bad girl original, Joan Jett, fã dos caras.
Álbum essencial: a coletânea (M.I.A.): The Complete Anthology (1993) reúne todo o álbum G.I., mais as primeiras gravações do grupo e seis faixas da trilha do filme Cruising, e tem 30 músicas ao todo.

HÜSKER DÜ
Originário da mesma Minneapolis de Prince e os irmãos Coen, pode-se dizer que compõe junto com o R.E.M. e Sonic Youth o trio básico do rock indie americano que abriu as postas das grandes gravadoras para o underground nos anos 80 – antes do Nirvana escancará-las a chute. Fez bem a transição do porão para o mainstream, mas não teve a mesma sorte das outras duas: acabou após dois álbuns pela Warner. O som alternava entre ecos psicodélicos e a fúria punk, a aspereza e a delicadeza – não tem como não lembrar do Nirvana ao ouvir suas baladas – , o elétrico e o acústico, e as canções revelaram dois ótimos compositores: o guitarrista Bob Mould e o baterista Grant Hart, ambos cantores.
Álbuns: vários. Zen Arcade (1984), originalmente duplo em vinil, é a primeira obra-prima, seguido de New Day Rising (1985) e Flip Yor Wig (também de 1985), todos independentes. Candy Apple Grey (1986) e Warehouse: Songs and Stories (1987), os discos pela major, saíram no Brasil na época. (Após o fim do grupo, Bob Mould dividiu-se entre álbuns solo e o Sugar – que durou três anos. Grant Hart também teve sua banda, Nova Mob, e sua carreira solo inclui o ótimo Good News For Modern Man, lançado há exatos 10 anos. Não gravou mais nada desde então.)

MEAT PUPPETS
O trio formado pelos irmãos Kirkwood (Curt, guitarrista, e Cris, baixista) e pelo baterista Derrick Bostrom (que já não faz mais parte da banda), carrega a fama de ser o criador do ‘cowpunk’, o som punk com tintas rurais. Folk, country, blues e até uma levada funk entram no caldeirão dos caras, que, ao vivo, chegam a soar com uma banda de heavy metal, tamanho o peso que empregam: lembram um ZZ Top mais minimalista e agressivo (o guitarrista Billy Gibbons, dos barbudos texanos, várias vezes enfatizou sua admiração pelos Puppets). Possuem vasta discografia – a maior (e melhor) parte saiu aqui pela Trama – e ainda seguem na ativa, apesar dos percalços recentes: Cris, após a morte de sua esposa (por overdose) e sua mãe, num intervalo de menos de dois anos, desapareceu no final dos 90, sendo encontrado depois de meses, e já tendo de responder à justiça por seus próprios problemas com o vício.
Álbuns: o clássico óbvio é Meat Puppets II (1984), do qual Kurt Cobain extraiu ‘Plateau’, ‘Oh, Me’ e ‘Lake of Fire’ – além dos próprios irmãos Kirkwood - para o Unplugged do Nirvana. Up On the Sun (1985) e Huevos (1987) também são discaços, e o subestimado Mirage (1987) merece uma revisão.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Já não se fazem mais enfant terribles como antigamente

Jean Vigo Integral
(Versátil)


Houve um tempo no cinema em que não era incomum alguém fazer grande arte enquanto se divertia apedrejando o status quo. O parisiense Jean Vigo (1905-1934) era dessa gloriosa estirpe, e pela primeira vez sua obra sai inteirinha em DVD no Brasil.

Filho de um anarquista que atendia por Almereyda (“um nome que tem merda”), Vigo herdou do pai a saúde frágil – morreu tuberculoso aos 29 anos, finalizando O Atalante pregado a uma cama – e a revolta. Deixou só quatro filmes, o que bastou para torná-lo um dos autores fundamentais do cinema.

A Propósito de Nice (1930) e Taris ou a Natação (1931) são documentários. O primeiro é mais interessante: Vigo passeia com a câmera pelas ruas de Nice, flagrando a frivolidade e o tédio burgueses, compondo um painel caricatural que não exclui intercalar cenas dessa gente com as de animais. Já Taris, uma exaltação às qualidades do campeão de natação francês Jean Taris, foi obra de encomenda – mas Vigo aproveita para exercitar seu estilo, herdeiro das vanguardas da época.

Zero de Comportamento (1933) é a matriz de todos os filmes de rebeldia juvenil, de If... a Sociedade dos Poetas Mortos. Professores são feitos de palhaço sem dó por alunos inconformados, em seqüências famosas como a do diretor sendo bombardeado por frutas no pátio da escola. E O Atalante (1934) entra em quase todas as listas dos filmes mais importantes da história. Misturando realismo poético, técnicas de documentário e surrealismo, é a crônica do início da vida em comum de um jovem casal: o marinheiro Jean (Jean Dasté) casa-se com a filha de camponeses Juliette (Dita Parlo, inspiração de Madonna na tour 'Blond Ambition') e a leva consigo para a vida a bordo do Atalante. Lá vivem ainda um velho marujo, uma multidão de gatos e um grumete. Juliette quer conhecer Paris e botar ordem no ambiente, Jean quer seguir sua rotina. O desentendimento é inevitável, mas aos poucos um percebe que não vive sem o outro, dando a deixa para cenas marcantes: um transtornado Jean mergulha no rio para “procurar” a sumida Juliette; Juliette se revira na cama, suspirando a falta do corpo de Jean – seqüência que deve ter servido de pretexto para a proibição do filme, o que já ocorrera com Zero.

Todos os 162 minutos da vigorosa obra de Vigo, restaurados, estão no DVD duplo “Jean Vigo Integral”. Além dos filmes, os caprichados extras incluem uma entrevista do herói de todos os cinéfilos, François Truffaut, por seu colega Eric Rohmer, e depoimentos de notáveis do quilate de Antonio Candido, Sylvia Fagundes Telles, Ismail Xavier e Carlos Augusto Calili sobre a importância de Paulo Emílio Salles Gomes, fundador da Cinemateca Brasileira e muito provavelmente o maior crítico de cinema do país em todos os tempos. Paulo Emílio também foi o grande responsável pelo resgate de Vigo na França nos anos 1950.



'O Atalante': poesia é isso

Os Vampiros estão soltos!


Release the bats! Release the bats!
Pump them up and explode the things

(‘Release the Bats’,
letra: Nick Cave,
música: Birthday Party,
álbum: “JunkYard”, 4AD Records, 1982)

Conheci a banda no estúdio da TVE, durante o Radar. De imediato, o que chamou a atenção, claro, foi o visual, trashy/vampiresco: vocalista/guitarrista esquálido, com cabelão topetudo à Henry Spencer (personagem do falecido Jack Nance em Eraserhead, primeiro pesadelo davidlynchiano), camisa com aquela gola comprida típica dos cafetões/traficas dos blaxploitation setentistas, mais uma gravatinha borboleta que, na verdade, tinha o desenho de um morcego; vocalista/guitarrista com visual Branca de Neve do mal, cabelinho Chanel à moda Louise Brooks em “A Caixa de Pandora”, estilão junkie lady/gelada, enormes óculos escuros (a esconder um olhar blasé?); baterista careca, lembrando um Tio Funéreo punk ou ainda um daqueles personagens bizarros/psicopatas/alienados prestes a pôr fogo no circo em filmes de terror low low low budget. Achei engraçado, mas imediatamente veio aquela idéia que sempre me bate toda vez que topo com esses caras, assim, cheios de estilo, que parecem ter todas as referências certas: “já vi isso antes”. Perguntei ao Léo quem eram. “Damn Laser Vampires”, respondeu. “E são do caralho”, completou. Então, tá, não custa dar uma conferida, pensei, ainda desconfiado - logo, logo tô picando a mula mesmo. Bom, o “confere” acabou durando até o fim do programa.

O som dos caras é altamente intoxicante, daqueles que pegam na hora: já na primeira dose, o estrago tá feito, é vício imediato, mais ou menos aquilo que os entendidos dizem do crack (não conheço). Duas guitarras (do casal Ronaldo Selistre/Francis K) se completando/desafiando, bateria minimal/tribal (Michel Munhoz) dando o tom, vocal cavernoso (Selistre) com peculiaríssimo senso de humor (sem forçar, diga-se), influências que vão da surf music de Dick Dale (“Next Time You Ride”) ao bubblegum dos Ramones, passando pela lassidão de um Velvet ou Jesus. Títulos absolutamente saborosos, como “Let’s Drunk Together” (perfeita pra festinhas de malucos, assim como “Saint of Killers”, “Next Time You Ride” e “Everybody Were Stoned”, todas em seqüência) e “I Wanna Be an Old Bitch”, versos bem humorados, como em “The Devil is a Preacher” (“God’s Out of Fashion”, canta o Selistre, tentando cooptar o ouvinte à causa do demo) ou em “M.I.” (“M.I. really something Good?”). A faixa-título, de cara, sacaneia com o início de “New York, New York”, anunciando que uma confraria feia e suja está prestes a tomar a cidade, “Graveyard Polka” parece cantada por um Nick Cave (ou Tom Waits, de quem Ronaldo é fã) desiludido com uma rotina de desamor – e que vocifera/pragueja em italiano ao final da canção – na verdade, são os versos inicias da “Divina Comédia” de Dante. “Louvre” tem como narrador um artista, digamos, incompreendido, que comete versos impagáveis como “Guernica’s gonna look like a joke when I finish this” ou “You don’t want to lose Lautrec” ou ainda “Lemme put my Rodin in Your Claudel”. Há ecos do envenenador de guitarras pioneiro, Link Wray, na música dos Vampires, assim como dos Dolls, dos Heartbreakers (Johnny Thunders ficaria orgulhoso desses seus pupilos), do garage pop dos Buzzcocks, do punkabilly do X, do senhor das trevas Nick Cave (com os Bad Seeds ou o Birthday Party), até do minimalismo nervoso do Suicide (sem synths, é claro). Mas a referência maior acaba sendo mesmo o rockabilly dos 50’s filtrado pela new wave, daí que ...

... daí que não vai faltar um boçal pra dizer “ah, mas é cópia dos Cramps” ... putz! Deixa o trouxa falando sozinho. É claro que o som dos caras é derivativo, como de resto o de todo o mundo, no universo canibalesco/multirreferencial do pop, o é. Mas os Vampires esbanjam aquele it que só os grandes amantes do pop, reprocessadores de influências bacanas (pensou em Tarantino? Tá, a referência é manjada mesmo, tá certo, mas é por aí mesmo) possuem. Aliás, também tem o seguinte: se formos considerar que os Cramps, há um bom tempo, não empolgam como antigamente – o último álbum deles, inclusive, é de 2003 -, tendo sido engolidos pela própria fórmula, até o fã de Lux, Poison e cia. vai sair ganhando.

A produção (muito feliz, diga-se de passagem) é do Alemão Birck da Graforréia, que soube captar a sujeira e o humor dos caras e principalmente o espírito camp da coisa: é o tipo do som que, se o produtor se mete a querer ter “idéias”, é fácil estragar – além da grande possibilidade de não entender a(s) sacada(s) e o universo particular das figuras e acabar igualmente fazendo merda. O custo do álbum, mesmo que tenha de ser importado (não tem distribuição nacional ainda, a edição é do selo gringo “Devil’s Ruin Records”, que descobriu o trio no MySpace), é barato, quase de graça considerando o altíssimo grau de diversão que contém - pra se ter uma idéia, é daqueles raríssimos discos em que uma faixa boa sucede a outra, e quando a bolachinha acaba de rodar, a gente fica tomado por aquela tristeza. Pensa bem: qual foi a última vez que te aconteceu isso (não vale citar clássicos do rock recentemente descobertos)?

PS I – não deixe de conferir o clipe de “Bracadabro”, brincadeira com “O Gabinete do Dr. Caligari”, “Nosferatu”, o Drácula de Bella Lugosi e outros clássicos expressionistas e vampirescos de antigamente. O vídeo é dirigido pelos três, que são ilustradores – tá explicado, portanto, o apuro visual do trio.

PS II – tive que voltar ao Radar semanas depois, quando o disco me chegou às mãos, pra comentar que trata-se da melhor bolacha saída do universo rock, não só pampeano como também brasuca, em muito tempo – seguramente aí uns 5 ou 6 anos –, quase um clássico instantâneo. Não tenho medo de ter me apressado: repetidas audições, tipo de um mês pra cá, só têm reforçado a convicção (lembro de ter ficado petrificado assim com o primeiro contato com a estréia do DeFalla, com a – à época – fita cassete do “Último Verão”, do Julio Reny, com a demo dos Cascavelettes, com a demo da Video Hits, ... e só). Tava faltando uma banda fazendo rock de verdade, não esse pop-rock radiofônico canhestro/pobre/brocha/corporativo que assola as FM’s ou aquela onda que mistura guitarra elétrica com ritmos brasileiros que tem mais cara de samb(inh)a do que de rock! Agora, não falta mais.

* texto escrito à época do lançamento do disco de estréia dos DAMN LASER VAMPIRES – Gotham Beggars Syndicate (Devil’s Ruin Records, 2008)