sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Paradão Magnético do Mês (Novembro de 2009)

Mais difícil que o do mês passado. Dói passar a tesoura, mas ... Aí vai:

PJ HARVEY & JOHN PARISH - Black Hearted Love
THE RAPTURE - Sister Saviour
CUT/COPY - Unforgettable Season
MISSION OF BURMA - Academy Fight Song
DEERHOOF - Fresh Born
CRYSTAL CASTLES - Crimewave
NEUTRAL MILK HOTEL - In an Aeroplane Over the Sea
MERCURY REV - Holes
P.I.L. - Memories
BLACK REBEL MOTORCYCLE CLUB - Spread Your Love
PANDA BEAR - Comfy in Nautica
BIBIO - Lover's Carvings
JOHN CALE (c/ KEVIN AYERS, NICO & BRIAN ENO) - Heartbreak Hotel
JAPANDROIDS - Heart Sweats
GIRLS - God Damned
NO AGE - Ripped Knees
SUPER FURRY ANIMALS - Smokin'
BETA BAND - Dry the Rain
CORNELIUS - Star Fruits Surf Rider
MAGNETIC FIELDS - I Don't Believe in the Sun

COMPANHIA MAGNÉTICA NO RÁDIO (11)

Aí vai o playlist do programa deste sábado, 28/11, na FM CULTURA (107.7 no dial ou www.fmcultura.com.br na rede), às 9 da noite. Enjoy!

1º bloco:
JAPANDROIDS – Heart Sweats


Canadenses de Vancouver, Brian King (guitarra) e David Prowse (bateria) tornaram-se os Japandroids em 2006, lançando dois E.P.’s nos dois anos seguintes. O álbum de estreia, ‘Post-Nothing’, só veio em agosto deste ano, mas antes, a faixa ‘Young Hearts Spark Fire’ já havia feito barulho na internet, além de a dupla ter sido adotada pelo influente site Pitchfork. O som barulhento, minimal e lo-fi dos Japandroids tem rendido muitas comparações com bandas como No Age e Times New Viking.

GIRLS – God Damned

Também um duo, este americano, de San Francisco, cujos membros – que não são meninas, apesar do nome da banda – têm histórias pessoais as mais sui generis, em especial o guitarista Christopher Owens: filho de religiosos da seita ‘Children of God’, começou cantando em coros da igreja e viveu em diversas partes do mundo até tomar contato com a música pop na adolescência e se cansar da vida de crentes que sua família levava. Passou então a tocar na rua, e após juntar uma grana razoável, acabou parando em San Francisco, onde passou a trabalhar como pintor. Por intermédio de amigos músicos é que foi conhecer seu futuro parceiro de banda, JR White, filho de pais liberais e que levava a vida na gandaia à noite enquanto garantia uns trocados de cozinheiro à tarde. ‘Album’ é o disco de estreia do Girls, deste ano.

NO AGE – Ripped Knees

Também californiano, este de Los Angeles, também um duo, de guitarra (a cargo de Randy Randall) e bateria (Dean Spunt, que também é o vocalista), ex-integrantes de uma banda hardcore chamada Wives. Têm dois discos: o primeiro, ‘Weirdo Rippers’, de 2007, é uma coleção dos E.P.’s lançados em vinil pelo grupo, e ‘Nouns’, do ano passado, é de fato álbum de estreia, considerado um dos melhores do ano por diversas publicações. Além da música, a dupla também é famoso no terreno das artes visuais.

2º bloco:
SUPER FURRY ANIMALS – Smokin’


Uma das principais bandas da quentíssima cena do País de Gales dos anos 90 (de onde saíram também Gorky’s Zygotic Mynci, Manic Street Preachers, Catatonia e Stereophonics, entre outros), a banda formada em Cardiff em 1993 já esteve no Brasil em 2003, se apresentando no Tim Festival. Liderados pelo maluco beleza Gruff Rhys, mixam o britpop dos 90 (o primeiro disco lembra a sonoridade do Blur) com a psicodelia dos Beatles e Beach Boys, o art rock dos anos 1970, a energia do punk rock e até influências tropicalistas. Têm 9 discos de carreira – sendo um deles cantado todo em galês –, mas apenas dois saíram no Brasil, além da coletânea ‘21 Singles’. O mais recente é ‘Dark Days/Light Years’, deste ano, e um dos mais interessantes é a coletânea ‘Outspaced’, de 1998, só com material inédito – tão bom como qualquer dos discos de carreira do quinteto.

BETA BAND – Dry the Rain

Se o Super Furry é um dos baluartes da badalada cena de Gales, a Beta Band foi um dos mais significativos nomes da igualmente bacana cena escocesa da década passada – que tinha Arab Strap, Belle & Sebastian, The Delgados, Mogwai e o Travis. O quarteto de Edimburgo teve seu grande ano em 2001, quando abriu a turnê do Radiohead – antes, teve incluída sua ‘Dry the Rain’ na trilha de ‘Alta Fidelidade’ (o ator e produtor John Cusack é grande fã do grupo e seu mix de referências a várias vertentes da música eletrônica e ... britpop). Encerrou as atividades em 2004 após lançar três discos muito elogiados – isso sem contar a reunião de seus três primeiros E.P.’s, lançada em 1998 justamente com o nome de ‘The Three E.P.’s'.

CORNELIUS – Star Fruits Surf Rider

Outra cena importante dos anos 90 é a famosa ‘shibuya kei’ – o pop alternativo japonês, que ajudou a quebrar de vez o ranço no mercado norte-americano contra a música popular feita em outras paragens que não o eixo América-Inglaterra. Além do estourado Pizzicato Five, do bacana Buffalo Daughter e do divertido Fantastic Plastic Machine, um dos caras mais legais da cena é um cidadão chamado Keigo Oyamada, conhecido no universo pop pela alcunha de Cornelius. Seu clássico saiu no Brasil: ‘Fantasma’, de 1997. A edição da Trama, que lançou dele também dois discos de remixes, chegou ao luxo de trazer a tradução das letras para o português. Cornelius é uma espécie de Beck nipônico: o folk se mistura ao hip-hop, a psicodelia à bossa-nova, a batida drum’n’bass ao noise.

3º bloco: MAGNETIC FIELDS (’69 Love Songs’, 1999)
Completando 10 anos de lançamento, um dos projetos mais ambiciosos da década de 90: um disco triplo contendo 69 canções. O autor da proeza é Stephen Merritt, cantor, compositor, produtor e multi-instrumentista americano de Boston, líder do Magnetic Fields. O cara registra todo o material em casa, em um gravador de quatro canais, e faz isso desde a adolescência, embora o primeiro disco do MF só foi sair em 1990.

Inicialmente inspirado no pop eletrônico de Gary Numan, Eno, Roxy Music e Kraftwerk, aos poucos, Merritt foi adicionando instrumentos elétricos e acústicos, aparecendo aí suas outras influências básicas, como Beach Boys e Phil Spector. Nos dois primeiros álbuns, contava com o auxílio da cantora Susan Anway; com a saída dela, Merritt aacabou ssumindo os vocais principais. Os integrantes mais frequentes do Magnetic Fields são o cellista e flautista Sam Davol e a percussionista Claudia Gonson – que é também cantora e se vira em outros instrumentos. Não por acaso, cada um dos três volumes das ‘69 Love Songs’ exibe o rosto de um deles. (Quando saiu, em setembro de 1999, a obra poderia ser adquirida de duas formas: ou o sujeito comprava em separado cada um dos discos, com exatamente 23 canções cada, ou um box com todo o material.)

A temática das canções de Merritt gira em torno de relacionamentos amorosos, entre pessoas do mesmo sexo, geralmente com uma ponta de ironia e melancolia. Merritt, além dos MF, possui outros projetos, tais como Future Bible Heroes (a gente mostra em um dos próximos programas), Gothic Archies e The 6ths – este último gravou um disco com uma série de vocalistas convidados, como Georgia Hubley (Yo La Tengo) e Dean Wareham (Luna), entre outros. Já os Magnetic Fields têm outros sete discos além das ’69 Songs Love’ – o mais recente é ‘Distortion’, do ano passado.

I Don’t Believe in the Sun
I Don’t Wanna Get Over You



Asleep and Dreaming
No One Will Get Over You





Busby Berkley Dreams
Accoustic Guitar




Merrit e seus asseclas: o novo 'the hardest workingman in show business'

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

My Life in Lists – discos (70’s)

Nos anos 1970 em que cresci fora da província, bem perto dos tubarões da ditadura que não sabia existir, bem longe do maior time do futebol brasileiro de então, na seara pop, o início foi o fim do sonho, e o final, recomeço a partir do caos. O período que Tom Wolfe, que essa semana passou por aqui, chamou de ‘a década do eu’, num certo sentido também o foi no rock, até, pelo menos, sofrer o golpe de John Lydon, Sid Vicious e cia.: concertos de ingressos caríssimos, superproduções em arenas lotadas, popstars milionários, músicas longuíssimas que enfatizavam o narcisismo de instrumentistas megalômanos ... tudo contribuiu para afastar a garota angustiada que buscava no rock um conforto mínimo, um escape para seus problemas. O rock perdera a urgência, a conexão com a rua, e o terrorismo se fazia necessário. Os Pistols, então, detonaram a nova ‘nova onda’, que já havia sido delineada em Nova Iorque pelos Ramones, Patti Smith, Blondie, Richard Hell, New York Dolls, Suicide, Television e os Talking Heads, e antes pelo Velvet Underground.

Mas como o pop se recicla e se reinvernta com uma velocidade absurda, e as referências que hoje não servem amanhã darão o tom, a década de 1970, no que tinha de mais ‘descartável’, acabou sendo revitalizada: a disco – que, a bem da verdade, jamais morreu – viraria referência não apenas para a dance music, na virada dos anos 80 para os 90, como para um sem-número de outros estilos ligados ao universo indie, e até grupos então menosprezados pela crítica, como o Black Sabbath, seriam redescobertos por conta da influência em um sem-número de grupos pesados cult – do Nirvana ao Faith No More, do Ministry ao Jane’s Addiction.

Vendo a coisa em retrospecto, pra finalizar, os 70’s não são tão horrorosos assim, mesmo antes da explosão punk: Bowie, Roxy Music, T-Rex, o krautrock e a música black americana – e não só a americana, não esqueçamos que foi nos 70 o estouro mundial do reggae – garantiram contribuições importantes ao rock e ao pop. A comparação com os inacreditáveis 60’s fazem o quadro parecer muito pior do que de fato realmente é. Vejamos:


T-REX –Electric Warrior (1971)


Um disco de rock como devem ser todos os discos de rock: riffs intoxicantes, refrões ganchudos, groove na medida certa, rocks potentes, baladas emocionantes e um ar spacey que o torna ainda mais viciante. Críticos e fãs dividem-se em apontar qual o melhor disco da banda de Marc Bolan – igualmente um rock star como este deve ser, carismático, marrento (mas simpático), misterioso, do tipo que passa toda a segurança de quem sabe o que está fazendo porque é apaixonado pelo que faz: ‘Electric Warrior’ ou o subsequente, ‘The Silder’? Os dois são indispensáveis, assim como ‘Tanx’. ‘Electric’ leva vantagem por incluir o hino da banda, ‘Get It On (Bang a Gong)’, a tocante ‘Cosmic Dancer’ (ambas usadas em cenas-chave do belo filme inglês ‘Billy Elliott’), o boogie ‘Jeepster’, a venenosa ‘Mambo Sun’, além da bacana ‘Life’s a Gas’ e da paulada final ‘Rip Off’. Discaço. Não perdeu a força nestes quase 40 anos. Uma pena que Bolan tenha morrido cedo, em 1977, no auge do barulho punk, duas semanas antes de completar 30 anos. A moçada invocada pegou leve com ele, e tinha razão.

ROXY MUSIC – For Your Pleasure (1972)

A ala mais vanguardista do glam rock de Bowie e T-Rex no último disco do revolucionário ‘não-músico’ Brian Eno com a banda – chutado da banda por Bryan Ferry, confirmando aquela velha escrita de que em uma mesma banda de rock geralmente não cabem dois gênios. Mas o choque entre os experimentalismos desconstrutivistas de Eno e o gosto pelas melodias e o groove do r&b americano do crooner Ferry tem aqui seu momento máximo: o disco abre com a incisiva ‘Do the Strand’, um dos singles de sucesso do grupo e hit obrigatório dos shows da banda, segue com a balada ‘Beauty Queen’, passa por ‘Strickly Confidential’ e ‘Editions of You’ (outro hit-single, um rockão já regravado pelo Mudhoney), pra desembocar em seguida nos dois momentos mais sinistros do disco. ‘In Every Dream Home a Heartache’ é a típica balada desencantada do romântico Ferry, e seu clima de fatalidade é realçado pelos venenosos synths de Eno; já ‘The Bogus Man’ – uma das preferidas de CM de todos os tempos – é uma das mais esquisitas gravações de toda a carreira do grupo, e parece a sentença definitiva das tensões vividas pela dupla Brian/Bryan: uma batida repetiviva vai marcando os mais de 9 minutos da canção, e os versos assustadores (‘The bogus man is on his way/As fast as He can run/He’s tired but He’ll get to You/And Shoot You with his gun’) são sussurrados por Ferry, e o groove da música, vai numa levada constante, com pequenas alterações (o oboé e o sax de Andy McKay), detalhes que surgem e desaparecem subitamente – uma das marcas, aliás, da Música Roxy. ‘Grey Lagoons’ e a faixa-título (mais uma valorizada pelas estranhas ambiências criadas por Eno) encerram mais esta obra-prima do Roxy, que ainda gravaria grandes discos depois, até que Ferry resolvesse partir para uma bem-sucedida carreira-solo nos anos 80.

DAVID BOWIE – Low (1977)

O mais denso de todos os discos de Bowie, dá pra dizer que, na verdade, é uma parceria: mais da metade do álbum deve-se a seu produtor, Brian Eno – que então já lançara clássicos do art rock dos 70’s, como ‘Here Come the Warm Jets’, ‘Taking Tiger Mountain By Strategy’, ‘Before and After Science’ e ‘Another Green World’. Aqui, inicia-se a chamada ‘cold wave’, o som depressivo e gelado que faria a fama de Joy Division, Cure e Echo & The Bunnymen na década seguinte. Sintetizadores dissonantes, clima de desolação, decadência, levada de guitarra nervosa e um certo groove robótico, influência clara do krautrock – não por acaso, ‘Low’ abre a famosa trilogia berlinense de Bowie, que à época vivia na capital da então Alemanha Ocidental com seu protegido Iggy Pop. As canções são poderosas – ‘Be My Wife’ e ‘Sound And Vision’ (essa quase pop, apesar da levada estranha), a resignada ‘Always Crashing in the Same Car’ – e os temas instrumentais, estranhos e desoladores, ocupam praticamente todo o ‘lado B’ do disco – só ‘A New Career in a New Town’ promete alguma eesperança, embora ‘Warszawa’ (que deu origem ao primeiro nome do Joy Division, Warsaw) não deixe dúvidas quanto ao clima ‘no future’. Bowie, o homem que educou a juventude britânica dos anos 70, que antecipou tendências e foi a principal referência do rock moderno das décadas de 80, 90 e 2000, mas cuja própria carreira desde os anos 80 se caracteriza pela irregularidade, ainda lançaria três obras-primas na sequência de ‘Low’ – ‘Heroes’, ‘Lodger’ e ‘Scary Monsters’, discos que não perderam nada em inventividade nos últimos 20 anos.

TALKING HEADS – Fear of Music (1979)

Entre o segundo, o terceiro (este) e o quarto discos dos Heads, todos produzidos por Brian Eno (olha o cara aí de novo), já tive preferência por cada um deles em momentos diferentes. Mas o mais constante é este terceiro: não é tão minimal como o segundo, ‘More Songs About Buildings and Food’, lançado no ano anterior (basicamente os rocks econômicos e enxutos da estreia, ‘’77’, com o tratamento aquele do Eno), nem tão elaborado como ‘Remain in Light’, lançado em 80, com uma enxurrada de efeitos e a super banda funk que faria a cama pros temas esquisitos de David Byrne na década seguinte. ‘Fear’ é na medida: começa com o sacolejo afro de ‘I Zimbra’, pontuado pela guitarra de Robert Fripp, segue pela paranóia (uma expressão tacanha pra definir o álbum, mas vá lá) de ‘Mind’, vêm ‘Paper’ e ‘Cities’, e encontra sua candidato a hit em ‘Life During Wartime’,um dos tantos comentários ácidos de Byrne sobre o modo de vida de seu país. Na pesada ‘Memories Can’t Wait’, o negócio é ainda mais obsessivo/opressivo, ‘Air’ segue no clima de estranhamento do disco, e a bela ‘Heaven’, já tema de um ‘Versinhos Bacanas’ aqui no CM, confirma o grande compositor que Byrne é. ‘Animals’, ‘Electric Guitar’ e ‘Drugs (Electricity)’ completam o serviço. Após a audição de ‘Fear of Music’, não fica difícil entender por que os Talking Heads são até hoje uma das bandas preferidas de Thom Yorke e seus parceiros de Radiohead.

THE STOOGES – Fun House (1970)

O Jack White (White Stripes) chama-o de o disco definitivo do rock de Detroit ou coisa parecida. Sem dúvida, os Stooges, em disco, foram bem mais felizes do que o MC5 e têm importância maior que Alice Cooper, só pra ficar entre os representantes da ‘motor city’ mais famosos. Mas o importante é que ‘Fun House’ é o disco definitivo dos Stooges: mais coeso – e caótico, por paradoxal que possa parecer – que o primeiro álbum de 1969 e o estoura tímpanos ‘Raw Power’. O segundo disco de Iggy Pop e sua banda tem provavelmente a mais matadora sequência de petardos da história: ‘Down on the Street’, ‘Loose’ (minha preferida para todo o sempre) e ‘TV Eye’. Não tem como não deixar de usar o clichê: não fica pedra sobrte pedra. Depois, vem a aparentemente mais calma ‘Dirt’ – em função do ritmo, consideravelmente mais lento e do arranjo, menos estridente e caótico –, mas os versos ‘I’ve been dirt and I don’t care’ não deixam dúvidas quanto ao inferno pessoal da personagem. Com ‘1970’, volta o barulho, e ‘Fun House’, com levada funk (!) e o sax de Steve Mckay instaura o clima de festa de maluco (aliás, sempre tive o sonho de abrir uma casa noturna com o nome de ‘Fun House’, mas o pessoal da Cachorro Grande executou a ideia primeiro. Paciência.). E tudo culmina com a catarse de ‘L.A. Blues’, a quebradeira final. Tá aí um disco que promete e cumpre, não deixa nada a desejar.


MAGAZINE – Real Life (1978)


Admito que esse é uma descoberta recente. Tinha (tenho) os dois posteriores da banda de Howard Devoto, Jonh Mcgeoch e Barry Adamson, ‘Secondhand Daylight’ (1979) e ‘The Correct Use of Soap’ (1980), dos quais gosto, mas num nível muito distante de provocar qualquer onda de fanatismo como os Comsat Angles e Joy Division, só pra ficar em bandas com um mais ou menos semelhante. Também conhecia algumas músicas, tipo ‘The Light Pours Out of Me’, mas em função do programa baixei as canções e resolvi ouvir então na sequência o disco de estreia desta banda de Manchester famosa pelo seu vocalista – Devoto – e suas saborosas histórias (foi arrastado pro banheiro pela primeira mulher do Tony Wilson, que acabara de flagrar o marido na fubangagem e resolveu se vingar, foi promoter do famoso show dos Sex Pistols no Lesser Trade Hall, compositor/cantor/mentor da primeira formação dos Buzzcocks junto com Pete Shelley). Trata-se de um dos mais empolgantes discos de toda a era pós punk. Singles matadores – ‘Shot by Both Sides’ e a citada ‘The Light Pours Out Me’, mais as matadoras e sinistras ‘Motorcade’ e ‘Definitive Gaze’. Já que a comparação tacanha com o Joy e o Comsat Angels, arrisco uma tese final: a diferença positiva em relação às outras duas bandas (que o Legião Urbana copiou desavergonhadamente e à exaustão) é que o melhor do Magazine basicamente está concentrado em um álbum só – ainda que ‘Feed the Enemy’, ‘Permafrost’, ‘Because You’re Frightened’, ‘Permafrost’ e a versão de ‘Thank You Falletin Me Be Mice Elf Agin’ de Sly Stone sejam grandes momentos –, o que faz de ‘Real Life’, talvez, um álbum superior a ‘Closer’ ou ‘Waiting for a Miracle’; a negativa, claro, é que os outros dois tiveram uma regularidade maior, mesmo considerando-se a curtíssima trajetória do Joy Division. Mas o fato é que ‘Real life’ é um discaço que não perdeu com o tempo, a gravações recentes de Maxïmo Park, The Rapture e Interpol, entre outros, só confirmam isso.

CAN – Future Days (1973)

O mundo ainda vai reconhecer o Can como uma das grandes bandas da história do rock, passando a ser citado ao lado de Beatles, Stones, Who e Velvet Underground como um dos cânones do gênero. Com o Velvet, aliás, é que geralmente é feita a associação mais frequente, uma vez que a música de vanguarda do grupo de Düsseldorf presta tributo a compositores contemporâneos e carrega uma inequívoca intenção provocativa – em visita ao Brasil em meados dos anos 80, Holger Czukay disse que músicos que têm interesse em fazer música realmente honesta deveriam se espelhar na ex-banda de Lou Reed (e casar com uma mulher rica para sobreviver sem ter de se vender). Well, o negócio é que bem em uma época que o rock passou a ser contaminado com pretensões ‘artísticas’ de músicos megalômanos e sem talento de conservatório, o quinteto formado pelo Czukay, pelo baterista Jaki Leibezeit (ídolo do ex-Pistol John Lydon, gravou uma participação em um disco do P.I.L.), pelo guitarrista Michael Karoli, pelo tecladista Irmin Schmidt e pelo carismático cantor japonês Damo Suzuki definiu melhor do que qualquer outro a expressão ‘art rock’: improviso, experimentalismos, maluquices, ambiências estranhas, elementos jazzísticos – sem comprometer o minimalismo intrínseco ao projeto – ... o Can (e seus conterrâneos/contemporâneos Neu!, Faust, Kraftwerk e Cluster) influenciou onze a cada dez artistas que fizeram/fazem a diferença nas últimas três décadas do pop: do Primal Scream ao Air (repara se ‘La Femme D’Argent’ não foi inteiramente chupada da faixa-título de ‘Future Days’), do Suicide ao pessoal do pós-rock, do Add N to (X), dos Liars ao Joy Division. “Future Days’ é o o mais bonito dos discos do Can e o último com Suzuki. Aqui é o ouvinte que viaja e não os músicos.

NEIL YOUNG – On the Beach (1974)

O disco mais denso e dilacerado do ‘godfather of grunge’ – e justamente o preferido de Kurt Cobain, que tinha-o, segundo se diz, como um de seus álbuns de cabeceira. Ficou exatas três décadas fora de catálogo, só vindo a ser relançado, já em CD em 2004, justamente por conta do aniversário de 30 anos de seu lançamento, e acabou adquirindo, claro, a fama de álbum maldito. A explicação é a seguinte: Young registrou este seu sexto disco-solo na época mais triste de sua vida, quando acabara de perder dois amigos por overdose (o roadie Bruce Berry e o guitarrista do Crazy Horse, Danny Whitten) e sua mulher Peggy havia dado à luz a duas crianças deficientes. A letra da faixa-título já dá uma ideia do desespero do cara àquela altura do campeonato: em um trecho, ele se imagina em uma emissora de rádio dando uma entrevista onde termina sozinho ao microfone; em outro, diz que precisa de uma multidão, mas sente que não conseguirá encará-la; e abre e encerra com os famosos versos ‘The World is turnin’/I hope it don’t turn away’. Apesar de 30 anos de ausência das prateleiras, duas faixas de ‘On The Beach’ tiveram livre trânsito: ‘Rock On’ e ‘For the Turnstilles’ foram incluídas na coletânea ‘Decade’, sua mais conhecida – e melhor – antologia. Mas durante esse longo período, quem não teve a sorte de topar com o raríssimo vinil original ou teve a chance de descolar uma boa cópia pirata esteve privado de ouvir a belíssima ‘See the Sky About to Rain’, a confessional ‘Vampire Blues’, a intensa ‘Ambulance Blues’ e a controversa ‘Revolution Blues’. Neil brilhou nos anos 1970, lançando várias obras-primas, mas ‘On the Beach’ é seu disco mais bonito. E dolorido.

STEVIE WONDER – Innervisions (1973)

Difícil escolher qual o melhor disco de Little Stevie entre seus clássicos dos anos 1970: na era de ouro da música black americana, em que rivalizava com Marvin Gaye e Al Green ao poste de soulmen mais prolífico e brilhante, Wonder lançou várias obras-primas em sequência. ‘Music of My Mind’ (1970), com ‘Love Having You Around’ e ‘Happier Than the Morning Sun’, é um baita disco; ‘Talking Book’ (1972), dos mega-hits ‘Superstitious’ e ‘You Are the Sunshine of My Life’, geralmente é tido como seu melhor trabalho, com seu uso inovador de synths que influenciou especialmente David Bowie e seu ‘plastic soul’ em ‘Young Americans’; tem ainda o bacana ‘Fullfillingness’ First Finale’ (1974), onde a coisa vai desde música de protesto (‘You Have Done Nothing’, endereçada a Nixon) a um reggaezinho maneiro, ‘Boogie On Reggae Woman’, além de faixas subestimadas, como ‘Heaven is 10 Zillion Light Years Away’; e o ambicioso álbum duplo ‘Songs in the Key of Life’ (1976), que só confirma a maturidade de um artista completo. Mas ‘Innervisions’ (1973) é foda. Funkzinho eletrônico com toques jazzísticos (‘Too High’, sobre abuso de drogas), balada cortante (‘Visions’), um épico sobre a dura vida nas cidades (‘living in the City’), a manha de misturar funk e reggae na levada (o hit ‘Higher Ground’, um crossover que não soa como crossover), a confortante ‘Don’t You Worry About a Thing’, sucesso nos charts em 74, e uma das canções mais emocionantes de todo o seu repertório (e outra pedrada em Nixon), ‘He’s Misstra Know-It-All’. ‘Innervisions’ é o ouro, da primeira à última faixa.

MARVIN GAYE – Let’s Get It On (1973)

Claro que não tem a magnitude de ‘Lets Get It On’ e suas questões sociais relevantes – isso sem falar no grito de independência que representou para Marvin o álbum de 1971 –, mas é aqui que o cantor explora com mais profundidade o conflito espiritualidade/sexualidade que marcou sua vida e carreira, o que faz de ‘Lets Get It On’, talvez, seu álbum mais pessoal. E o mais bem-sucedido comercialmente, também. Puxado pela faixa-título – e o nome da canção não pode ser mais explícito –, o disco é uma coleção de canções excitantes (com ou sem segundas intenções): ‘Please Stay (Once You Go Away)’ arrepia, ‘If I Shoul Die Tonight’ emociona, ‘Keep On Gettin’ It On’ mantém a temperatura subindo, ‘Come Get to This’ levanta até morto, ‘Distant Lover’ afaga, ‘You Sure Love to Ball’ é aquele sussurro caprichoso no ouvido, e ‘Just to Keep You Satisfied’ existe pra lembrar que se o objetivo é o sexo, o sentimento também está presente. Um tesão de disco, e três anos depois, Marvin faria outro de conteúdo ainda mais explícito, menos luxuoso, nem tão brilhante, mas igualmente indispensável: ‘I Want You’.

Nota final: para os que me conhecem e já ouviram n vezes a velha cantilena sobre como os Sex Pistols, via 'Never Mind the Bollocks' (na verdade, via uma gravação em cassete feita por um colega de aula com faixas de outros discos de Johnny, Sid e cia.), salvaram minha vida do tédio quase terminal que sem encontrava lá pelos idos de 1985, a explicação, embora óbvia, parece necessária: o único álbum de carreira dos Pistols é hour concours, não pode ser colocado no mesmo patamar de qualquer outro na minha galeria afetiva. Já nem o ouço mais tanto, mas marcou uma fase importante, e é isso que interessa. Representou também um dos únicos dois choques musicais de toda a minha vida - se é que se pode chamar de música, concedo: o outro foi 'Psychocandy', estreia do Jesus, no mesmo ano de 85, mas esse é assunto pro próximo post.

Necessário esclarecer também que bandas do coração para toda a eternidade, como The Who, os Banshees e o Joy Division não entram por que não tenho destas um disco em especial como preferido, mas canções, várias canções, das quais teria que incluir em uma coletânea - o que já fiz, em um CDR.

E pra finalizar: 'Maggot Brain' (1971), do Funkadelic, não entrou por muito pouco.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

COMPANHIA MAGNÉTICA NO RÁDIO (10)

Então, tá, rapazeada, estamos chegando ao 10º programa! Fundindo, difundindo e principalmente confundindo nas ondas do rádio, da província para o mundo. Aí vai o playlist deste sábado, dia 21/11, às 21h na FM CULTURA (107.7 no dial ou www.fmcultura.com.br na rede). Enjoy!


1º bloco:
BLACK REBEL MOTORCYCLE CLUB – Spread Your Love


Banda americana de San Francisco, muito comparada ao Jesus & Mary Chain, pelo som barulhento e vocais sussurrados, a grande influência dos caras é mesmo o som shoegaze britânico da virada dos 80 para os 90, fazendo referência a Stone Roses e My Bloody Valentine, entre outros. O disco de estreia, ‘B.R.M.C.’, causou sensação quando foi lançado, em 2000, e o segundo, ‘Take Them On, On Your Own’ (2003) permanece como o único a sair no Brasil. Acabam de lançar um disco ao vivo lá fora.

BAND OF SUSANS – Mood Swing

Grupo novaiorquino, já extinto, pelo qual passaram Page Hamilton (Helmet) e Thalia Zedek (Come). O peculiar nome devia-se ao fato de ter em sua formação inicial duas Susans – a cantora, compositora e baixista Susan Stenger, líder da banda ao lado do guitarrista Robert Poss, e a guitarrista Susan Tallman. O negócio do grupo era criar ambiências a partir do som noisy das duas guitarras – seguindo uma tradição do som de Nova Iorque que vem desde o Velvet Underground, passando pelo Television e chegando ao Sonic Youth, e também flertando com o som shoegaze da época. Deixaram discos excelentes, como ‘Veil’, de 1993, e encerraram as atividades em 1996.

GIRLS AGAINST BOYS – Disco Six Six Six

Também americanos, estes de Washington D.C., tinham uma curiosa formação com dois baixos, e foram, num dado momento, a banda preferida dos críticos americanos – a revista Spin chegou a dar uma raríssima nota 10 a seu quarto álbum, ‘House of GVSB’ (1996). Do hype indie, foram contratados por uma major, mas, contrariando as expectativas sempre exageradas das grandes gravadoras, não venderam o esperado e acabaram voltando à cena independente. Não gravaram mais disco algum desde ‘You Can’t Fight What You Can’t See’, de 2002, mas não consta que o grupo tenha acabado.

2º bloco:
PANDA BEAR – Comfy in Nautica


É daquelas bandas dificílimas de classificar: tem um quê de som industrail, harmonias vocais que lembram o melhor dos Beach Boys psicodélicos, experimentalismos que remetem a Laurie Anderson, ao Einstürzende Neubauten, ao Cabaret Voltaire e ao Suicide. O dono da bola é Noah Lennox, americano de Baltimore, que tirou o nome de guerra de um desenho que fez de um urso panda na parede do quarto onde fez suas primeira gravações caseiras. Lennox também é integrante do Animal Collective e outros projetos, e o Panda Bear tem dois álbuns: ‘Young Prayer’, de 2004 – gravado sob o impacto da morte do pai de Lennox –, e ‘Person Pitch’, de 2007.

BIBIO – Lover’s Carvings

Projeto do produtor e multi-instrumentista inglês Stephen Wilkinson, influenciado tanto pela electronica cabeça dos anos 90 (Aphex Twin, Autechre e Boards of Canada) quanto pela música folk britânica de meados do século passado. Bibio hoje é um dos musts da música eletrônica, tendo lançado só neste ano de 2009 três discos, todos muito elogiados: ‘Vignetting the Compost’ no começo do ano, ‘Ambivalence Avenue’ – estreia pelo prestigiado selo Warp –, em junho, e agora sai a versão remix desse, ‘The Apple and the Tooth’.

AIR – Sing Sang Sung

O duo francês Jean-Benoît Dunckel e Nicolas Godin tá de volta com ‘Love 2’, seu quinto álbum de carreira – descontadas trilhas sonoras e coletâneas – e o primeiro disco desde ‘Pocket Symphony’ (2007). No novo álbum, os caras exploram o mesmo conceito que permeou os últimos shows da turnê passada: apenas o baterista Joey Waronker acompanha os caras e suas colagens, que vão da eletrônica vintage a toques jazzísticos, do pop oitentista aos experimentalismos que remetem ao krautrock e a Brian Eno. ‘Love 2’ também traz uma novidade na carreira da dupla: é a primeira vez que um álbum do Air é produzido por eles mesmos.

3º bloco:
KEVIN AYERS, JOHN CALE, BRIAN ENO & NICO
(‘June 1, 1974’, 1974)
Histórico encontro de quatro talentosos esquisitões do art rock do final dos anos 1960/início dos 1970 – ou seis, se considerarmos que Robert Waytt e Mike Oldfield também tocam na empreitada. Na verdade, o show, marcado para o Rainbow Theatre londrino, era pra ser de Ayers, que decidiu convidar amigos e músicos a quem admirava pra se juntar a ele. A primeira contatada foi Nico, que trouxe consigo John Cale, que, por sua vez, acionou Eno. Robert Wyatt, que tocara com Ayers no Soft Machine, e Mike Odfield, que havia participado, com apenas 17 anos, da The Whole World, banda de Ayers em 1970, também foram convocados – e ainda havia os Soporifics, banda de apoio de Ayers à época, e as cantoras Liza Strike e Irene e Doreen Chanter. O concerto, realizado então no dia 1º de junho de 1974, teve todos os 3 mil ingressos vendidos rapidamente, e foi precedido de apenas uma semana de ensaios.

Das nove faixas, cinco são cantadas por Ayers, duas por Eno, uma por Nico e outra por Cale: no lado A do vinil original, Eno começa com as suas ‘Driving Me Backwards’ e ‘Baby’s On Fire’, Cale canta uma paranóica versão de ‘Heatrbreak Hotel’, hit de Elvis, e Nico fecha com a aterradora ‘The End’, dos Doors, que acabara de registrar em seu álbum homônimo. O lado B é todo de Ayers. Ficaram de fora as canções ‘Ive Got a Hard-On For You, Baby’, de Ayers, ‘Buffalo Ballet’ e ‘Gun’, de Cale, além de Nico cantando a sua ‘Janitor of Lunacy’ e ‘Deutschland Über Alles’. Ayers lançou dois discos solo no mesmo ano: ‘The Confessions of Dr. Dream and Other Stories’, antes deste álbum ao vivo, e ‘Lady June’s Linguistic Leprosy’, depois. Eno e Cale estavam no grande momento de suas carreiras: o primeiro vinha do clássico debut, ‘Here Come the Warm Jets’, e ainda lançaria outro disco antológico no mesmo ano, ‘Taking Tiger Mountain By Strategy’; Cale também vinha de um clássico, o belo ‘Paris 1919’, lançado em 1973, e ainda 1974 registraria outro, o nervoso ‘Fear’. Nico, após ‘The End’, se afundaria ainda mais nas drogas e só lançaria novo álbum em 1981 – o irregular ‘Drama of Exile’.

‘June 1, 1974’ foi lançado rapidinho, ainda no mês do show, no dia. Como curiosidade, a foto da capa, que mostra o quarteto especialmente trajado para entrar em cena, foi de fato clicada por Mick Rock no foyer do teatro instantes antes dos caras subirem ao palco. Não precisa prestar muita atenção pra reparar o sorriso algo irônico/algo constrangido que exibem Ayers e Cale. Explica-se: na noite anterior ao concerto, Ayers passara a noite com a mulher de Cale – e este ficou sabendo.

Baby’s On Fire
Heartbreak Hotel
The End
May I?




O quarteto fantástico: 'art rock' de verdade, como antídoto às chatices progressivóides dos anos 1970

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

COMPANHIA MAGNÉTICA NO RÁDIO (9)

O programa deste sábado, 14/11, à 9 da noite na FM CULTURA (107.7 ou www.fmcultura.com.br) é este:

1º bloco:

GOSSIP – Heavy Cross

Tema do nosso primeiro programa, quando saía por aqui o disco ao vivo gravado em Liverpool em 2007, o trio americano liderado pela figuraça Beth Ditto volta agora com seu álbum mas recente, ‘Music For Men’, lançado em junho. É o primeiro registro de material inédito por uma grande gravadora (a major Columbia Records, no caso), e traz a banda com um som mais acessível, o que não significa diluição. A características que fizeram do grupo um dos mais queridos do underground desta década estão todos lá: o mix punk-soul-disco continua, Beth está cantando como nunca e os versos seguem afiados como sempre. A novidade é que há o acréscimo da eletrônica pontuando algumas canções.

DEERHOOF – Fresh Born
Grupo californiano de San Francisco, tá na ativa desde a década passada, tendo iniciado como mum projeto do guitarrista Rob Fisk e do baterista e tecladista Greg Saunier em 1994, e as primeiras gravações vão na esteira da no wave novaiorquina do final dos anos 1970. A japonesinha Satomi Matsuzaki entrou em 1996, assumindo os vocais e o baixo. O som é experimental – em certas canções, tem até uma pegvada industrial, que lembra o som do Helmet ou do Prong, levada funk e melodias pop. ‘Offend Maggie’ é o disco mais recente, do ano passado.

CRYSTAL CASTLES – Crimewave

Projeto de um cidadão chamado Ethan Kath, que tirou o nome dos desenhos da She-Rah e He-Man, e da cantora Alice Glass. Fazem pop eletrônico experimental, com fartas referências oitentistas – a inspiração, que fica logo clara na primeira audição, são as trilhas sonoras de videogames da época (não por acaso, a Atari também tinha um game com esse nome). Uma curiosidade sobre uma das principais canções da dupla diz muito a respeito do ‘modus operandi’ do grupo: a canção ‘Alice Practicing’ era pra ser o que o título sugere, uma demo gravada despretensiosamente em um ensaio, sem pretensão maior de virar canção, só que foi parar no My Space e rendeu um convite de várias gravadoras, acabando por ser lançada em single em 2006. O disco de estreia, homônimo, é do ano passado.


2º bloco:
NEUTRAL MILK HOTEL – In the Aeroplane Over the Sea

Uma das principais bandas a surgirem do selo/comunidade Elephant 6 – junto aos também aclamados Olivia Tremor Control e Apples in Stereo -, que faziam um som lo-fi psicodélico cheio de referências aos anos 1960. Basicamente um projeto do vocalista e compositor Jeff Mangum, deixou dois ótimos álbuns, ‘On Avery Island’ (1996) e ‘In the Aeroplane Over the Sea’ (1998) – este último, considerado um clássico do som indie americanos da década de 1990. Ambos estão sendo relançados lá fora, em vinil.

MERCURY REV – Holes

Outro clássico noventista é o quarto álbum do sexteto de Buffalo, Nova Iorque, praticamente uma banda irmã dos Flaming Lips, com quem os líderes Jonathan Donahue e David Friedman trabalharam. ‘Deserter’s Songs’ (1998) foi gravado já após a saída do vocalista original, David Baker, que, atritado com o resto da banda, viajava nas turnês num avião à parte do resto do grupo – as relações conflituosas fazem parte do histórico da banda e do folclore do rock americano. Trata-se de um álbum folk, psicodélico, com participação de Garth Hudson e Levon Helm (da The Band), com uma atmosfera dreamy, e de sonoridade bem mais calma do que os anteriores em que o grupo investia no noise – chegaram a ser expulsos do palco, em um show do Festival do Lollapallooza em Denver, no Colorado, por estourarem em muito o nível de decidéis permitido pelas autoridades locais.

DAMON & NAOMI c/ GHOST – The Mirror Phase

Um dos verdadeiros tesouros escondidos desta década, ‘Damon & Naomi with Ghost’, lançado em 2000, marca o encontro do duo folky tristonho americano e da banda folky psicodélica japonesa. Damon Krukoski e Naomi Yang era, respectivamente, baterista e baixista do aclamado trio maericano Galaxy 500, e com o fim da banda, no início dos 90’s, planejavam retirar-se da música, quando receberam uma proposta de seu antigo produtor pra que lançassem novo material para o selo Shimmy Disc. Damon assumiu então vocais, guitarra e percussão, e Naomi, baixo e vocais. O debut da dupla, ‘More Sad Hits’ (o título já diz tudo), saiu em 1991, e é um clássico da melancolia sonora da década passada. Já o Ghost, liderado pelo guitarrista Masaki Batoh, retira suas influências da psicodelia da costa oeste americana dos anos 1960 (Byrds, Jefferson Airplane, Love) e do experimentalismo do Velvet Underground e do krautrock do Can. O grupo, de formação variável, tem 9 discos lançados desde 2001, um deles ao vivo, sem falar nos igualmente respeitados discos-solo de Batoh.

3º bloco:
Especial - P.I.L. (‘Metal Box’, 1979)

Completando 30 anos de lançamento neste ano de 2009, o segundo disco da banda de John Lydon pós-Sex Pistols segue como seu trabalho mais significativo e nos últimos anos vem de novo voltando à pauta, pois várias bandas entre as mais quentes do momento – LCD Sound System, TV On The Radio, e até o Radiohead –, têm a famosa caixinha de metal do Publi Image Limited como uma de suas principais referências.

O P.I.L. foi formado em 1978 por Lydon e o guitarrista Keith Levene (ex-Clash) em 1978, e na sua formação inicial contava ainda com o baixista Jah Wobble – que ficaria conhecido depois por seus discos experimentais em que flertava com a world music – e o baterista Jim Walker. O primeiro single, ‘Public Image’, chegou ao Top 10 britânico, ainda com uma música que lembrava o som de garagem dos Pistols, mas o álbum de estreia, ‘First Issue’, que satirizava as capas de revistas de moda, já mostraria uma banda com farto apelo experimental, com influências diversas que iam do reggae e do dub (Lydon sempre foi fã dos sons jamaicanos) e do krautrock alemão (era admirador, em particular, do Can). Mas o disco seguinte, embalado numa caixinha que lembra a de um filme, é que faria toda a diferença.

‘Metal Box’ (ou ‘Second Edition’, seu título original), com o P.I.L. já reduzido ao trio Lydon, Levene e Wobble – com o auxílio do baterista Richard Dudanski, embora Walker ainda tenha registrado sua participação em algumas faixas –, é daqueles álbuns difíceis de classificar: não se parece com quase nada que tenha vindo antes dele. A guitarra de Levene por vezes soa percussiva, os versos de Lydon, que exploram desde a morte da mãe a assassinato, além de seus ataques ao stablishment, por vezes mal e mal se parecem com os de uma canção – no sentido tradicional do termo, ao menos. A estranha atmosfera criada pelos músicos, uma hora tem uma certa levada funk, em outras a música parece dura, gélida, desumanizante – um resenhista cunhou a expressão ‘alien dance music’ e faz sentido.

O P.I.L. gravaria mais outros 8 discos (dois ao vivo), sendo o mais conhecido deles ‘Album’, de 1986 – o primeiro a ser lançado no Brasil, que trouxe a banda ao país para shows no Rio e em São Paulo’ –, até encerrar as atividades em 1993. Lydon lançou um disco solo sem muita repercussão e desde 1996 excursiona esporadicamente com os redivivos Sex Pistols.

Memories
Poptones
Careering



Johnny, o eterno iconoclasta: depois de rachar o rock ao meio com os Pistols, a desconstrução do pop, com o Public Image Limited

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Paradão do mês (outubro de 2009)

Pra quem notou a falta: agora, o 'Paradão' é mensal, reduzido a 20 canções, quase todas - nesta primeira 'edição', atrasada, todas - retiradas do irmãozinho radiofônico. Fica até mais fácil, pra quem quiser procurar: vai nos posts referentes aos programas do mês, que lá vão estar as informações sobre as bandas e os discos. Então, a primeira seleção, de outubro, ficou assim:


JESSE MALIN - Queen of the Underworld
ELLIOTT SMITH - Waltz # 2 (XO)
YACHT - The Afterlife
THE BUG c/ THE WARRIOR QUEEN - Poison Dart
METRONOMY - Heartbreaker
THS SLITS - Typical Girls
FLAMING LIPS - Silver Trembling Hands
GLASVEGAS - Geraldine
THE ANTLERS - Shiva
INSPIRAL CARPETS - Saturn 5
HAPPY MONDAYS - Hallelujah
PRIMAL SCREAM - Higher Than the Sun
THE FEELIES - The Boy With The Perpetual Nervousness
ANIMAL COLLECTIVE - Taste
THE WALKMEN - The Blue Route
ANTONY AND THE JOHNSONS - One Dove
WEEN - Voodoo Lady
JON SPENCER BLUES EXPLOSION - Rocketship
BEACH HOUSE - Wedding Bell
MAGAZINE - The Light Pours Out of Me


Aproveita e baixa essas canções aí e depois me diz: dá ou não dá umas duas horas de programação radiofônica bacana?

My Life in Lists - discos (60's)

Faz uma semana que entrei na famigerada era dos ‘enta’ – aquela em que, diz-se, o sujeito entra numa crise de identidade do c*, faz o primeiro balanço realmente consistente da vida e só termina com a entrada nos ‘ento’, se tiver sorte (e, quem sabe, juízo; ajuda da medicina também vem bem) ou o fim de tudo. Pra mim, a ficha não caiu, me sinto tão imaturo, descuidado com a saúde e hedonista – no bom e no mau sentido – quanto antes da data fatídica, e se for me valer de relatos de amigos – me estes não estiverem mentindo, inclusive pra si mesmos –, não muda nada, 40 é só o resultado da soma de 39 + 1. Não sei.

Mas o propósito aqui não é dividir com os amigos frequentadores do CM minhas alegrias, dúvidas, certezas (poucas, a socrática ‘só sei que nada sei’ seria uma delas) e angústias, pois o espaço, como já disse lá no início, quando entramos no ar em fevereiro, não é pra narcisismos do tipo ‘estou me sentindo assim ou assado hoje’ e besteiras do tipo. A ideia é fazer um balanço afetivo em termos de referências que ficaram, coisas que eu curti e curto ainda, que me enriqueceram de algum jeito (não em termos financeiros, é óbvio, se bem que a paixão pela música, pelo cinema e mais recentemente pelos livros acabou me levando à profissão que paga as minhas contas). Sendo assim, resolvi compartilhar com os amigos as minhas listinhas ... ‘Putz, de novo?’. Sim, há quem ache uma superficialidade atroz, uma coisa extremamente redutora, esse lance de elaborar listas, que virou uma mania manjada depois que o Nick Hornby fez sucesso com seu ‘Alta Fidelidade’. Mas popmaníacos, cinéfilos, bibliófilos e amantes do futebol sempre se divertiram fazendo as suas, e eu, pessoalmente, já enchia páginas e páginas de caderno quando passei a colecionar discos no segundo ano do segundo grau – meu pior ano letivo, onde a diversão tomou conta e o estudo, que já era escasso, foi pro espaço. Fichas técnicas de filmes começaram dois anos depois a ocupar o meu tempo mais do que estudar pro vestibular. E assim foi indo, até hoje. Não vou mudar. Não quero mudar.

Buenas, entonces, a partir de hoje passo a compartilhar com os amigos algumas referências minhas em discos, filmes, livros – os shows, os dez mais que presenciei com esses olhos e ouvidos que a Terra não há de comer tão cedo, tão lá num post bem no começo do blog, em fevereiro. Nesta primeira parte, falo sobre os discos, começando com a década em que nasci – e na qual vivi apenas os últimos 63 dias. Diz a Neném, minha 'companheira cósmica', que toda a semana a listas mudam - seja de filmes, bandas, discos, ... -, o que é um exagero, embora deva admitir que de tempos em tempos acho filmes, bandas, discos do coração - nessa primeira lista já incluí um. Bom, mas então fiquem à vontade pra comentar, mandar as suas próprias, se quiserem. Se não conhecem algum dos itens relacionados e quiserem procurar, já vai ter valido a pena. Enjoy it (or not)!


VELVET UNDERGROUND – The Velvet Underground & Nico (1967)
Provavelmente o melhor disco de rock de todos os tempos, o único capaz de rivalizar com qualquer um dos Beatles mais aclamados. Total novidade na época, e ainda uma raridade quando ouvido hoje em dia: um álbum de vanguarda que assim ainda soa 42 anos depois de lançado. Há que se ter muito colhão pra falar de sadomasoquismo, drogas com alto poder destruidor (heroína, anfetamina), e ser cruelmente sincero nas canções de amor em plena era do ‘verão do amor’, e Lou Reed tinha. O som, um mix de rhythm’n’blues sujo e ruidoso (by Reed, Sterl Morrison e a batida displicente de Moe Tucker) e que já antecipava o punk rock e referências vanguardísticas (by John Cale) que deram as diretrizes ao krautrock, soa novinho em 2009. Típico disco que não cansa. ‘Run, Run, Run’, hoje, é a minha preferida – mas esta já foi ‘All Tomorrow’s Parties’, ‘Black Angel’s Death Song’, ‘Venus in Furs’, ‘Sunday Morning’, ‘Heroin’, ... É inesgotável, não adianta. O V.U. gravou álbuns sensacionais, maravilhosos, antológicos, entre os melhores do rock de todos os tempos depois - 'White Light/White Heat', 'The Velvet Underground' e 'Loaded (esses dois sem Cale), o disco 'perdido' ('V.U.'), mas seu debut passa por cima de tudo e todos. A inovadora música conceitualmente imperfeita do Velvet acabou gerando uma obra ... perfeita.

LOVE – Forever Changes (1967)
Descobri a banda de Arthur Lee porque um dia li que era uma das influências do Echo & The Bunnymen – asssim como o Velvet, também. Isso é uma das coisas legais do pop, o sujeito descobre milhares de coisas a partir de referências anteriores. Um disco perfeito, belíssimo, recheado de cordas e metais – aí, voltando ao Echo, não dá pra deixar de lembrar de ‘Ocean Rain’ -, e canções maravilhosas com ‘Alone Again Or’, ‘A House is Not a Motel’ (uma das preferidas do Yo La Tengo), ‘Old Man’ ... Psicodelia californiana original, do mágico ano de 1967 (‘Younger Than Yesterday’, dos Byrds, a estreia dos Doors), um disco que igualmente não nos deixa jamais. Os dois primeiros do Love são excelentes, mas comparados com esse aqui ficam no chinelo.

SLY & THE FAMILY STONE – Stand! (1969)
O verdadeiro rei do funk rock, tristemente recolhido há quase três décadas, depois de se afundar nas drugs e se emaranhar no próprio ego (alguém pensou em Prince? Faltaram só as drogas). Sylvester Stewart é um visionário, o cara que antes de George Clinton e do próprio James Brown turbinou o funk e injetou molejo no rock. Stand!, além de politicamente relevante – chegou a ser adotado pelos Panteras Negras –, balizou a música black feita desde então – e não só: todo o pessoal do punk-funk, do funk-metal e várias correntes roqueiras devem as calças a Sly e sua ‘família’ multi-racial. ‘I Want to Take You Higher’ foi a primeira canção que ouvi, no saudoso ‘Negras Melodias’ do Júlio Reny, na Ipanema FM, mas a faixa-título, ‘Sing a Simple Song’ (a Ultramen tocava essa uma época), o manifesto anti-racismo ‘Don’t Call Me Nigger, Whitey’, todas as oito faixas são do cacete! O álbum, um dos que mais ouvi na vida, e sobretudo numa época feliz – o ano vivido na América, 1993 – tá disponível no mercado nacional de bônus num CD duplo com a apresentação da Família de Pedra em Woodstock.

JIMI HENDRIX – Axis: Bold As Love (1967)
Se Sly foi responsável pelo crossover definitivo do rock branco e a música negra, o bruxo Hendrix foi além, mixando elementos de jazz, latinidade, blues ... Isso sem falar nas experimentações diversas – o cara era um mago dos estúdios -, no uso revolucionário do feedback, nas excelentes composições, nos arranjos (extremamente econômicos, em se tratando de um virtuose). Não vamos nem mencionar a técnica do querido que não tem graça (mas repara só nas inúmeras mudanças de acordes da introdução de ‘Little Wing’). A levada hard blues de ‘If 6 Was 9’, o suíngue de ‘You Got me Floatin’’, ‘Castles Made of Sand’, o wah-wah de ‘Up From Skies’, o primor de canção que é ‘Wait Until Tommorow’. Se há uma majestade que não corre risco algum de ser destronada é o guitarrista americano. Arrisco dizer – putz, o cara prometeu que não viria com teses -, bom, na minha opinião, ... bem, Jimi Hendrix é o cara mais importante da história do rock, se tivesse que resumir 54 anos de história num nome só, seria o dele. Pronto, falei! Outra das audições constantes do inesquecível ano de 1993, nas terras dos irmãos do norte.

BEATLES – Revolver (1966)
Já eleito várias vezes o melhor disco de todos os tempos – embora às vezes suplantado pelo registro seguinte dos ‘Fab Four’, o igualmente monumental ‘Sgt. Pepper’s’ –, o primeiro álbum psicodélico dos Beatles me adentrou o cérebro (alojando-se no subconsciente para ali permanecer até hoje, produzindo flashbacks a todo instante) pela primeira vez naquele programa da Ipanema FM que apresentava álbuns clássicos, ‘Base Sonora’, então apresentado pelo Jimi Joe. Uma aula de engenharia sonora de sir George Martin, concisão e coesão da banda, as tradicionais melodias ganchudas – só uma entre ‘Eleanor Rigby’, ‘Here, There and Everywhere’, ‘For No One’ já justificaria o rótulo de clássico –, mas tem ainda rocks potentes (‘Taxman’), flertes com a soul music (‘Got to Get You Into My Life’) e o verdadeiro assalto à psique que é ‘Tomorrow Never Knows’, que fecha o disco. É inacreditável como ainda tenha gente hoje que não consiga enxergar o impressionante talento do quarteto, que conferiu maturidade sonora ao rock – um caso extremo de ‘miopia auditiva’, na boa. Uma coisa é gosto, outra são ideias. Roberto Carlos até pode ser discutível. Os Beatles não são.


KINKS – Something Else by The Kinks (1967)
Um dos últimos a entrarem pra essa minha galeria, adquirido no começo deste ano, em uma edição inglesa, remasterizada e com faixas bônus, juntamente com outros quatro clássicos da banda de Ray Davies, o grande cronista da Swinging London. Sempre fui fã dos caras, uma pena que não tenham tido o mesmo sucesso na América – e consequentemente no resto do mundo – que tiveram em casa (é batido mas verdadeiro o comentário: as letras, baseadas em tipos sociais tipicamente britânicos, eram inglesas demais). ‘You Really Got Me’, lá de 1964, é uma das canções mais importantes do rock, assim como ‘Lola’ e ‘Where Have All the Good Times Gone’, todas observações perspicazes sobre as mudanças de rumo a partir do surgimento da contracultura nos 60's. Essa bolacha aqui tem ‘David Watts’, ‘Death of a Clown’, ‘Harry Rag’, ‘Situation Vacant’, ‘Love Me Till the Sun Shines’, ‘Waterloo Sunset’, uma penca de canções clássicas do repertório dos Kinks, gravadas sobre uma base fluida, r’n’b sujo, na veia, feito por quem sabe (parecem até os Stones em dado momento). Brilhante, como quase todos os discos dos Kinks do período.


SAM COOKE – Night Beat (1963)
Já era vidrado em soul music, em especial em Marvin Gaye, quando, em outro ‘Base Sonora’ da Ipanema, dessa vez apresentado pela Kátia, tomei conhecimento das gravações de Sam Cooke, reunidas na coletânea ‘The Man and His Music’, de 1986 – que por sua vez havia sido tema da seção ‘Discoteca Básica’ da finada revista Bizz. Mas ‘Night Beat’ é um disco de carreira, em que Cooke, o soul man de quem certa vez Keith Richard comentou que todos queriam ser, mas, quando a ficha caía, acabavam voltando para seus empregos em postos de gasolina, mira o blues, revisitando ‘Little Red Rooster’, ‘Nobody Knows the Trouble I’ve Seen’ (minha preferida), ‘Lost and Lookin’’, ‘Mean Old World’, além de composições próprias. Mas atenção: não se trata de um disco de blues; é, sim um disco de Sam Cooke, o maior cantor soul de todos os tempos, que toma emprestados clássicos e o compasso característico do gênero pra exercer sua excepcional capacidade de enternecer até os corações mais duros. Assim como as boas antologias do cara – a citada ‘The Man and His Music’, a mais completa ‘Portrait of a Legend 1951-1964’, é disco que quando termina a gente põe pra tocar de novo.

BOB DYLAN – Highway 61 Revisited (1965)
Deste dá pra dizer que é um disco que tive de perder pra conhecê-lo realmente. Explico: a revolucionária ‘Like a Rolling Stone’ (tema de um ‘Versinhos Bacanas’ antigo aqui no CM) é a música preferida da minha mulher, e quando chegou a hora de sua colação de grau, há uns quase três anos, Neném me pediu o CD, pois queria usar a canção no momento em que fosse chamada pra receber o diploma. Ocorre que a maldita comissão de formatura jamais devolveu-lhe o CD – isso é que dá emprestar as coisas pra quem não se conhece, ainda mais pra uma ‘comissão’ –, e transcorridos vários meses, o mesmo foi definitivamente dado como desaparecido. Tempos depois, já devidamente ressarcido do valor, encontrei a versão remasterizada da obra, por um precinho convidativo, e investi novamente minha grana na sua aquisição. Ainda que a antiga versão de ‘Highway 61’ não seja tão tosca quanto, por exemplo, a de ‘John Wesley Harding’ – exemplo supremo de como emporcalhar uma obra sublime –, a versão pré-remaster não tem a riqueza dos timbres que a nova tem. Praticamente descobri um disco novo, em que ‘Ballad of a Thin Man’, ‘Just Like Tom Thumb’s Blues’, ‘It Takes a Lot to Laugh, It Takes a Train to Cry’, ‘Tombstone Blues’ e ‘Desolation Row’ brilham em todo o seu esplendor eletro-acústico, música americana moderna e roots ao mesmo tempo. Não dá pra viver sem.

ROLLING STONES – Let It Bleed (1969)
Entre as obras-primas dos Stones, cada um tem a sua preferida: ‘Beggar’s Banquet’, ‘Sticky Fingers’, ‘Exile On Main Street’, o primeiro de Jagger, Richards e cia. ... Pra mim, nenhum álbum dos caras é tão intenso quanto esse aqui – e sei que notórios fãs da banda na cidade, como o Paulo Moreira e a Kátia Suman tmabém pensam assim. Pra começar, ‘Gimme Shelter’, uma daquelas músicas que, assim como ‘Like a Rolling Stone’, ‘What’s Going On’, ‘Anarchy in the U.K.’ ou ‘Heartbreak Hotel’, merece tese sociológica – e ganhou, pelo scholar Greil Marcus, um dos melhores críticos de rock de todos. Quantos discos já começam com uma pedrada assim? Mas ainda tem a felicíssima versão de ‘Love in Vain’ (Robert Johnson), o bluesão ‘Midnight Rambler’, a hillbilly ‘Country Honk’, a urgente ‘Live With Me’, a super lazy ‘You Got the Silver’ (cantada por um Keith Richards inspiradíssimo no seu jeito eternamente largadão), a emocionante ‘You Can’t Always Get What You Want’, a esperta faixa-título e a bacaníssima ‘Monkey Man’, com sua levada funky afiada. Não é difícil entender por que aqui os caras já sustentavam o rótulo de maior banda de rock do mundo – mesmo com os Beatles, brilhantes e em forma (embora retirados dos palcos), ainda na ativa.

CAPTAIN BEEFHEART & HIS MAGIC BAND – Safe As Milk (1967)
Descoberta recente – recentíssima, aliás. Confesso que só conhecia, do Capitão, o ‘Trout Mask Replica’, seu terceiro disco, de 1969 – ‘Safe’ é o primeiro –, e ainda assim o havia escutado há muito tempo – seguramente mais de década e meia – e numa mixagem horrível, que não o favoreceu (assim como o fato de Beefheart, alcunha do californiano Don Glen Vliet, geralmente ser citado junto a Frank Zappa, um de meus desafetos históricos). Mas com esse relançamento, resolvi encarar, procurando as 19 faixas dessa nova edição na rede. Pois a partir de então, o negócio é o seguinte: como é que pude viver tanto tempo sem esse disco é um dos enigmas que mais me assaltam nos últimos tempos. Captain Beefheart – nesse disco, pelo menos – é seguramente um dos caras mais divertidos e anárquicos de todos os tempos, difícil achar um disco que combine aquele rockzinho de garagem intoxicante a la Troggs, blues de levada suja mas melódica no ponto, como faziam os Stones, vocal cavernoso de bebum à maneira de Tom Waits (aliás, a ordem certa é a inversa), experimentalismos psicodélicos que lembram certos momentos do ‘Sgt. Peppers’ e o bom humor e a anarquia que poderiam ter feito do Zappa um cara (musicalmente) legal se não fosse um virtuose pretensioso. ‘Sure Nuff ‘N’ Yes I Do’, ‘Zig Zag Wanderer’, ‘Call On Me’, ‘Dropout Boogie’, ‘I’m Glad’, ‘Electricity’, ‘Abba Zabba’, ... tão todas no meu paradão particular nos últimos tempos. O álbum foi relançado remasterizado recentemente, e com sete faixas-bônus. É produto altamente tóxico e vicia na hora, como – dizem –, o crack.

Pra encerrar, um esclarecimento que se faz necessário: os Beach Boys, em sua gloriosa fase psicodélica, não entrariam com 'Pet Sounds', mas com uma coletânea que incluísse 'Good Vibrations', 'Heroes and Villains' e naturalmente faixas do álbum supimpa de 1966, além de coisas posteriores e até anteriores, da subestimada fase surf ('Don't Worry Baby', 'California Girls') ou a versão '2 em 1' de 'Sunflower' (1969)/'Surf's Up' (1970) - só que aí adentraríamos a década seguinte e listando compilçaões, o que não é o propósito aqui, que é valorizar os discos de carreira. Pela mesma razão, os Doors ficam de fora: claro que assim como 'Pet Sounds', o disco de estreia de Jim Morrison e cia. é um marco incontestável, mas meu disco preferido do quarteto teria que incluir 'Moonlight Drive', 'People Are Strange', 'Waiting for the Sun', 'Wild Child', 'Love Me Two times', 'The Changeling', ... e nenhum álbum de carreira inclui estas, juntas - CDRs e MP3 fazem (já fizeram) o serviço. E a ideia aqui também não é listar os álbuns mais importantes da história do rock, mas os que pessoalmente me marcaram.

Então, é isso. That's all, folks! Na próxima, os controversos anos 1970 em que vivi a minha infância – e que forjaram um dos maiores times do futebol brasileiro de todos os tempos.

COMPANHIA MAGNÉTICA NO RÁDIO (8)

O programa deste sábado, no horário especial das 9 da noite, na FM CULTURA (107.7 no dial ou www.fmcultura.com.br na rede) terá:


1º bloco:
PJ HARVEY & JOHN PARISH – Black Hearted Love

A Woman A Man Walked By’ é o décimo disco de carreira da agora quarentona inglesinha enérgica, Polly Jean Harvey, o segundo co-creditado a seu guitarrista, John Parish (o primeiro havia sido ‘Dance Hall at Louse Point’, acústico, de 1996). Esse é mais barulhento e com algum experimentalismo, lembrando a sonoridade agressiva dos dois primeiros álbuns de PJ – ‘Dry’ (1993) e ‘Rid of Me’ (1994) –, com uma levada bluesy que é sua característica. O curioso é que PJ vem de um disco leve, cheio de baladas ao piano, ‘White Chalk’.


SUNSET RUBDOWN – Idiot Heart
Banda canadense de Montreal, projeto de um sujeito chamado Spencer Krug, um prolífico tecladista, cantor e compositor que empresta seus serviços também a bandas como Wolf Parade e Frog Eyes e tem já quatro discos do Sunset Rubdown lançados em quatro anos – o primeiro, ‘Snake’s Got a Leg’ (2005) levava o nome do grupo mas na realidade tratava-se de um projeto solo, só depois formaria-se uma banda fixa em torno do cara, que faz um som ao mesmo tempo pop e experimental, com referências ao glam rock de David Bowie e T-Rex. ‘Dragonslayer’, lançado em junho, é o álbum mais recente.

FUCKED UP – Crooked Head
Outro grupo canadense, este Ontario, na ativa desde 2001, mas que, como o nome já sugere, tem os dois pés bem cravadinhos no punk rock. O curioso é que os caras da banda atendem todos por pseudônimos: Pink Eyes (ou Father Damien), nos vocais, 10,000 Marbles, Concentration Camp e Young Governor nas guitarras – sim, os caras têm três guitarristas! – lala, o baixista Mustard Gas e o baterista Mr. Jo (também conhecido como Guinea Beat). Mais curioso ainda é que os caras, entre singles, E.P.s e álbuns, vários deles em vinil apenas, tem mais de 40 (!) discos lançados. ‘The Chemistry of Common Life’ é o elogiado álbum do ano passado.


2º bloco:
DEATH IN VEGAS c/ NICOLA KUPERUS – The Hands Around My Throat

Projeto da dupla londrina Richard Fearless e Tim Holmes, produtores e multi-instrumentistas, que juntam uma penca de influências, que vão do trip-hop ao big beat, do noise do My Bloody Valentine à lassidão do Velvet Underground. Lançaram um dos discos mais aclamados dos anos 90 há exatos dez anos, ‘The Contino Sessions’, seu segundo álbum, cheio de participações bacanas (Jim Reid, do Jesus and Mary Chain, Bobby Gillespie, do Primal Scream, Iggy Pop), e no disco seguinte, ‘Scorpio Rising’ (de 2003, o único lançado no Brasil), inspirado no filme homônimo de cineasta maldito Kenneth Anger, mais uma penca de convidados dava as caras: Paul Weller, Hope Sandoval, Dot Allison, e até Liam Gallagher.

THE RAPTURE – Sister Saviour
Quarteto novaiorquino, já se apresentou no Brasil – no Tim Festival de 2003, justamente o ano de lançamento de seu segundo álbum, o aclamado ‘Echoes’, que chegou a ser escolhido disco do ano pelo influente site Pitchfork. Referências oitentistas não faltam: o mix punk-funk-disco claramente paga tributo à Gang of Four, o vocal chorão de Like Jenner lembra de cara Robert Smith. O Rapture, que já tem 11 anos de estrada, tem como último disco o mix-album ‘Tapes’, do ano passado.

CUT/COPY – Unforgettable Season
Este é australiano, trio de Melbourne, que faz um dance-rock melodioso e ganchudo, com alto potencial radiofônico mas com cara indie, que lembra demais o New Order em alguns momentos, e teve seu terceiro disco, ‘In Ghost Colors’ – lançado no Brasil sem alarde –, entre os mais elogiados do ano passado. Outra banda que iniciou como trabalho solo – no caso, do vocalista, compositor, produtor e DJ Dan Whitford, em 2001.


3º bloco:

Especial MISSION OF BURMA (‘Signals, Calls, and Marches’, 1981; ‘Vs.’, 1982)
Contemporâneos de R.E.M., Sonic Youth, Meat Puppets e Replacements, mais uma banda da gloriosa cena pós-punk americana que voltou à ativa nesta década, depois de vinte anos de retiro: o recém lançado ‘The Sound The Speed The Light’ – saiu lá fora mês passado – é o terceiro dessa volta, que começou com ‘OnOffOn’, de 2004, e tece seguimento com ‘The Obliteratti’ dois anos depois, todos sob a chancela da antenada Matador Records novaiorquina.

O Mission of Burma é de Boston e suas origens remontam ao ano de 1980, tinha na sua formação inicial o guitarrista, cantor e compositor Roger Miller, o baixista Clint Conley, o baterista Peter Prescott e o maniupulador de tapes Martin Swope. O MOB é uma banda que combina atitude e agressividade punk e intenções artísticas de college bands típicas, tipo Sonic Youth, Gang of Four, Wire ou os Talking Heads. As apresentações dos caras, que estendiam as músicas muito além de sua duração original, destacando-se aí o feedback da guitarra de Miller, fizeram a fama do grupo – que inclusive apresentou-se em um festival no interior de São Paulo, onde tocaram com o Supergrass uns anos atrás. Em sua primeira encarnação, inclusive, o MOB foi, vitimado principalmente em função do ensurdecedor barulho que fazia ao vivo: Miller passou a apresentar problemas sérios de audição, incluindo um zunido infernal nos tímpanos que quase o levaram à surdez. A banda então tinha deixado apenas dois discos, excelentes: o E.P. ‘Signals, Calls, and Marches’, de 1981, e o álbum ‘Vs.’, de 1982.

Com o fim do grupo, após uma derradeira final em 1983 – que resultou no álbum ao vivo ‘The Horrible Truth About Burma’ –, Miller partiu pra carreira solo, Prescott formou outra supercultuada banda, o Volcano Suns, e depois o Kustomized, e Clint Conley atacou de produtor do primeiro disco do Yo La Tengo antes de se retirar do meio musical, pra se dedicar ao ofício de produtor de TV. Mas em 2001, Prescott, que então tocava em uma banda chamada Peer Group, foi convidado a abrir a turnê de reunião do Wire, e acabou convidando seus velhos parceiros Clinton e Prescott pra se juntarem a ele. No ano seguinte, tava decidida a volta do Mission of Burma, mas sem Martin Swope, que preferiu ficar na sua – sendo substituído por Bob Weston, ex-Volcano Suns.



That’s When I Reach For My Revolver
Academy Fight Song




Secrets
Trem Two
That’s How I Escaped From My Certain Fate










O Mission of Burma dos anos 1980 ...









... e o de hoje: lições de como fazer punk "artístico" sem soar chato ou pretensioso