quarta-feira, 18 de agosto de 2010

My Life in Lists – discos (2000’s)

RADIOHEAD – In Rainbows (2007)‘Ok Computer’ pode ser o álbum de ruptura, o que entrou pra história – em minha canção favorita deles, ‘Subterranean Homesick Alien’ –, mas o que mais me pegou foi este aqui, em que as vanguardices, o desamparo, o estranhamento, as referências ao krautrock, ao pós-rock e até ao progressivo encaixam-se perfeição, em uma sonoridade enxuta e moderna. É isso: o Radiohead soa contemporâneo/conectado/original sem fazer força. Grandes músicas a escolher: ‘Body Snatchers’, ‘All I Need’ (linda), ‘House Of Cards’, ‘Jigsaw Falling Into Place’. Grande cara esse Thom Yorke, rumando firme para o Olimpo do rock de todos os tempos.

BJÖRK – Vespertine (2001)
Confesso que entre os álbuns de Björk, tenho uma leve predileção por ‘Homogenic’ em relação a este aqui – acontece que aquele não entra na minha lista dos 90 (por pouquinho, é verdade), e este passa por cima da concorrência. Mas ‘Hidden Place’, ‘Coccon’ e ‘Pagan Poetry’ são tão emocionantes quanto ‘Jóga’, e ainda tem ‘An Echo, A Stain’, ‘Aurora’ ... O disco tem a colaboração do duo californiano Matmos, que faz electronica experimental – gravaram um disco recheado de sons colhidos em cirurgias, o curioso ‘A Chance to Cut Is a Chance to Cure’. Mas o que se sobressai é a interpretação da islandesa, plácida como nunca. Mais um discão da ex-cantora dos Sugarcubes (alguém ainda se lembra deles?).

OUTKAST – Stankonia (2000)

Pra mim, o melhor disco de hip-hop dos anos 2000, melhor até do que o excelente disco duplo dos caras que veio na sequência, ‘Spearboxx/The Love Below’ (2003), em que resolveram trabalhar separados. Aqui, o clima é de entrosamento total entre Andre 3000 e Big Boi, e faixas entorpecidas como ‘Gasoline Dreams’, ‘B.O.B.’, ‘So Fresh, So Clean’ são irresistíveis. E tem ainda uma das grandes canções desta década, ‘Ms. Jackson’. Pensei que já não se fizessem discos de rap como este – na verdade, não fizeram mais depois. Nem eles mesmos.

QUEENS OF THE STONE AGE – Rated ‘R’ (2000)
Sério candidato a melhor disco de rock da década. Só ‘Elephant’, dos White Stripes, é capaz de rivalizar com esta paulada classuda. Josh Homme é mestre da guitarra rítmica, desfilando riffs cortantes em canções com refrões marcantes num som potente que desce redondinho como o melhor whisky – ou cerveja, segundo a propagarnda aquela. É aqui que está a canção mais conhecida da banda, o hino hedonista/inconsequente/pé na jaca ‘Feel Good Hit of The Summer’ (‘Nicotine, Valium, Vicodin, Marijuana, Ecstasy and Alcohol’). Recém-relançado numa edição dupla de luxo, que deixou a capa mais bonita (era azul, agora é vermelha), e traz um show inteirinho da época, a apresentação dos caras em Reading, em que não faltam a citada ‘Feel Good ...’, ‘Better Living Through Chemistry’, ‘Monsters in The Parasol’, ‘The Lost Art of Keeping a Secret’. Um discão de rock em que nada falta.

THE WALKMEN – Everyone Whe Pretended to Like Me is Gone (2002)
Vou confessar que a última vez que ouvi este disco já faz alguns anos, mas não é migué: o mix Tom Waits/U2/Nick Cave, além de classudo, é arrebatador. Estes novaiorquinos já haviam formado uma banda bacana antes, o Jonathan Fire-Eater, de curta duração, mas o Walkmen é melhor que o JF-E. Têm disco novo prometido pro mês que vem, ‘Lisbon’ – o mais recente, ‘You & Me’, é de 2007. Curiosidade: construíram o próprio e caprichado estúdio de gravação, no qual até a Nação Zumbi já gravou.

TV ON THE RADIO – Desperate Youth, Blood Thursty Babies (2003)
A banda mais cool da década, em seu registro de estreia – excluindo-se, claro, o E.P. de estreia, ‘Young Liars’ –, ainda soando mais como The Fall e P.I.L. do que Prince, P-Funk e Tälking Heads. Ainda assim, o apelo afropop surge firme aqui e ali, assim como as referências gospel. Tunde Adebimpe é um dos grandes revelações de cantores dos 2000, David Sitek é um mago da produção e ‘Staring at The Sun’ e ‘Dreams’ estão entre as melhores canções da década. Mas ainda tem ‘The Wromg Way’, ‘Ambulance’ ...

LCD SOUND SYSTEM – LCD Sound System (2005)
Rock moderno é isso aqui: electro, house, krautrock, disco, todas as referências certas para quem realmente compreende o que acontece na seara pop/rock. James Murphy é o cara, que ainda por cima, tem um selo quer lança pencas de coisas bacanas, da atualidade e do passado, principalmente daquele fundamental período entre o final dos anos 1970 e o começo dos 1980 – justamente o que mais influenciou seu grupo. Após um terceiro disco já demonstrando sinais de cansaço, diz que vai aposentar o grupo. Sujeito sábio, como se vê.

ANIMAL COLLECTIVE – Meriweather Post Pavillion (2009)
O melhor disco do ano passado, e um dos melhores da década, síntese do caldeirão múlti-referencial que caracteriza a primeira década do século XXI, em especial a música eletrônica: soa um pouco como electropop dos anos 1980, lembra certas vanguardices de Laurie Anderson, não soa deslocado ao lado dos baluartes da electronica dos 90’. Noah Lennox, um dos cabeças, é responsável por um outro projeto extra bacana, o Panda Bear. ‘My Girls’, ‘Lion in the Coma’, ‘Taste’, a maioria das faixas de ‘Merriweather ...’ vicia de cara. Deixou a (forte) concorrência comendo poeira no ano passado.

WHITE STRIPES – Elephant (2003)
De tanto ouvir até encheu, razão pela qual sua inclusão na lista chegou a estar ameaçada, mas pelo simples fato de que viciou direto quando chegou até minhas mãos e a obsessão permaneceu por muito tempo, que não tem como evitá-lo. O segredo de Jack White é ser tão fiel às raízes da música americana, notadamente o blues, quanto fazer seu grupo soar como uma banda indie. ‘Seven Nation Army’ não é menos que clássica, ‘The Hardest Button to Button’, também, ‘In the Cold, Cold Night’ revela a ótima intérprete que Meg pode ser (impossível não lembrar de Moe Tucker), a sensacional cover de ‘I Just Don’t Know What To Do With Myself’ (aula de como se faz versões pra canções alheias), ‘Ball and Biscuit’, ‘Black Math’, ‘Girl, You Have No Faith In Medicine’ ... Um disco de rock como há muito não se fazia – e Jack ainda legaria aos fãs o brilhante álbum de estreia dos Raconteurs e o bacana The Dead Weather.

VAMPIRE WEEKEND – Vampire Weekend (2008)
Se o novo, ‘Contra’, é um tanto polido – ainda que traga grandes canções, como o single ‘Horchata’ –, este é totalmente ‘raw’, roots mesmo. Os auto-apelidados West Side Soweto vieram pra ficar – ‘Mansard Roof’, ‘A-Punk’, ‘Oxford Comma’, ‘I Stand Corrected’ e ‘The Kids Don’t Stand a Chance’ estão aí pra comprovar. Esqueça as origens, digamos, burguesas do grupo. Fazem lembrar os melhores momentos dos Talking Heads – mas sem as vanguardices de David Byrne.

Suplente: 'The Moon & Antactica' (2000), do Modest Mouse, relacionado num post recente, entre os relançamentos mais bacanas de 200.

My Life in Lists – discos (90’s)

BEASTIE BOYS – Check Your Head (1992)
Um dos dois discos fundamentais do trio Ad Roc/Mike D/MCA – o outro é ‘Paul’s Boutique’ (1989) – ‘Check Your Head’ não é um disco apenas de hip-hop: aqui os caras se armam de guitarra, baixo e bateria, e, com o auxílio do percussionista Eric Bobo e do tecladista Mark Ramos Nishita (AKA Money Mark), samples de Jimi Hendrix e referências que vão de Sly Stone ao soul jazz e as trilhas blaxpoitation setentistas, compõem um álbum excitante (originalmente duplo em vinil), inspiradíssimo. Clássicos às pencas: ‘Jimmy James’, ‘So Watcha Want’, ‘Gratittude’, ‘Funky Boss’, ‘Pass The Mic’, ‘Someting’s Gotta Give’ ... O álbum de hip-hop da era grunge.

NIRVANA – Nevermind (1991)
Falar da importância do segundo álbum do Nirvana para a indústria é chover no molhado, típico caso de “antes e depois de”. Não que ‘Nevermind’ tenha causado uma ruptura estética significativa – tudo que está aqui já havia sido trabalhado por ‘n’ bandas antes –, mas ao escancarar as portas das majors e das paradas para o som alternativo, acabou por tornar o negóciod e música pop um pouco mais decente. Sem falar no fato inescapável de ter servido perfeitamente de trilha sonora para a juventude angustiada de seu tempo – outro clichê. Podem ficar brabos, ms é verdade: o Nirvana foi o que ficou do grunge. Os outros são todos secundários. A famigerada ‘Smells Like Spirit’, ‘Breed’, ‘Drain You’, ‘Polly’, ‘Something In The Way’, ‘Come As You Are’, ‘In Bloom’ ... Nada se perdeu. O posterior ‘In Utero’ é tão bom quanto este – mas mais contido, travado, bem no clima junky em que Kurt se meteu e infelizmente não saiu.

CHEMICAL BROTHERS – Dig You Own Hole (1997)
Poucos discos de rock soam tão rock como este segundo álbum dos irmãos químicos, Ed Simmons e Tom Rowland. Uma colagem sensacional de sons lisérgicos, que chega ao absurdo de juntar mais de 300 samples em uma só música (convenientemente batizada ‘Databank’), tem a manha de chamar o pessoal do Mercury Rev (em 'The Private Psychedelic Reel’, veradeira sinfonia psicodélica) e revisitar a beatle ‘Tomorrow Never Knows’ (‘Setting Sun’, cantada por Noel, do Oasis). E ainda tem o baticum viciante de ‘Block Rockin’ Beats’, a bela ‘Where Do I Begin’ (com a voz de Beth Orton), o transe de ‘It Doesn’t Matter’, a paulada funky da faixa-título. Diversão non stop para as massas.

PRODIGY – The Fat of the Land (1997)
Ao lado de ‘Nevermind’ (Nirvana), o álbum punk noventista. Tem muito de Sex Pistols aqui, não só no visual do doidão Keith Flint, mas na levada agressiva de uma pá de faixas: ‘Serial Thrilla’, a cover de ‘Fuel My Fire’ (L7), especialmente ‘Firestarter’ (um hino roqueiro dos 90’s), mesmo ‘Smack My Bitch Up’ e ‘Breathe’. ‘Narayan’ leva o ouvinte às nuvens, ‘Mindfields’ faz pensar que uma bad trip pode não ser tão ruim assim, ‘Diesel Power’ é hip-hop esquizo/chapadão (com rap de um dos heróis de Liam Howlett, Kool Keith) ... Quem não ouviu o disco três, quatro vezes, em mais de uma ocasião, e a excitação só aumentava após cada uma delas? Nunca mais o Prodigy voltou à velha forma, uma pena.

DEPECHE MODE – Violator (1990)
O disco definitivo do Depeche, que serviu para que os antigos detratores, preconceituosos, firmasse novo conceito sobre o grupo. Denso, dark, retrato perfeito das incertezas da virada dos anos 1980 para os 1990, um ‘Achtung Baby’ (ou ‘Zooropa’) mais sofrido. David Gahan prova pela enésima vez que é um baita intérprete – e repetiria o feito várias vezes depois. Ao hit ‘Enjoy the Silence’ (‘Words like violence/Break my silence/Come Crashing In/Into My Little World’) somam-se composições inspiradas como ‘The World in My Eyes’, ‘Halo’ (minha preferida), ‘Personal Jesus’ (gravada depois por ninguém menos que o men in black em pessoa, Johnny Cash), ‘Policy of Truth’, ‘Clean’. O Depeche é um caso sério, não dá pra querer negar.

MASSIVE ATTACK – Mezzannine (1998)
O álbum mais sombrio do então trio de Bristol, e que trouxe os caras ao Brasil: a turnê de divulgação de ‘Mezzaninne’ inclui datas no falecido Free Jazz Festival, e Porto Alegre viu o show, excelente, no Teatro do Sesi. Se o primeiro disco é um clássico absoluto dos anos 1990 – ‘Blue Lines’ lançou as bases do triphop –, e o segundo, e o luxuoso ‘Protection’ segurou a onda, este é o disco mais roqueiro do grupo – a ponto de causar discordâncias internas sérias. A matadora sequência de abertura – a pesadona ‘Angel’ (regravada pelo Sepultura), a sinistra ‘Risingson’, o hit ‘Teardrop’ (com a brilhante participação da fada dos cocteau Twins, Liz Fraser), a orientalizada ‘Inertia Creeps’ – é inigualável, mas ‘Man Next Door’, com Horace Andy mais uma vez arrasador e sample muito bem sacado de ‘10:15 Saturday Night’, do Cure, ‘Dissolved Girl’ e a faixa-título não ficam muito atrás. Só este ano é que o Massive Attack foi entregar aos fãs um álbum digno de sua gloriosa trinca inicial – mas ainda assim ‘Heligoland’ não resiste à comparação com ‘Mezzaninne’.

PJ HARVEY – Dry (1993)
O feroz álbum de estreia de Polly Jean tornou-se um dos preferidos de Kurt Cobain, logo que lançado. Não é difícil entender por que: boas melodias, influência sutil porém marcante do blues, letras iradas. ‘Sheila NA Gig’ e ‘Dress’ são os hits, mas tem ainda o lamento de ‘Oh My Lover’, ‘Happy and Bleeding’ (sobre mesntruação!), a acachapante ‘Water’ (minha preferida) ... O início de uma trajetória brilhante.

MERCURY REV – Desserter’s Songs (1998)
Este disco marca uma guinada significativa do grupo americano: um álbum pastoral, de tinturas folk, depois dos ultra-barulhentos trabalhos iniciais – chegaram a ser expulsos do palco de um show no Festival Lollapalooza, em meados dos anos 1990, porque as autoridades de uma localidade do interior dos Estados Unidos, atendendo reclamações da vizinhança, constataram que o MR tocava em um nível de decibéis muito acima do permitido. ‘Desserter’s ...’ abre com a floydiana ‘Holes’, tem ainda a linda ‘Tonite It Shows’, a arrepiante ‘Endlessly’ (e seu som de serrote), a bacana ‘Goddess On a Hiway’, as sinfônicas ‘Opus 40’ e ‘Hudson Line’. A participação dos The Band Garth Hudson e Levon Helm é um achado. O disco psicodélico/onírico da década.

SONIC YOUTH – Goo (1990)
Certo que não é o melhor disco de Thurton, Kim, Lee e Steve, mas aqui o caráter sentimental fala (muito) mais alto: foi o álbum que mais ouvi em uma época muito especial, meu exílio norte-americano (e só fui ver os caras ao vivo 5 anos depois, em San Francisco, e depois de novo em São Paulo, em 2000). O primeiro álbum do SY por uma major traz canções com claro teor pop mas a velha pegada punk/experimental que fez a fama do grupo na trinca clássica que o antecede (‘EVOL’/‘Sister’/‘Daydream Nation’). Os petardos vão se sucedendo: ‘Dirty Boots’, ‘Tunic (Song For Karen)’ (sobre Karen Carpenter, uma das obsessões do quarteto), a feminista ‘Kool Thing’ (com participação engraçada de de Chuck D), ‘Mote’ (cantada por Lee), ‘My Friend Goo’, ‘Disappearer’, a instrumental ‘Mildred Pierce’, ‘Cinderella’s Big Score’. Quem falou que este álbum não está altura dos clássicos do grupo?

PAVEMENT – Crooked Rain, Crooked Rain (1995)

A última bolachinha a ser incluída na lista, ganhando no tapa de ‘Angel Dust’ (Faith No More, 1992) e ‘Chocolate and Cheese’ (1994, Ween). A melhor guitar band dos anos 1990 (quen me perdoem os fãs dos Pixies), e o álbum mais equilibrado, tão espontâneo quando o debut, ‘Slanted and Enchanted’, mas sem a tosqueira, e já incluindo as referências ao rock e ao pop clássicos que dominariam sua produção nos discos finais. Um disco que tem composições como ‘Range Life’, ‘Gold Soundz’, ‘Cut Your Hair’, ‘Elevate Me Later’ e ‘Stop Breathin’ não tem nada faltando.

My Life in Lists – discos (80’s)

RUN DMC – Raising Hell (1986)
Toda uma geração descobriu o rap aqui, e há uma explicação mais do que óbvia: a cover de ‘Walk This Way’, com participação do Aerosmith, autores da canção, inclusive no clipe bem sacado em que a parede é quebrada, resultando no crossover definitivo entre o rock branco e a música black. Mas ‘Raising Hell’ é muito mais que ‘Walk ...’: ‘Peter Piper’, com seu canto de chamada e resposta e levada econômica (uma das marcas da excelente produção do barbudão Rick Rubin) abre os trabalhos, e a elas seguem-se outros clássicos como ‘It’s Tricky’, ‘My Adidas’, ‘Perfection’ (onde o minimalismo chega ao extremo, é praticamente só voz e bateria) ‘You Be Illin´’, as guitarras serra elétrica de ‘Raising Hell’, ‘Dumb Girl’. Pra se ouvir como se ouve um disco de rock – que é o que ele é, na essência.

PUBLIC ENEMY – It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back (1988)
A prova definitiva de que letras de cunho social (até radicais) e postura anti-establishment não são demodé – desde que trabalhadas com talento e honestidade. O mais furioso hip-hop gravado até então, neste segundo disco de Chuck D, Flavor Flav e cia. não perdeu nada nesses 22 anos. ‘Black Steel In The Hour of Chaos’, depois regravada pelo Sepultura, ‘Bring The Noise’, uma das primeiras a utilizar a batida de ‘Funky Drummer’, de James Brown (e que viraria moeda corrente logo, logo), mais tarde regravada pela própria banda em parceria com o Anthrax, e ‘Don’t Believe The Hype’ são os clássicos óbvios, mas tem ainda a cacetada de ‘She Watch The Channel Zero?!’ (com o riff de ‘Angel of Death’, do Slayer, sampleado), ‘Show’Em Watcha Got’, ‘Rebel Without a Pause’ (bela auto-definição) e a resposta ao hedonismo dos Beastie Boys e sua ‘(You Gotta) Fight For Your Right (To Party!)’, em ‘Party For Your Right to Fight’. Sério candidato a melhor disco de hip-hop de todos os tempos, e vale aqui até mais o escrito no texto anterior, sobre o Run DMC: é rock, mais do que todo o rock gravado naquela década e desde então.

PREFAB SPROUT – Steve McQueen (1985)
Esqueça o Simply Red e seu pop soul pretensioso e xarope: o PS fez um dos mais bonitos discos do pop oitentista mixando influências que vão de Marvin Gaye (de quem o cantor e compositor Paddy McAllon sempre foi fã confesso) à country music americana, do soft rock à new wave. Mas o trunfo dos caras eram mesmo as letras inspiradíssimas de Paddy, um dos músicoa que melhor compôs sobre relacionamento nas últimas duas décadas e meia: ‘Bonny’, ‘Faron young’, ‘Apettite’, ‘Horsin´ Around’ ... é uma melhor que a outra. Mas o tiro de misericórdia é mesmo ‘When Love Breaks Down’, capaz de enternecer o mais duro e frio coração. ‘Steve McQueen’ saiu aqui com o título americano, ‘Two Wheels Good’, por complicações com os herdeiros do mítico ator americano, falecido cinco anos antes do álbum. Formado em Newcastle em 1977, o Prefab ainda está na ativa, mesmo com os sérios problemas de visão enfrentados por Paddy.

THE SMITHS – Hatful of Hollow (1984)
Os álbuns clássicos dos Smiths certamente são ‘The Queen is Dead’ (1986) e o primeiro, homônimo, mas a compilação ‘Hatful of Hollow’ tem uma peculiaridade que a faz um registro tão antológico quanto os melhores álbuns de carreira do grupo: traz Morrisey, Marr, Rourke e Joyce tocando ao vivo nos estúdios da BBC em plena forma, arrebatamento e soando absurdamente concisos. Isso sem falar na inclusão de clássicos lançados só em single, faixas maravilhosas que não se encontra em nenhum dos álbuns de carreira da banda. ‘William, It Was Really Nothing’, ‘What Difference Doe It Make?, ‘How Soon is Now?’ (I’m the Son and heir of a shyness that is ciminally vulgar/I’m the son and heir of nothing in particular’), ‘Hand In Glove’, ‘Please, Please, Please, Let Me Get What I Want’, ‘Still Ill’, ‘Handsome Devil’ ... São ao todo 16 faixas sensacionais.

COMSAT ANGELS – Waiting for a Miracle (1980)

Pouco falada, menos ainda ouvida, essa banda inglesa de Sheffield fazia uma música tão densa, desesperançada e gelada que o Joy Divison, e até algumas similaridades podem ser notadas no som: bateria trubal, com farto uso de tom-tons, guitarras esparsas, baixo pulsante. Pensou na Legião Urbana e demais bandas brasilienses dos anos 1980? Sim, chuparam tudo daqui, e como ninguém conhecia o som do CA mesmo, Renato Russo (embora fosse cínico o suficiente pra citar o grupo como uma das grandes influências da Legião) e demais piratas jamais sofreram a execração pública que mereciam – ouvir ‘Independence Day’ chega a dar nojo dos brasilienses. A esquizofrênica ‘Missing In Action’ abre o disco, que tem grandes momentos ainda na faixa-título, em ‘Total War’, ‘Postcard’ ... As versões expandidas trazem bônus bacanas, como ‘Ju Ju Money’ e ‘Home Is The Range’. Pérola infelizmente escondida do brilhante pós-punk britânico.

TOM WAITS – Rain Dogs (1985)
Sério candidato a melhor disco de bebum de todos os tempos – concorrendo, provavelmente, com outras obras de Tom. R’n’b, vaudevile, jazz, polka ... um verdadeiro caldeirão de referências múltiplas e díspares de onde sai um amálgama incrivelmente coerente, tudo se encaixa à perfeição. Grandes canções, como ‘Clap Hands’, ‘Cemetery Polka’, ‘Jack Full Of Bourbon’, ‘Time’, a manjada ‘Downtown Train’, a belíssima ‘Anywhere I Lay My Head’ (que recebeu versão honesta da bela Scarlett Johansson, mas é naturalmente arquivada com a cruel comparação) ... É bem o disco que, depois que pega (pode demorar um pouco), não te larga mais. Décimo álbum de Waits, que vinha de outras duas obras-primas – a trilha de ‘One From The Heart’ (‘O Fundo do Coração’, de Coppola, 1982) e ‘Swordfishtrombones’, de 1983 –, e lançaria outras mais nos 25 anos seguintes.

BRUCE SPRINGSTEEN – Nebraska (1982)
Outro disco que pode levar um tempo pra ser descoberto. Primeiro porque, embora frequentemente seja citado em textos sobre a carreira do Chefão, não gerou nenhum hit – só ‘Atlantic City’ teve execução razoável, nas rádios americanas e na MTV. ‘Nebraska’, cujo retrato do cidadão comum americano, suas mazelas, percalços, esperanças, angústias, inspirou até filme de Sean Penn (‘The Pledge’, com Jack Nicheolson), é precursor da onda lo-fi que tomou conta do rock indie americano na primeira metade dos anos 1990: foi inteirinho gravado de forma caseira, com Bruce, seu violão e sua gaita, utilizando um modesto gravadorzinho. Trata-se do disco mais corajoso gravado por Sprinsteen em toda sua vitoriosa carreira: o cara já era um megastar e o álbum, que á basicamente uma coleção de demos, saiu por uma grande gravadora. A faixa-título, a citada ‘Atlantic City’, ‘Mansion On The Hill’ e ‘Reason to Believe’ são alguns dos highlights.

HÜSKER DÜ – Zen Arcade (1984)
Álbum importantíssimo, originalmente duplo em vinil, um dos melhores do excelente catálogo da SST Records de Greg Ginn, que lançou clássicos dos Meat Puppets, Bad Brains, o melhor Dinosaur Jr. (‘You’re Living All Over Me’, suplente desta lista), Minutemen, Sonic Youth. O hardcore peculiar do trio Grant Hart/Bob Mould/Greg Norton recebe a partir de ‘Zen ...’ referências da psicodelia, do country rock, do folk, e o contraste delicadeza/aspereza, barulho/melodia é desenvolvido à perfeição. ‘Something I Learned Today’ começa o serviço quebrando tudo, e as outras 22 faixas não deixam a peteca cair. Alguns destaques: ‘Turn On The News’, ‘Masochism World’, ‘Never Talking to You Again’, ‘Pink Turns to Blue’. Um dos discos de rock que marcaram os anos 1980.

JESUS AND MARY CHAIN – Psychocandy (1985)
Lembro até hoje da audição de ‘Psychocandy’, em um toca-discos colocado à disposição da freguesia, em uma famosa loja da Galeria Chaves, centro de POA, tradicional ponto de encontro de rock/pop maníacos em meados dos 80’s – a Pop Som. Já tinha lido sobre o Jesus na revista Bizz e me interessei pelo mix melodias pop assobiáveis/paredão de microfonia. Além do quê, a referência frequente que se fazia quando se falava nos irmãos Reid era ao Velvet Underground, cuja história me interessava – mas também não conhecia, ainda. Bom, mas quando acomodei a agulha na bolacha e ‘Just Like Honey’ começou a rodar, logo me senti em transe. Balada cool, sentida, o tal pop perfeito do qual a crítica inglesa fala, só que emoldurado por uma (até aí leve) camada de distorção. Vem a seguinte, ‘The Living End’, depois ‘Taste The Floor’, ‘The Hardest Walk’ ... o Lado A fecha com um pop bumblegum com guitarra serra elétrica do c*. Viro e coloco o lado B, que começa com a matadora ‘Never Understand’ (cuja linha melódica foi plagiada desavergonhadamente pela Legião Urbana em “Eu Era Um Lobisomem Juvenil’, que também rouba sem a menor sutileza o título de um clássico dos Cramps), depois vem ‘Inside Me’, mais adiante tem ‘You Trip Me Up’, e tudo fecha espetacularmente com ‘Its So Hard’. Alucinado/eletrizado/sob frenesi total, decidi levar o disco, mesmo achando que a audição provavelmente tenha sido prejudicada pelo mau estado da cópia colocada para audição, que devia estar arranhada. Cheguei em casa, abri o pacote e tirei um vinil estalando de novo pra tocar, e constatei imediatamente que a cópia ouvida meia hora antes não estava arranhada. O arrebatamento só tava começando. Foi, sem sombra de dúvida, o maior choque musical da minha vida depois da primeira audição dos Pistols – que definiram tudo. Vi o Jesus ao vivo há 20 anos – sim, esse tipo de banda tocava nos palcos de Porto Alegre tempos atrás –, no Salão de Atos da UFRGS, e o zunido no ouvido permaneceu por uns três dias. Unbelievable. Mas voltando ao do disco, tem uma versão alemã disponível que adiciona ainda a maravilhosa ‘Some Candy Talking’, single de 1986, último com a formação original, com Bobby ‘Primal Scream’ Gillespie e Douglas Hart secundando os Reid Brothers. Te liga: ‘Psychocandy’ vai tocar inteirinho, na ordem, naquele esquema Lado A/Lado B, no COMPANHIA MAGNÉTICA quando do aniversário de 25 anos de seu lançamento. Em breve, muito breve.

MARIANNE FAITHFULL – Strange Weather (1987)
O melhor disco de fossa das últimas duas décadas e meia, provavelmente. Clima de cabaré total. Marianne volta com um álbum lindo e sofrido, depois de anos e anos relegada ao limbo. O espírito de Tom Waits paira aqui – é dele a faixa-título – mas aqui o humor waitsiano cede lugar apenas à dor. Grandes músicos, como Fernando Saunders, Dr. John, Bill Frisel, Robert Quine, produção luxuosa, clássicos do cancioneiro de todos os tempos, como ‘Boulevard of Broken Dreams’, ‘Yesterdays’, ‘Penthouse Serenade’, o bluesão ‘I Ain’t Go Down to The Well No More’, de Leadbelly, a dylaniana ‘I’ll Keep It With Mine’ (composta para Edie Sedwick, gravada por Nico), a sexy ‘Hello Stranger’, de Doc Pomus ... Sabe aquele papo de “decadência com elegância”? É bem isto aqui. A versão de ‘As Tears Go By’, composta pra ela mesma por seu então namorado Mick Jagger, rivaliza com o original dos Stones – pura questão de gosto pessoal.

O ano até aqui (IV)

Alguns dos melhores relançamentos de 2010 até o final da primeira quinzena de agosto:

SERGE GAINSBOURG & JANE BIRKIN – ‘Serge Gainbourg et Jane Birkin’ (1969)
Clássico da sacanagem chic de um eterno provocador e sua então musa, a atriz inglesa, futura mamãe da descolada Charlotte. É deste disco a música mais conhecida do figuraça Serge, ‘Je T’Aime Moi Non Plus’, tema do filme dirigido por ele mesmo – lançado este ano no Brasil em DVD pela Lume –, ‘Paixão Selvagem’, que traz o antigo dançarino da troupe de Andy Warhol, Joe D’Alessandro, como um caminhoneiro gay que desenvolve uma obsessão apaixona por uma garota (Jane) de cabelos curtíssimos e aparência quase infantil – daí que ele a sodomiza o tempo todo, fantasiando que está se relacionando com um garoto. Gainsbourg é único.

QUEENS OF THE STONE AGE – ‘Rated R’ (2000)
Melhor disco da banda, ganhou agora a tradicional edição DeLuxe – disco duplo, com uma cacetada de faixas bônus. No caso, um show inteirinho de Josh Homme e comparsas à época. ‘R’ é o disco mais equilibrado e conciso do QOTSA, com riffs ganchudos, barulheira na medida, experimentalismos sutis. É deste disco o hino ‘Feel Good Hit of the Summer’ (aquela canção que desfila o nome de uma série de drogas), mas tem ainda ‘Monsters In the Parasol’, ‘The Lost Art of Keeping a Secret’, ‘Auto Pilot’, ‘Parasol’, ‘Better Living Through Chemistry’ ... Stoner Rock do melhor. O disquinho adicional traz todos os lados B dos singles, além doarrasador show dos caras no Festival de Reading do ano. A edição especial, comemorativa aos 10 anos de lançamento, melhorou o que já era excelente, e até a capa ficou mais atraente: saem o azul (que compunha com preto e branco a combinação mais horrorosa que se conhece) e entra o vermelho. O super power trio arregimentado com pompa e circunstância por Josh no ano passado – o Them Crooked Vultures, com Dave Grohl e John Paul Jones – não chega nem perto disso aqui.

R.E.M. – ‘Fables of Reconstruction’ (1985)
Terceiro disco da banda de Michael Stipe, aquele famoso álbum de transição – no caso, de uma banda que tinha causado sensação com seus dois primeiros álbuns e o E.P. de estreia com um energético college rock de tintas rurais. ‘Fables of Reconstruction’ (ou ‘Reconstruction of Fables’, dá no mesmo) claramente procura novos caminhos, com o auxílio de metais, arranjos de cordas e um certo estranhamento. Curiosidade: foi o primeiro a sair no Brasil, em vinil, por uma tal ‘New Rock Collection’ (com as famosas tarjinhas amarelas ornamentando as capas), que também lançou Prefab Sprout, Lone Justice, Big Audio Dynamite. Longe de ser o melhor, é, por outro lado, um dos discos mais curiosos do R.E.M. Tem os hits ‘Can’t Get There From Here’ e ‘Driver 8’, e a estranhona ‘Feeling Gravity’s Pull’, que abre o disco, além das bacanas ‘Maps and Legends’, ‘Life and How to Live It’, ‘Auctioneer’, ‘Old Man Kensey’, ‘Green Grow the Rushes’.

JUNIOR MURVIN – ‘Police & Thieves’ (1977)

Clássico do reggae do cantor de jamaicano de Port Antonio de timbre peculiar, cuja faixa-título é mais conhecida por aqui na versão do Clash – que, usando o mesmo produtor (o bruxo do dub, Lee ‘Scratch’ Perry), registrou-a no mesmo ano, em seu álbum de estreia. Mas a obra não resume-se à evidentemente marcante faixa-título: ‘Roots Train’, ‘Solomon’, ‘Lucifer’, ‘I Was Appointed’ e outras pérolas do groove garantem a paz espiritual do ouvinte.

CURE – ‘Disintegration’ (1989)
O último grande disco do Cure – e lá se vão mais de 20 anos. Melancólico e pop, ‘Disintegration’, disco de cabeceira de uma geração de músicos americanos e ingleses, soa quase que como um mix do pop de ‘Head On The Door’ e o pesadelo de ‘Pornography’. Pop sombrio pra tocar no rádio, como só Bob Smith e cia. sabiam fazer: anos depois, Robert Smith reuniu o repertório do pesadão ‘Pornography’ (1982), o deste e o de ‘Bloodflowers’ (2000) numa série de shows em Berlim, ‘Trilogy’ (espécie de trilogia gótica). A presente edição especial é mais do que luxuosa: virou um álbum triplo, em que às canções originais (clássicos como ‘Pictures of You’, ‘Love Song’, ‘Lullaby’ e ‘Fascination Street’), remasterizadas, juntam-se e um disco só com demos, ensaios e versões alternativas das músicas registradas e ainda, créme de la créme, show inteirinho da época, realizado em julho de 1989 no velho Wembley, com todas as canções tocadas na mesma ordem do álbum. Vale a pena se endividar por esse brinquedinho aqui.

PAVEMENT – Quarentine The Past (2010)
Não é propriamente um relançamento, uma vez que as canções estão aqui agrupadas desta maneira pela primeira vez, mas trata-se da coletânea definitiva da banda, que desde o ano passado voltou a se apresentado no hemisfério norte – mas já avisou que não vai retomar a carreira nem lançar música nova. O que faz de ‘Quarentine’ ainda mais essencial: o Pavement é a quintessência da guitar band indie da primeira metade dos anos 1990, com senso de humor (às vezes até maldoso, como em ‘Range Life’), dissonância e aquele estilo chapado/largadão bem próprio da época. Alguns clássicos ficaram de fora, o que seria inevitável, mas o acerto na escolha foi justamente privilegiar raridades difíceis de encontrar, pois foram lançadas só em singles e outras coletâneas – mas de qualquer maneira ‘Summer Babe’, ‘Gold Soundz’, ‘Stereo’, ‘Shady Lane’, ‘Here’, ‘Trigger Cut/Wounded-Kite At :17’ estão aqui, reluzentes. É bala.

THE FLESHTONES – ‘It’s Super Rock Time! The I.R.S. Years – 1980-1985’ (2010)
Outra coletânea caprichada, de uma banda veterana – a origem remonta ao Queens novaiorquino no ano de 1976 –, focando seu período clássico, a primeira metade dos anos 1980, em que eram uma das principais estrelas do selo I.R.S., que fez fama por revelar o R.E.M. O protopunk regado a muito r’n’b clássico dos Fleshtones, liderados pelo carismático Peter Zaremba (ex-apresentador da MTV americana), pegam na veia, em faixas como ‘I’ve Got to Change My Life’, ‘R-I-G-H-T-S’, ‘Roman Gods’ e ‘American Beat’ – essa última incluída na trilha da comédia teen “Despedida de Solteiro”, em 1984. Abriam tanto os shows do Blondie e dos Ramones, quanto de Chuck Berry e de James Brown.

THE UNITS – 'The Early Years: 1977-1983' (2007)

A compilação foi originalmente lançada há três anos, coincidindo com os 20 anos das primeiras gravações, mas tá sendo reposta agora no mercado gringo. Os californianos Units froma uma das primeiras bandas de ‘synthpunk’ da história, surgida poucos anos depois do Suicide em San Francisco – mas os sintetizadores dos caras soavam como guitarras distorcidas em faixas como ‘High Pressure Days’. Seus shows eram lendários, com direito a projeção de filmes anti-stablishment feitos por eles próprios.

IGGY & THE STOOGES – 'Raw Power' (1973)
É provável que este terceiro disco do Iguana e seus comparsas não seja o melhor do grupo – o segundo, ‘Fun House’, que acaba de completar 40 anos de lançamento, . Mas também não faz muita diferença: ‘Raw Power’ é tão essencial tanto. Mais alucinado, mais barulhento, é uma catarse sem precedentes no rock, uma cacetada que nem Iggy nem ninguém conseguiu repetir. Um crítico brasileiro, certa vez, resenhando o (bom) ‘Instinct’, torcendo o nariz para a bolabcha gravada por Iggy em 1987, forçou a comparação: “tente marcar as músicas batendo o pé em ‘Raw Power’ ... Impossível”. Melhor definição jamais ouvi. Rock’n’Roll mais animal também não: ‘Search and Destroy’, ‘Your Pretty Face is Going to Hell’, ‘Penetration’, ‘Raw Power’, ‘I Need Somebody’ ... tem até uma baladinha mais ou menos delicada – mas não muito, saca o título: ‘Gimme Danger’. A nova Legacy Edition acrescenta várias bônus (muitas das quais os fãs tão carecas de conhecer) e a mixagem original do produtor e salcvador da pátria, David Bowie. Quem não conhece, vai pirar. Quem já conhece ... jamais se recuperou. Me dá mais! Me dá mais!

MODEST MOUSE – The Moon & Antarctica (2000)
Mais uma edição comemorativa – no caso, de dez anos de lançamento do primeiro disco por uma grande gravadora de uma das principais bandas alternativas americanas dos últimos quinze anos. Se toda transição para uma major de um respeitado grupo indie fosse assim ... O esquisitão Isaac Brock e seus escudeiros entregam um álbum mais polido, menos áspero que o clássico ‘Lonesome Crowded West’, mas a densidade e o estranhamento são os mesmos. ‘Dark Center of the Universe’ sempre foi minha preferida, mas tem ‘Gravity Rides Everything’, ‘3rd Planet’, ‘Tiny Cities Made of Ashes’, ‘Paper Thin Walls’, ‘I Came As a Rat’ ... O Modest Mouse depois partiu para um som mais suingado, aparentado dos Talking Heads, e chegou a ter o lendário Johhny Marr, ex-guitarrista dos Smiths, em sua formação. Um novo álbum não deve estar longe.

WILLIE COLÓN & RUBÉN BLADES – 'Siembra' (1978)
Tem preconceito com a latinidad? Bota esse pra tocar, então. Começa com um chacundum que é pura disco music, em ‘Plástico’, depois cai na mais arrebatada salsa. O politizado Bladés está aqui no auge da forma, criticando a sociedade de consumo norte-americana na citada ‘Plástico’, descrevendo o modo de vida terceiro-mundista em ‘Pedro Navaja’ ... A dupla Colón (novaiorquino do Bronx) e Blades (apelidado de “o Bruce Springsteen panamenho”), que teve longa colaboração, quebraria os pratos tempos depois, mas só por esse estupendo álbum, ponto alto do som latino dos anos 1970, já se justificaria.

ROLLING STONES – ‘Exile On Main St.’ (1972)
Fechando a lista, aquele disco de rock/múcia pop com o qual nada que foi ou venha a ser lançado ou relançado neste ano e nos próximos 50 possa ser comparado – até porque os Beatles já passaram por seus “Remaster’, assim como Jimi Hendrix, Bob Dylan e o Velvet Underground. A história das gravações e o conturbado período por que passavam os Stones – fuga do implacável e cruel fisco britânico, os problemas com a lei, o romance sério de Keith, Anita Pallenberg e a heroína ... tudo isso tá contado no livro ‘Uma Temporada no Inferno com os Rolling Stones’, de Robert Greenfield (saiu pela Zahar Editor em 2008), e no documentário ‘Stones In Exile’, que chega ao mercado paralelamente ao disco. Mas ‘Exile ...’, um dos poucos álbuns duplos da história do rock que não traz um mísero instante supérfluo, é uma experiência que tem de ser sentida, não pode ser descrita. Bom, ajuda dizer que ‘Tumbling Dice’, ‘Loving Cup’, ‘Happy’ (uma das melhores canções defendidas por Keith em toda a discografia do grupo), ‘All Down The Line’, ‘Rocks Off’, ‘Shine a Light’, as esquisitonas ‘I Just Wanna See His Face’ e ‘Ventilator Blues’ estão aqui, ao lado de outras 10 pérolas – agora remasterizadas no capricho (o som denso e sujo do grupo então era uma armadilha e tanto, plenamente desviada nesta edição Deluxe) que ganhou a companhia de um disquinho a mais só de bônus da época (mais 10 faixinhas). Sempre achei que meu preferido era ‘Let It Bleed’, agora já não sei mais. O certo mesmo é que os Stones, mesmo recheando sua trajetória de canções clássicas nos últimos 38 anos, jamais conseguiram lançar um álbum tão perfeito, supimpa como este aqui. Nem eles, nem ninguém.

PS – conferir também álbuns antigos de Jon Spencer Blues Explosion e St. Etienne que voltam ao mercado.

O ano até aqui (III)

Alguns singles:

Horchata (Vampire Weekend)
Afropop descolado, bacana, dos auto-apelidados ‘West Side Soweto’ guys. Mais limpinho que os sons do álbum de estreia, mas bem feito e íntegro.

Tighten Up (The Black Keys)
O blues rock indie da dupla Dan Auerbach/Pat Carney agora mais chegado à Motown. Pra tocar no rádio – e isso não é ruim.

Month of May (Arcade Fire)
Uma das faixas que puxam o novo álbum da banda canadense, ‘The Suburbs’, primeiro lugar na parada da Billboard já na semana de lançamento. Rock inteligente, classudo.

Heaven and Earth (Blitzen Trapper)
Belíssima balada do álbum novo do grupo americano de Portland, Oregon, ‘Destroyer of the Void’

Forever & Ever Amen (The Drums)
Tão pegajosa quanto as canções do álbum do Phoenix do ano passado, tem um quê de anos 1950.

The Overachievers (Liars)
Rock experimental, paga tributo tanto ao Can quanto ao Nirvana.

Art Czars (Japandroids)
Mais uma bacana dos canadenses esporrentos, que lançaram o álbum cacetada de 2009, ‘Post Nothing’.

Post Acid (Wavves)
Punk pop chapadão do largado Nathan Williams, que sabe o que faz.

Slow Motion (Panda Bear)
Esta, na verdade, é o lado B. O A é ‘Tomboy’, também muito bacana. Mas o B é melhor. Noah Lennox hoje é o cara.

Written In Reverse (Spoon)
Levada stoneana, mudança de tempo, manha de quem sabe. Os texanos acertam de novo: ‘Transference’ é um dos discos de rock do ano.

Mas o campeão do ano até agora, sem dúvida, é ...

Free (M.I.A.)
Brutal, utilizando como base a matadora ‘Ghost Rider’, do Suicide, e turbinada por versos como ‘’. Grande Maya Arulpragasam! Isso sim é que é rock dos anos 2000.

O ano até aqui (II)

Entre os veteranos, dois se destacam.

Gil Scott-Heron, americano de Chicago, 61 anos completados em abril, vem cumprindo trajetória errática nos últimos tempos: entra e sai da cadeia com enorme facilidade, sempre por problemas com drogas – e violação da condicional. Não gravava um disco desde 1994, quando lançou ‘Spirits’ e o ao vivo ‘Minister of Information’. O excelente ‘I’m New Here’ tem 15 faixas, entre canções e vinhetas, sendo doze compostas pelo cantor – um dos virtuais inventores do rap lá no final dos anos 1960/início dos 1970 recitava seus versos com acompanhamento eminentemente soul-jazzístico –, e tem produção de Richard Russell, cabeça do selo britânico XL Recordings (Basement Jaxx, Devendra, M.I.A., Vampire Weekend, Dizzee Rascal). Tem batidas de hip-hop, samples e efeitos sonoros, mas também violão folk. O clima é autobiográfico (‘On Coming From a Broken Home’, ‘The Crutch’), entre o nostálgico e o reflexivo. A faixa-título é de Bill Callahan, ex-(Smog), herói de CM, e entre as recriações de obras alheias está ‘Me and the Devil’, de Robert Joehnson, e ‘I’ll Take Care Of You’, do repertório de Bobby ‘Blue’ Bland. ‘I’m New Here’ é o disco mais bonito de 2010 até aqui.

Paul Weller, inglês, nove anos menos que Heron – nasceu em Woking, Surrey, em maio de 1958 –, lançou o disco de rock dos primeiros sete meses do corrente. ‘Wake Up The Nation’ é um disco moderno porque não tenta bancar o moderno: profundamente imerso na tradição do melhor rock britânico (as referências de Weller de sempre, Who, Small Faces, os Kinks e os Beatles – tanto a fase psicodélica como o período final, de canções como ‘Don’t Let Me Down’ e discos como ‘Abbey Road’ e o álbum branco), atesta toda a maestria e a maturidade do compositor Weller, em 16 faixas, a maioria curtas, como a faixa-título, ‘Fast Car/Slow Traffic’, ‘No Tears to Cry’, a lisérgica ‘Andromeda’, ‘7 & 3 Is The Strikers Name’ e ‘Trees’ – a mais longa do álbum, com meros 4 minutos e 19 segundos. A carreira solo de Weller é das mais vivas entre seus contemporâneos: ‘Wake Up ...’ é seu décimo álbum de carreira – descontados os registros ao vivo – desde 1992, quando recuperou o a reputação perdida nos tempos de Style Council (que não era tão xarope assim, não sejamos tão cri-cri), lançando o álbum que leva apenas seu nome. A esse, seguiram-se outros grandes álbuns, como o clássico ‘Wild Wood’ (1994), ‘Stanley Road’ (seu álbum que mais vendeu, puxado pela ótima ‘The Changingman’, 1995), ‘Heliocentric’ (2000), ‘Ilumination’ (2002) e o recente ‘22 Dreams’ (2008). Weller é um dos caras que definiu o moderno som britânico, a partir da mais inglesa de todas as bandas a emergir do levante punk da segunda metade dos anos 1970, o Jam. Que o digam os irmãos Gallagher, o Ocean Colour Scene, o Blur, o Supergrass e todo o pessoal do brit-pop. Também gerou cópias desavergonhadas worlwide – conheces um tal de Ira?

O ano até aqui (I)

Bons lançamentos no ano de 2010 abundam: Beach House (‘Teen Dream’ é tão bom ou melhor que ‘Devotion’), Local Natives (ótima guitar band), Vampire Weekend (mais polido que o álbum de estreia, mas com excelentes canções), Surfer Blood (surf music indie, do c*), Spoon (um dos melhores disco de rock do ano), Liars (anarquia é seu nome), boas promessas (Morning Benders, The Radio Dept., Blitzen Trapper, The Tallest Man On Earth), som de raiz (Band of Horses), veteranos da electronica em plena forma (Bomb The Bass, UNKLE), novas feras (Gonjasufi, Flying Lotus), confirmações (Panda Bear e seu novo single, o Black Keys, mais pop mas sem perder o fio).

Tá ameaçando ser até melhor que o ótimo ano de 2009.

Versinhos bacanas (26) – On Coming From a Broken Home (GIL SCOTT-HERON)

“I want to make this a special tribute
To a family that contradicts the concepts
Heard the rules but wouldn'€™t accept
And women-folk raised me
And I was full grown before I knew
I came from a broken home

Sent to live with my grandma down south
When my uncles was leaving
And my grandfather had just left for heaven
They said and as every-ologist would certainly note
I had no strong male figure right?
But lily Scott was absolutely not your mail order
Room service type cast black grandmother
I was moved in with her; temporarily, just until things were patched,
Til this was patched and til that was patched
Until I became at 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 and 10
The patch that held lily Scott who held me and like them 4
I become one more and I loved her
From the absolute marrow of my bones
And we was holdin on,
I come from a broken home
She had more then the 5 senses
She knew more then books could teach
And raised everyone she touched just a little bit higher
And all around her there was a natural sense
As though she sensed what the stars say what the birds say
What the wind and the clouds say
A sensual soul and self that African sense
And she raised me like she raised 4 of her own
And I was hurt and scared and shocked
When lily Scott left suddenly one night
And they sent a limousine from heaven to take her to god,
If there is one.
So I knew she had gone; and
I came from a broken home


(Uma das canções de teor autobiográfico do reflexivo ‘I’m New Here’, excelente disco que põe fim a um hiato de mais de 15 anos na carreira do grande Gil Scott-Heron, ‘On Coming From a Broken Home’ relata uma das passagens mais marcantes de sua vida: a mudança para a casa da avó, Lillie, após o divórcio dos pais. Além de ser um dos inventores do canto falado na música negra americana e um dos primeiros artistas black engajados – as duas facetas podem ser conferidas na canção ‘The Revolution Will Not Be Televised’, de 1970 –, Gil também é escritor: seu romance ‘Abutre’, retrato contundente da vida no gueto, saiu no Brasil anos atrás, publicado pela Ed. Conrad.)

Eu e Meu Brinquedo (11) – BRIAN DE PALMA

Estávamos assistindo à guerra às 18:30 no jornal, todos os dias. O governo não havia prendido a controlar a mídia nestes assuntos, ainda. Assistimos imagens, diretas, de pessoas explodindo, corpos e sangue, de crianças morrendo ... Tudo isso deu início ao movimento pacifista. Da mesma forma que o movimento dos direitos civis teve seu início com imagens de cães mordendo as pessoas negras. Cães que os policiais e xerifes soltavam e que atacavam os negros no chão. Quando assistimos a essas imagens, o país inteiro acordou”.

Comecei na época das câmeras leves, que de repente estavam seguindo as pessoas, com câmeras leves de 16 mm. Vimos o que pensávamos ser os Maysles (NOTA: os irmãos Albert e David, documentaristas, papas do “cinema direto”, diretores de ‘The Beatles: The U.S. First Visit’ e do controverso ‘Gimme Shelter’, dos Rolling Stones e ) e os sócios de Drew (NOTA: Robert Drew, documentarista americano, adepto do cinema-verdade, famoso pelo filme ‘Primary’, cobrindo as primárias do Partido Democrata ocorridas no estado de Wisconsin entre os pré-candidatos à Presidência John Kennedy e Hubert Humphrey). Estávamos vendo todos esses documentários fabulosos, dizendo: É assim que é a vida. A câmera está pegando tudo. É impressionante’. Assim, o público acreditou. É nesta época que temos a citação famosa de Godard: ‘O cinema é a verdade 24 quadros por segundo’. Digo o inverso, acho que é a mentira 24 quadros por segundo. Sendo um diretor de filmes, sei como é fácil, em documentários como ‘Be Black Baby’ e ‘Hi, Mom!’, você poder manipular as imagens e as pessoas vão acreditar no que você quiser”.

A maior tragédia que eu já presenciei é que a televisão tornou-se só comerciais de informações. A informação programada. Não há mais informação de verdade. Recebemos a informação que eles querem, é como a censura do governo sobre informações. Falam sobre a liberdade da imprensa, mas todas as agências da mídia são controladas por grandes empresas. Vemos o que elas querem que vejamos. No final das contas, foi nos anos 60 que tudo começou a ferver na América: (os 60) marcaram o início do movimento feminista, o início da liberdade política para os negros, muita música excelente, as drogas que expandiam a consciência. Foi uma época realmente fascinante e inspiradora. Muitos dos cineastas da minha geração produziram obras que tornaram-se a base do cinema americano contemporâneo. Eles foram produtos dos 60’s. Grandes artistas têm de estar no lugar certo no momento certo. Nunca perdi meu espírito 60’s”.

Depois de montar o filme (NOTA: ‘Get to Know Your Rabbit’, seu primeiro e frustrante filme – um curta – para a major Warner Bros.), não gostaram do que havia feito, não gostaram das minha mudanças para melhorá-lo ...Então eles ‘me mandaram pra casa’. É interessante o fato de Orson Welles estar naquele filme, porque ele foi um homem que nunca descobriu como se beneficiar do sistema de estúdios. Só que uma parte de produzir filmes é a capacidade de lidar com esse sistema. Os grandes cineastas aprenderam a lidar com ele: Ford, Hitchcock ... Conseguiram trabalhar dentro do sistema e realizar suas extraordinárias visões. Não se pode simplesmente dizer: ‘Sou um artista, eles não me entendem’. Não faz sentido. É uma indústria, administrada por homens gananciosos, e você tem de fazê-los executar o que você quer. Fala-se de ‘Soberba’ (NOTA: ‘The Magnificent Ambersons’, o segundo filme de Orson Welles, rodado um ano depois de ‘Cidadão Kane’, e totalmente mutilado pelos produtores), que é um filme fantástico mas foi destruído. Onde estão as cenas cortadas de ‘Soberba’? Pode-se discutir todas as razões do mundo, eu penso no meu filme todos os dias, no meu estúpido filme curto ‘Get to Know Your Rabbit’. O fato é: a culpa é minha! Eles foram mais espertos do que eu. A mesma coisa aconteceu com Orson Welles. Enfim, meu desejo é: quero assistir a meu filme e estar satisfeito com ele. Somente por mim mesmo. Posso assiti-lo, na tela da minha televisão, e dizer: ‘Aquilo foi ideia minha, e eu a realizei. Vou ficar do lado dele’. O que está errado é o que eu errei. Não foi porque outra pessoa chegou e mudou as coisas”.

(Brian De Palma, em entrevista à TV francesa, à época do lançamento de ‘Femme Fatale’, nos extras de ‘Saudações’ – ‘Greetings’, de 1968 –, seu primeiro longa, lançado em DVD este ano pela Lume. Filho típico dos 60’s, o cineasta americano natural de Newark, New Jersey, que completa 70 anos no próximo 11 de setembro, é parte da brilhante geração que renovou o cinema americano entre o final dos anos 1960/início dos 70 – Copolla, Scorsese, Spielberg. De Palma ainda não teve lançado por aqui seu contundente ‘Redacted’, de 2007, um docudrama ambientado na Guerra do Iraque, rodado em câmeras de vídeo de alta definição, em que episódios como o estupro de uma colegial iraquiana por soldados americanos recebem tanta atenção como o olhar sobre a moderna cobertura jornalística da guerra, como farto uso do universo tecnológico – reportagens em blogs pela web, uso de parafernália digital ...)

Pitacos de filosofia no pop (1)

A prova de que você deve ter bons discos pra fazer bons discos”.

(James Wirth, resenhista britânico, em uma edição antiga – 1996 – do tradicional Rough Guide of Rock, falando sobre os escoceses do BMX Bandits, embrião do Teenage Fanclub – que, a propósito, está de volta com novo disco, ‘Shadows’, mais uma vez mostrando a diferença que faz uma discoteca informada em casa. Tão fundamental quanto simples, tal verdade não transparece na audição da maioria das bandas de rock brasileiras. E gaúchas.)

A morte das gravadoras

O novo e ótimo álbum dos canadenses do Arcade Fire (excelente show em POA em 2005, abrindo pros Strokes no que seria o Pepsi On Stage), ‘The Suburbs’, já estreou em primeiro lugar na parada da Billboard. Vendeu 156.000 cópias só na primeira semana, atingindo um resulatado bem melhor que o anterior, o incensado ‘Neon Bible’ (2007), que quando foi lançando foi adquirido por 92.000 satisfeitos fãs. Desses 156.000 compradores, nada menos que 97.000 adquiriram a obra através de download, pagando apenas U$ 3,99 (!!!!!). Laura Ballance, baixista do Superchunk e uma das proprietárias do excelente selo Merge Records, casa do Arcade e do próprio Superchunk (além de Lambchop, Spoon, Magnetic Fields ...) justifica a bagatela cobrada: “Desvalorizar a música é algo que me preocupa bastante ... Mas é difícil traçar uma linha divisória aí. A essa altura, as pessoas podem fazer o download de graça se elas realmente quiserem. Se você está tentando fazer com que as pessoas comprem música, pessoas que não o fariam de outra maneira, talvez esse seja o jeito. Fazer tão barato que acabe por reequilibrar a balança”.

Enquanto isso, no universo das majors, os tubarões da indústria debatem-se tentando descobrir de que maneira tentarão retomar o controle absoluto que tinham sobre o comércio da música, perdido nos últimos dez anos pro libertário universo virtual.

Não vão. A revolução veio e ficou, esta é a realidade. Bem feito pras grandes corporações. Die, die, motherfuckers!

O baixinho do Simply Red, não, Ronnie, por favor!

Os Faces foram uma das melhores bandas da história do rock de todos os tempos, sem qualquer sombra de dúvida. Tinham tudo o que uma verdadeira banda tem de ter: agressividade, malícia, peso, suíngue, vocalista carismático e de voz rouca e potente, dois guitarristas afiados, cozinha segura, mix de r’n’b barulhento e a melhor soul music, que influenciou até os Stones e mesmo os Pistols (como admitido pelos próprios), além de ter ajudado a forjar o som dos Black Crowes (“ajudar” é generosidade nossa). Só terminaram quando os Stones convocaram Ronnie Wood para substituir o demissionário Mick Taylor – e por essa época Rod Stewart já engendrava sua carreira muitíssimo bem-sucedida (em termos comerciais, é claro).

Well, os Faces resolveram reunir-se mais uma vez, para uma tour pelo Reino Unido. O pontapé inicial foi no Da formação original, apenas Ronnie, o baterista Kenney Jones (que tocaria no The Who após a morte de Keith Moon) e o tecladista Ian McLagen. Na guitarra que foi de Steve Marriott agora está o filho de Ronnie, Jessie, e no baixo, o enjeitado ex-baixista dos Pistols, Glen Matlock. Quanto aos vocais, ... bem, Rod decidiu não participar desse comeback, mais interessado que está nos seus banais discos de covers do cancioneiro popular americano. E então Ronnie e comparsas optaram por convocar ... Mick Hucknall. Sim, ele mesmo, o ruivinho enjoado vocalista do não menos enjoado Simply Red.

O SR e seu cantor baixinho têm lá seus fãs por aqui, e CM, impregnada que é de espírito democrático e libertário, respeita todas as posições contrárias à sua. Mas concorda com a piadinha contida no final de ‘A Festa Nunca Termina’ . E completa: bandas e artistas pop oitentistas que prestavam tributo à melhor soul music americana e iam além, havia várias – Prefab Sprout, Dexy’s Midnight Runners, Scritti Politti, Elvis Costelo ... Entre essas, não está o Simply Red.

Que bola fora, Ronnie.

Tá, mas a gente vai lá só pra beber ou ouvir rock também?

O último Rock In Rio realizado na cidade que lhe dá nome foi o terceiro, e lá se vão quase dez anos. Foi em 2001, e trouxe Foo Fighters, a falecida Cássia Eller (puxando o saco da audiência e de Dave Grohl cantando ‘Smells Like Teen Spirit’), Beck, Queens Of The Stone Age (com Nick Olivieri peladão, vítima da demagogia local, indo dar explicações na delegacia), Sepultura, R.E.M., Red Hot Chili Peppers (chocho pra cacete), Neil Young & Crazy Horse (nada menos que destruidor) e aquela malfadada noite com os fraudulentos Oasis e Guns ‘N’ Roses e seu público jeca cobrindo de garrafas d’água um deslocado e inconveniente Carlinhos Brown – repetindo o que já acontecera nas edições anteriores com Baby & Pepeu e Erasmo Carlos no primeiro, em 1985, e com Lobão em 1991, todos vítimas da fúria metaleira.

Pois agora, Roberto Medina, com aquele mesmo cabelinho escovado e puxado pra trás, tá anunciando a volta do festival à cidade maravilhosa pro ano que vem. Vai rolar nos dias 23, 24, 25 e 30 de setembro, e 1º e 2 de novembro. O vídeo oficial já foi gravado, com uma nova versão daquela musiquinha xarope, agora entoada por figuras como Dinho Ouro Preto, Pitty, Rogério Flausino, Tico Santa Cruz e Ivete Sangalo. Quanto aos artistas que se apresentarão no evento, Medina não confirma ninguém, mas diz que seu sonho é Ter Shakira e Lady Gaga.

A pergunta que insiste em não calar é desnecessária de tão óbvia, mas CM insiste, mesmo assim: o que é que o rock tem a ver com isso?

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

COMPANHIA MAGNÉTICA NO RÁDIO (45)

Sorry, moçada. O playlist do penúltimo programa só vai hoje, com quase uma semana de atraso. Sorry again: neste sábado, 14, também não vai ter programa, pois acontece a cerimônia de encerramento do Festival de Gramado. Mas no próximo, tem especial, um programa inteirinho dedicado aos 'cowpunks' originais, os Meat Puppets, ainda hoje na ativa, mas só com as gravações clássicas dos anos 1980. Enjoy.


1º bloco:

16 HORSEPOWER – South Pennsylvania Waltz

Banda formada em 1992 em Denver, no Colorado, um dos baluartes do chamado ‘alt country’ (o country alternativo), veículo de David Eugene Edwards, cantor, compositor e múlti-instrumentista (ele toca guitarra, banjo e bandoneon), que também tem outro projeto muito bacana chamado Woven Hand, que a gente mostra num dos próximos programas. Edwards é filho de um pastor e a religiosidade do pai o influenciou de maneira decisiva: as letras do 16 Horsepower são carregadas de imagens cristãs e temas como culpa e redenção – ao estilo de Nick Cave, de quem Edwards é fã confesso. Além das referências da música americana de raiz (country, folk, bluegrass), o som do grupo também tinha forte apelo do rock gótico, em especial Joy Division e Gun Club (de quem regravou a clássica ‘Fire Spirit’), o que lhe valeu a fama de Ter criado um novo gênero, o ‘gothic americana’. Por “diferenças pessoais, espirituais e políticas”, a banda se separou em 2005. Deixou um E.P., dois álbuns ao vivo, quatro discos de carreira e uma coletânea excelente chamada ‘Olden’ (2003), com versões nunca lançadas de canções antigas.

BEACHWOOD SPARKS – Confusion is Nothing New
Grupo de Los Angeles, claramente influenciado pelo country rock psicodélico sessentista de Byrds, Love e Buffalo Springfield, formado em 1997, encerrou as atividades em 2002, mas voltou à ativa em 2008. Tem como figuras centrais o baixista Brent Rademaker, que também tem uma outra banda muito legal, chamada The Tyde, e o cantor e guitarrista Chris Gunst, ex-Strickly Ballroom – os dois integravam antes um grupo chamado Further. O Beachwood Sparks tem dois elogiados álbuns, sendo que o primeiro, homônimo, lançado em 2000, tem uma sonoridade mais mais rock, enquanto que o segundo, ‘Once We Were Trees’ (2001), é mais viajandão, tem uma sonoridade mais ‘spacey’ – não por acaso um resenhista definiu o som dos caras como “cosmic country-pop”. Atualmente, os caras trabalham em um novo disco.

UNCLE TUPELO – Gun
Talvez a mais mítica dessas bandas de country alternativo, não só por ter sido uma das primeiras a fundir a fúria punk à música caipira americana, mas também por contar com dois carismáticos cantores/guitarristas/compositores que formaram outras duas bandas que deram o que falar depois: Jeff Tweedey é o líder do incensado Wilco, enquanto que Jay Farrar é o cabeça do Son Volt. O Uncle Tupelo, que tirou seu nome de uma clássica canção gospel, durou apenas 7 anos, deixou quatro cultuados álbuns, incluindo o clássico ‘No Depression’ (1990), cujo título virou sinônimo de artistas de rock alternativo que se voltam para as raízes da música americana, e ‘March 16-20, 1992’, gravado ao vivo em estúdio pelo guitarrista do R.E.M., Peter Buck. Mas o disco que talvez melhor traduza esse mix Hank Williams/Leadbelly/Replacements/Hüsker Dü do grupo seja o segundo, ‘Steel Feel Gone’, de 1991. Com o estremecimento das relações entre Tweedy e Farrar, o UT encerrou as atividades em 1994, com o primeiro levando o baterista original, Mike Heidorn, para o Wilco, e o segundo o seu substituto, Ken Coomer, e os múlti-instrumentistas John Stirratt e Max Johnson para o Son Volt.

2º bloco:

PANDA BEAR – Slow Motion

Incensado projeto do prolífico Noah Lennox, também fundador do quentíssimo Animal Collective e integrante de outros grupos como Jane e Together. O PB faz som eminentemente eletrônico, de referências múltiplas e variadas, e Noah se vira em várias funções: além de ser o cantor de peculiar timbre de voz (começou cantando em corais de igreja nos tempos de colégio), pilota teclados, samplers, toca guitarra e até bateria – na turnê mais recente do Animal Collectvie, era ele o percussionista (se diz influenciado por Stewart Copeland, do Police). O Panda Bear tem três álbuns, sendo que o mais recente, ‘Person Pitch’, de 2007, foi eleito disco do ano pelo site Pitchfork. O novo single, ‘Tomboy’, saiu este mês.

HOW TO DESTROY ANGELS – A Drowning
Nova banda do atormentado Trent Reznor, que deu férias por tempo indeterminado para o Nine Inch Nails ano passado, depois de 20 anos de atividades. O How To Destroy Angles, que tirou seu nome de um single do Coil lançado em 1984, tem ainda a cantora indiana Mariqueen Maandig, mulher de Trent, e o múlti-instrumentista e produtor Atticus Ross, velho colaborador do NIN, e é um projeto novíssimo: iniciou pouco tempo depois do último show do Nine Inch Nails, em setembro de 2009. Segundo os mais rigorosos, trata-se de um Nine Inch Nails com uma mulher no vocal, pois o grupo também faz um rock eletrônico denso, que tem referências que vão do som industrial ao trip-hop, do som gótico à IDM, mas a presença de Mariqueen, que contribui para uma atmosfera mais sensual e onírica, faz toda a diferença. Todo o material lançado pela banda é deste ano: um E.P homônimo de 6 faixas, o singleA Drowning’, colocado na rede para free download, o vídeo de ‘True Believers’ e a faixa ‘The Believers’, disponível num iPad lançado pela revista Wired.

FLYING LOTUS – Mmmhmm
Codinome de um cidadão californiano de Los Angeles chamado Steven Ellison, 26 anos, que fez fama com o tema da animação ‘Adult Swim’, do Cartoon Network, e desde então vem fazendo música eletrônica experimental, com uma penca de referências bacanas: hip-hock, jazz, trilhas de filmes blaxploitation, techno, house, drum’n’bass, IDM ... Ellison geralmente faz a música no seu laptop, manipula tapes e toca-discos, mas no mais recente, ‘Cosmogramma’, lançado em maio deste ano, há também a colaboração de músicos, responsáveis por guitarras, baixos, instrumentos de sopro, cellos, violinos e até harpa. Curiosidade: Ellison é sobrinho de Alice Coltrane, grande compositora e pianista do jazz e viúva do mestre John Coltrane.


3º bloco: LYDIA LUNCH – ‘Queen of Siam’ (1980)

Lydia Koch, 51 anos (nascida em 2 de junho de 1959 em Rochester, Nova Iorque), é uma das personagens mais sui generis da música americana das últimas três décadas: começou fazendo parte da barulhenta cena no wave novaiorquina, gravou um disco com influência do jazz e do pop sessentista, passou a gravar discos apenas falados, atuou em e dirigiu filmes underground, sempre mantendo a postura feroz, provocativa, anti-comercial e niilista. Também teve sua vida marcada pelo uso abusivo de drogas pesadas, em especial a heroína.

Lydia chegou à big apple aos 16 anos, e logo passou a viver em uma comunidade de artistas, onde recebeu seu nome de guerra: como ela tinha o hábito de roubar os almoços dos outros, passaram a chamá-la “Lydia Lunch”. E foi depois de um show do Suicide, no lendário Max’s Kansas City, que decidiu abraçar a carreira musical, formando o Teenage Jesus & The Jerks, grupo noise do qual fazia parte também o saxofonista James Chance. O Teenage e os Contortions, a banda liderada por Chance, fariam parte do clássico álbum-manifesto ‘No Wave’, produzido por Brian Eno, lançado em 1978, e que contava também com o DNA de Arto Lindsay e um grupo chamado Mars. No mesmo ano, Lydia também participou do disco de estreia dos Contortions, ‘Off White’, usando o pseudônimo “Stella Rico”, e também atuou no filme ‘Black Box’, curta-metragem dirigido pelo casal de cineastas indie Scott e Beth B, no qual fazia o papel de uma torturadora. Na sequência, viriam outras participações em filmes underground, sendo o mais notório deles ‘Fingered’, de Richard Kern, em que faz cenas de sexo explícito. Alguns dos filmes dos quais participou ele mesmo escreveu e dirigiu.

‘Queen of Siam’, seu álbum de estreia solo, foi gravado em Nova Iorque em 1979 com arranjos do craque Billy VerPlanck, lendário trombonista e arranjador que trabalhou com big bands famosas como a de Tommy Dorsey, e lançado um ano depois. Tinha também o não menos lendário Robert Quine, e-guitarrista de Richard Hell e Lou Reed, e a própria Lydia, além de cantar suas composisções e versões de clássicos como a lúgubre ‘Gloomy Sunday’ e a solar ‘Spooky’, também faz solos de guitarra em duas faixas. O álbum saiu pelo selo Triple X e foi reeditado em CD ano passado pela gravadora Chery Red. Como todos os trabalhos de Lydia, apesar de elogiado, pouca repercussão teve em termos de vendas.

Dois anos depois, a rainha das trevas da cena novaiorquina lançaria ‘13.13’ com o auxílio de integrantes dos Weirdos, e uma série de colaborações viria, com gente como o Birthday Party de Nick Cave, os alemães experimentais do Die Haut, o Sonic Youth, os alemães nervosos do Einsturzende Neubauten, o maluco Michael Gira, ex- Swans, entre outros. Nos anos 1990, teve um grupo de curtíssima duração com Kim Gordon (Sonic Youth) chamado Harry Crews, homenagem ao escritor cult americano, e seguiu lançando seus discos apenas falados – faceta que dominou sua obra principalmente na primeira metade da década de 2000 –, com parcerias que vão desde sua amiga Exene Cervenka (ex-vocalista do X) ao romancista que deu voz ao submundo novaiorquino, Hubert Selby Jr. (de ‘Réquiem para Um Sonho’ e ‘Última Saída para o Brooklyn’). Sua carreira literária tem resultados controversos, segundo os resenhistas. Em 1997, publicou sua autobiografia, ‘Paradoxia’, em que abordava sem rodeios sua infância, a agitada vida sexual, o uso abusivo de drogas e também seus problemas psíquicos. Seu último disco é do ano passado, ‘Big Sexy Noise’, do grupo homônimo que mantém com James Johnston, Terry Edwards e Ian White.

Mechanical Flattery
Gloomy Sunday
Spooky
Atomic Bongos
Lady Scarface