sábado, 13 de junho de 2009

Versinhos bacanas (22) - Jigsaw Falling Into Place (RADIOHEAD)

"Just as you take my hand
Just as you write my number down
Just as the drinks arrive
Just as they play your favourite song
As your bad day disappears
No longer wound up like a spring
Before you've had too much
Come back in focus again
The walls are bending shape
You got a cheshire cat grin
All blurring into one
This place is on a mission
Before the night owl
Before the animal noises
Closed circuit cameras
Before you comatose
Before you run away from me
Before you're lost between the notes
The beat goes round and round
The beat goes round and round
I never really got there
I just pretended that I had
Words are blunt instruments
Words are sawn off shotguns
Come on and let it out
Come on and let it out
Come on and let it out
Come on and let it out
Before you run away from me
Before your lost between the notes
Just as you take the mic
Just as you dance, dance, dance
A Jigsaw falling into place
So there is nothing to explain
You eye each other as you pass
She looks back and you look back
Not just onceand not just twice
Wish away your nightmare
Wish away the nightmare
You got the light you can feel it on your back
[A light,] you can feel it on your back
Your jigsaw falling into place"

(Lançada em single em janeiro de 2008, paralelamente ao lançamento "físico" do álbum 'In Rainbows', colocado para download no site da banda no final do ano anterior, 'Jigsaw Falling Into Place' é mais uma brilhante canção do RADIOHEAD, que retrata um relacionamento fracassado desde o seu início. O single foi o primeiro a sair pelo selo indie inglês XL, após a banda decidir não mais gravar material para a Parlophone, subsidiária da major EMI. Esta semana, a banda anunciou em seu site o "disco 2" de 'In Rainbows' - músicas das mesmas sessões de gravações do álbum de 2007 que já estavam disponíveis no box de 'In Rainbows'. O álbum 2, avulso, custa £6,00 (ou U$9,55), e quem ouviu garante que não é grana posta fora: as músicas têm o mesmo nível do primeiro álbum. O site da banda também anuncia a disponibilidade para download gratuito do 'In Rainbows' original de dos discos-solo de Thom Yorke, 'The Eraser', e Colin Greenwood, 'There Will Be Blood' (trilha do filme de Paul Thomas Anderson). Thom faz show no Latitude Festival, em Southwold, Inglaterra, no mês que vem. O Radiohead retoma sua tour mundial a partir de agosto.)


Thom Yorke em cena: já dá pra compará-lo a Bowie, Brain Wilson, Lennon, Eno, Hendrix, Dylan?

Frases e diálogos inesquecíveis (21) – If.... (Lindsay Anderson)

"Quando é que vivemos? Isso é o que quero saber!"
(Após soar o sino indicando o início do horário das refeições.)

...

"Morte ao opressor!", grita um.
"Resistência!", responde outro.
"Liberdade!", brada mais um.
"Um homem pode mudar o mundo com uma bala no lugar certo.", conclui Travis.

(Mick Travis, o incendiário estudante de uma repressora escola britânica interpretado por Malcolm McDowell, e sua radical visão de mundo, em ‘If ....’, clássico da rebelião estudantil do inglês Lindsay Anderson, de 1968).

Travis e colegas, dando início à revolução

Paradão da Semana (08 a 12/06/2009)

Medication (Primal Scream)
The Man Don’t Give a Fuck (Super Furry Animals)
The River (Nomeansno)
To Be Someone (Didn’t We Have a Nice Time) (The Jam)
Gold Soundz (Pavement)
Submerge (Come)
Hang On St. Christopher (Tom Waits)
Big River (Bob Dylan c/ Johnny Cash)
Jigsaw Falling Into Place (Radiohead)
In the Name of the Father (Black Grape)
How Low Can a Punk Get (Bad Brains)
English Civil War (Clash)
Can’t Give Up (Sebadoh)
Make My Mind (Screaming Trees)
I Am the Cosmos (Chris Bell)
Like a Hurricane (Neil Young)
Raisins (ao vivo, BBC Sessions, 11/08/1988) (Dinosaur Jr.)
Desperado (Alice Cooper)
Teenage Kicks (Undertones)
Situation Vacant (Kinks)
Lady Stardust (ao vivo, ‘Bowie at the Beeb’) (David Bowie)
White Chalk (PJ Harvey)
All That Is My Own (Nico)
Cut-out Shapes (Magazine)
Jesus Doesn’t Want Me For a Sunbeam (ao vivo, ‘Unplugged in New York’) (Nirvana)
Tell Me a Story (Iggy Pop)
Hurry Up Harry (Sham 69)
Heaven and Hell (ao vivo, ‘Live at Leeds’) (The Who)
Graham Greene (John Cale)
Pagan Poetry (Björk)
As Tears Go By (Marianne Faithfull)
Other Voices (The Cure)

sábado, 6 de junho de 2009

Versinhos bacanas (21)

"Little orphans in the snow
With nowhere to call a home
Start their singing
Waiting through the summertime
To thaw your hearts in wintertime
That's why they're singing...
Waiting for a sign to turn blood into wine
The sweet taste in your mouth...
turned bitter in its glass

Israel...
in Israel
Israel...
in Israel

Shattered fragments of the past
Meet in veins on the stained glass
Like the lifeline in your palm
Red and green reflects the scene
Of a long forgotten dream
There were princes and there were kings
Now hidden in disguise... cheap wrappings of lies
Keep your heart alive
with a song from inside
Even though we're all alone
We are never on our own when we're singing
There's a man who's looking in
And he smiles a toothless grin
Because he's singing...
See some people shine with glee
But their song is jealousy
Their hate is clanging ...maddening

In Israel... will they sing Happy Noel?
Israel... in Israel
Israel... in Israel
In Israel will they sing Happy Noel?"

(‘Israel’. Lançada em single em novembro de 1980, entre os álbuns ‘Kaleidoscope’ e ‘Juju’, é uma das canções preferidas dos fãs de Siouxsie and the Banshees, um clássico que, a exemplo do compacto anterior da banda, ‘Christine’, não entrou em disco de carreira nenhum – ao menos a versão em estúdio. Já a gravação ao vivo, essa é ainda mais memorável: impossível esquecer a introdução do álbum ao vivo ‘Nocturne’, com uma gravação de ‘Pássaros de Fogo’, de Stravinsky criando o clima até a banda subir ao palco e Budgie dar o start nas baquetas. Entram, então, as levadas de baixo e bateria com forte acento reggae e, na sequência, a guitarra hipnótica de John McGeoch. A letra fala da violência do oriente médio causada pelo sectarismo religioso tendo o cuidado de evitar a questão política: a ênfase é no horror, no desespero, na descrença.)
Budgie, Siouxsie, McGeoch e Severin: uma das bandas mais originais de todos os tempos

Frases e diálogos inesquecíveis (21)

Primeira marionete anuncia o espetáculo:
- "Senhoras e senhores, temos a honra de apresentar um grande drama social. O espetáculo provará que o erro é sempre punido".

Segunda marionete interrompe:
- "Senhoras e senhores, temos a honra e apresentar uma comédia moral".
- "O que faz aqui?", surpreende-se a primeira marionete.

- "Apresento a comédia", responde a segunda.

- "De jeito nenhum. É comigo", retruca a primeira.

Então, surge a terceira marionete, pondo fim à discussão das outras duas:
- "Senhoras e senhores, não lhes dêem ouvidos. A peça não é nem um drama nem uma comédia. Ela não tem intenção moral e não provará nada. Os personagens não são heróis nem tratantes, são pobres homens como eu e vocês. ele é bom, tímido, não muito jovem e muito ingênuo. Tem uma cultura intelectual e sentimental inferior, de modo que, em seu meio, parece um imbecil. Ela ... é uma moça de charme próprio e a vulgaridade em pessoa. É sempre sincera: mente o tempo todo. O outro ... é o jovem Dédé, e nada mais. E agora, senhoras e senhores, o espetáculo vai começar".

(Introdução de A CADELA, de Jean Renoir. O primeiro grande filme do mestre francês, de 1931, jamais lançado em vídeo caseiro no Brasil, tem Michel Simon em magistral atuação, como Maurice, um caixa de banco que leva sua vidinha medíocre ao lado da neurótica mulher que só faz diminuí-lo, Adele (Magdelaine Berubet). Ele tem um hobby, que exercita entusiasticamente nos finais de semana como forma de fugir do marasmo, que é pintar – algo naturalmente desprezado pela esposa. Um belo dia, ele vê uma garota apanhando de um homem na rua e corre pra socorrê-la. Acaba fazendo amizade com ela, que se chama Lulu (Janie Pelletier), é prostituta, e discutia com seu cafetão, Dédé (George Flamant). Logo ela conhecerá os quadros de Maurice, que apaixonado pela jovem, lhe cederá várias de suas obras, que o casal de vigaristas irá vender a ummarchant, impressionado pela qualidade do trabalho – Lulu agora finge ser uma artista americana, Clara Wood, e o servil Maurice concorda em assinar com o nome da fictícia artista em função do amor doentio que nutre pela meretriz. Retrato magnífico da auto-destruição de um homem talentoso mas que não possui vida própria, ‘La Chienne’, feito um ano antes de um dos maiores clássicos da filmografia de Jean Renoir, ‘Boudou Salvo das Águas’ – também com o grande Michel Simon no papel principal –, foi refilmado em 1945 por Fritz Lang nos Estados Unidos em clima de film noir como ‘Scarlet Street’ e o excelente Edward G. Robinson no papel do perdedor e a bela Joan Bennett no da esperta femme fatale. O filme de Lang está disponível nas locadoras com o título de ‘Almas Perversas’. É bom, mas não chega aos pés de ‘La Chienne’.)

O inocente Maurice corteja a golpista Lulu: retrato da paixão obsessiva e do auto-aniquilamento, 'A Cadela' é o primeiro grande filme de Jean Renoir

Assim foi escrito (8) – Eugènie Grandet (Honoré de Balzac)

Com maior conhecimento, a gente antiga da região achava que, sendo os Grandet demasiado cautos para deixarem sair da família os seus bens, a senhorita Eugènie Grandet, de Saumur, se casaria com o filho do senhor Grandet, de Paris, um rico negociante de vinhos por atacado. A isto respondiam os cruchotinos e os grassinistas:

- Para começar, os dois irmãos não se viram duas vezes nestes trinta anos. E depois, o senhor Grandet de Paris tem altas pretensões para o filho. É prefeito de um distrito, deputado, coronel da guarda nacional, juiz do tribunal de comércio; renega os Grandet de Saumur e pretende aliar-se a alguma família ducal pela graça de Napoleão.


...

A grande Nanon era talvez a única criatura humana capaz de aceitar o despotismo daquele amo. Toda a cidade invejava o senhor e a senhora Grandet por causa dela. A grande Nanon, assim chamada graças à sua estatura de cinco pés e oito polegadas, pertencia a Grandet havia trinta e cinco anos. Embora tivesse um ordenado de sessenta libras apenas, passava por uma das empregadas mais ricas de Saumur. Aquelas sessenta libras, acumuladas ao longo de trinta e cinco anos, haviam-lhe permitido recentemente colocar quatro mil libras a render juros com mestre Cruchot. Esses resultados das longas e persistentes economias da grande Nanon pareceu gigantesco. Cada empregada, vendo que a pobre sexagenária garantiria o pão da velhice, tinha-lhe ciúmes, sem pensar na dura servidão pela qual o ganhara.

Na idade de vinte e dois anos, a pobre criatura não arranjava nenhum emprego, tanto seu aspecto era repelente; essa impressão, aliás era muito injusta: aquelas mesmas feições seriam dignas de admiração sobre os ombros de um granadeiros da guarda; mas tudo, como se diz, deve ter o seu propósito. Forçada a abandonar uma granja incendiada, onde cuidava das vacas, veio para Saumur à procura de serviço, animada por aquela robusta coragem que não se recusa a nada.

O senhor Grandet pensava na ocasião em casar-se, e já queria montar casa. Reparou naquela moça, rejeitada de porta em porta. Sabendo avaliar a força corporal, na sua qualidade de tanoeiro, adivinhou o partido que podia tirar de uma criatura fêmea talhada como um Hércules, plantada sobre os pés como um carvalho sexagenário sobre suas raízes, forte de ancas, quadrada de ombros, com mãos de carreteiro e uma probidade tão rigorosa como a sua intacta virtude. Nem as verrugas que ornamentavam aquele rosto marcial, nem a tez cor de tijolo, nem os braços nervosos, nem os trapos de Nanon assustaram o tanoeiro, que ainda estava na idade em que o coração estremece. E, em conseqüência, vestiu, calçou, alimentou a pobre rapariga, deu-lhe um ordenado e a empregou, sem maltratá-la muito.

Vendo-se acolhida dessa maneira, a grande Nanon chorou secretamente de alegria e, com toda a sinceridade, apegou-se ao tanoeiro, que, aliás, a explorou feudalmente.”


...

A senhora Grandet era uma mulher seca e magra, amarela como um marmelo, desajeitada, lerda; uma dessas mulheres que parecem feitas para ser tiranizadas. Tinha ossos grandes, um nariz grande, testa grande, olhos grandes e oferecia, ao primeiro aspecto, uma vaga semelhança com essas frutas fiapentas que não têm nem sabor nem suco. Seus dentes eram escuros e raros, sua boca enrugada, seu queixo tinha a forma dita de galocha. Era uma excelente mulher, uma verdadeira La Bertellière. O abade Cruchot sabia encontra ocasiões para dizer-lhe que não tinha sido feia, e ela acreditava. Uma doçura angélica, uma resignação de inseto judiado pelas crianças, uma piedade rara, um inalterável equilíbrio de gênio, um bom coração, fizeram-na universalmente lastimada e respeitada.

(Um das 88 narrativas – entre romances e novelas curtas – que compõem a magistral ‘A Comédia Humana’, Eugènie Grandet, originalmente publicado em 1833, inaugura as ‘Cenas da Vida Provinciana’, que, por sua vez, está contida em um das três subdivisões d’A Comédia, ‘Estudos de Costumes’ – as outras são ‘Estudos Filosóficos’ e ‘Estudos Analíticos’. Um dos mais aclamados romances de HONORÉ DE BALZAC, ‘Eugènie’ conta a história de uma típica família burguesa do interior, e por tabela, faz um retrato da sociedade francesa da época: o patriarca, senhor Grandet, ex-toneleiro, ao casar herda a fortuna da mulher, e acaba tornando-se um bem sucedido vinhateiro. Um belo dia, um sobrinho vindo de Paris, Charles, aparece em sua casa. É filho do irmão do Sr. Grandet, que, em função das dívidas, acaba de suicidar-se. O Sr. Gandet inicialmente o acolhe, mas pensa no sobrinho apenas como uma boca a mais a alimentar. O sobrinho e Eugènie, filha do Sr. Grandet, se apaixonam, mas para o velho, expressão máxima da avareza, tudo é negócio, e ele não imagina outro destino para a filha que não o casamento com alguém igualmente de posses, pra que a fortuna se multiplique – e a essas alturas, Eugènie já é disputada por duas famílias da região. Balzac, nascido em 20 de maio de 1799 em Tours, teve que fazer um trato com a família para dedicar-se à sua vocação de escritor: tendo formado-se em Direito, com três anos de profissão chegou à conclusão que muito mais produtivo seria lançar-se aos relatos ficcionais do que vira nos tribunais – as intrigas, as negociatas, os conchavos –, mas a família foi contra. Então ele propôs que a família o sustentasse por um ano e se a nova atividade não lhe trouxesse autonomia financeira, voltaria a advogar. Dedicou-se, então, à leitura dos clássicos, mas no período combinado, escreveu apenas uma tragédia para o teatro. Mostrou-a a seu professor de literatura, e a resposta, cruel e lacônica, foi: “faça qualquer coisa, menos literatura”. Mas Balzac não desistiu: como o sucesso da época eram os romances sentimentais, ele publicou algumas histórias do tipo, em jornais e revistas, e aos poucos foi encontrando o caminho do sucesso, ao passo que ia distanciando-se da escrita folhetinesca, forjando seu estilo realista e compondo grandes painéis da burguesia de seu tempo. Balzac vivia para a literatura: chegava a escrever por até 20 horas por dia, turbinado por litros e litros de café, o que deve ter contribuído bastante para sua vida curta: morreu em 1850, em Paris, com 51 anos, três meses depois de se casar com Madame Hanska, uma rica polonesa com quem se correspondeu por mais de 15 anos. Victor Hugo discursou no seu enterro. Em frente a seu túmulo, há uma estátua esculpida por Rodin. Deixou ensaios, peças de teatro, poesia, panfleto, mas o filé de sua obra mesmo é ‘A Comédia Humana’, que embora irregular – sabe como é, o cara escrevia rápido demais –, deixou romances clássicos como ‘A Menina dos Olhos de Ouro’, ‘A Pele de Onagro’, ‘A Prima Bette’, ‘Esplendor e Miséria das Cortesãs’, ‘Ilusões Perdidas’, ‘O Coronel Chabert’, ‘O Pai Goriot’, ‘O Primo Pons’. Chegou a ser aclamado em vida mas obteve mesmo o reconhecimento unânime como um dos maiores nomes da literatura de todos os tempos depois de morto. Otto Maria Carpeaux, gigante da crítica literária, chega a dizer que “a história do romance como gênero literário divide-se em duas épocas: antes e depois de Balzac”. A obra de Balzac, editada no Brasil primeiramente pela Editora Globo com tradução e notas de Paulo Rónai, outro bambambam da crítica, vem sendo relançada pela L&PM, que promete disponibilizar toda ‘A Comédia Humana’ (‘A Menina dos Olhos de Ouro’, ‘A Pele de Onagro’, ‘Esplendor e Miséria das Cortesãs’, ‘Ilusões Perdidas’, ‘O Coronel Chabert’ – seguido de ‘A Mulher Abandonada’ –, ‘O Pai Goriot’, ‘Estudos de Mulher’, ‘Ferragus’, o popular ‘A Mulher de Trinta Anos’ – que popularizou a expressão “balzaquiana” –, ‘O Lírio do Vale’, ‘A Duquesa de Langeais’ e ‘A Vendeta’ – seguido de ‘A Paz Conjugal’ – já saíram), mas boa parte dela está disponível digitalmente através do Projeto Gutenberg).


Balzac por Rodin: se tivesse ouvido a família ou seguido o conselho de seu professor, o mundo jamais teria conhecido a monumental 'A Comédia Humana'

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Paradão da Semana (1º a 05/06/2009)

Terrapin’ (Syd Barrett)
Kids Don’t Follow (Replacements)
ELO Kiddies (Cheap Trick)
Dirty Boots (Sonic Youth)
Threads (Portishead)
Open Up (Leftfield c/ John Lydon)
Funkyar (Spacetime Continuum)
Casino (Spring Heel Jack)
Twift Shoeblade (Mouse On Mars)
4 (Aphex Twin)
Picnic in the Summertime (Deee-Lite)
Lady Grinning Soul (David Bowie)
New Gods (Meat Puppets)
Gimme Gimme Shock Treatment (Ramones)
A Big Day Coming (2nd Version) (Yo La Tengo)
Risingson (Massive Attack)
Red Alert (Basement Jaxx)
Kelly Watch the Stars (Air)
Hedspin (Plaid)
Pacific 202 (808 State)
Move Any Mountain (Shamen)
Brown Paper Bag (Roni Size & Reprazent)
Far Gone and Out (Jesus and Mary Chain)
Park Avenue (Girls Against Boys)
The N.W.R.A. (ao vivo) (Fall)
Natural Decline ((Smog))
Sword of Damocles (Lou Reed)
Back of a Car (Big Star)
Night By Night (Steely Dan)
A Gaiola do Som (Wado)
The Real Thing (Faith No More)
Israel (ao vivo, ‘Nocturne’; intro: ‘Birds of Fire’, Igor Stravinsky) (Siouxsie and The Banshees)
Back to Base (Fugazi)
Damaged Goods (Gang of Four)
World at Large (Modest Mouse)
Sickness (Iggy Pop)
Don’t Go Near the Water (Beach Boys)
Jingo (Santana)
Hotwax (Beck)
Estação Primeira (Gueto)

Anger is an energy

Dizer que os anos 60 são únicos no panorama social e cultural do século passado é chover no molhado: do movimento pelos direitos civis na América às barricadas comandadas por Daniel Cohn-Bendit no maio de 68 parisiense, da luta contra as ditaduras terceiro-mundistas à revolução sexual, a expansão da consciência pelo uso do ácido lisérgico propagada por Timothy Leary, os cinemas novos no Brasil e na Alemanha à nouvelle vague, a consolidação do cinema autoral europeu em todo o mundo, o cinema americano adotando um tom mais crítico com Penn, Cassavetes, Peckinpah, a eclosão da contracultura ... Mesmo que a revolução não tenha sido possível e o sonho tenha acabado deixando um clima de desolação no ar, a década de 1960 mudou tudo – embora tenha produzido obras que com o tempo foram perdendo o caráter de vanguarda e assumindo ares de coisa datada, efêmera, identificada demais com o período. O que é do jogo, sempre acontece: quantos filmes não causaram tremendo impacto em sua época mas perderam sua força com o passar dos anos, restando hoje apenas a lembrança de terem sido marcantes em seu tempo mas não terem sobrevivido, sem adquirir aquele desejável status de registro atemporal? Até ‘Sem Destino’ (‘Easy Rider’), a primeira coisa a vir à cabeça quando se relaciona o cinema à contracultura, é hoje considerado um filme um tanto envelhecido (com ‘Hair’, a coisa também não é lá muito diferente). Felizmente, não é o que acontece com o inglês‘If....’, clássico filme de rebeldia juvenil lançado em 1968 e pela primeira vez disponível em DVD no mercado brasileiro, via Lume Filmes – por sinal, jamais havia sido lançado antes em VHS por aqui.

Ainda que fortemente influenciado pela inquietação do período, a força do filme do realizador Lindsay Anderson segue intacta, 41 anos após seu lançamento. Muito em função do humor: acima do tom de confronto entre os rebeldes da classe e a instituição, que tanto fez a cabeça do público jovem de sua época, ‘If...’ tem sua força na sátira ácida que faz dos "mestres" e dos veteranos da escola – e em última análise da fleumática e repressora sociedade inglesa. Mick Travis (Malcolm McDowell) é um dos estudantes de uma conservadora escola pública inglesa. Logo que aparece em cena, se apresentando para o ano letivo, percebemos tratar-se de um sujeito peculiar: ele esconde o rosto para não mostrar o bigode, que certamente não será tolerado na escola, e alguém comenta "Deus, é o Guy Fawkes de novo". Fawkes, integrante da chamada "Conspiração da Pólvora", que tentou colocar fogo no Parlamento britânico no século XVII e serviu de inspiração para a antológica graphic novel ‘V de Vingança’, de Alan Moore, é apenas a primeira das citações de insurgentes, revolucionários e ícones da esquerda que aparecem no filme: nas paredes do quarto de Travis e seus amigos, tem fotos do Che, foto de Mao ..., até do Touro Sentado. Travis é da turma dos deslocados no colégio, do grupo de inconformistas, que inclui ainda Wallace (Richard Warwick) e Johnny (David Wood). São chamados de "a escória" pelos "whips", que por sua vez são os estudantes veteranos a quem é dada pela instituição uma posição de superioridade em relação aos demais. São encarregados de fazer a ordem prevalecer, e é lógico que o conflito não vai demorar a surgir – até porque os "whips" ("chicote", em inglês, sacou?) não economizam no sadismo.

Um dos grandes motivos do impacto do filme é justamente o retrato impiedoso que faz da violência – física e psíquica – que rola intra-muros. Humilhações, surras, castigos sem motivo, ... os whips aproveitam-se de sua fajuta ascendência hierárquica pra cometer abusos à vontade. Não são os únicos: numa determinada sequência, os "juniors" resolvem pendurar um colega de cabeça pra baixo em uma das cabines do banheiro, de modo que o pobre fique com a cabeça dentro do vaso (!). Mas as principais vítimas serão o trio de rebeldes, em especial o insolente Travis: seu maior inimigo entre os "whips" é Rowntree (Robert Swann), o mais arrogante da "casta". Ele vai ter sua chance de castigar Travis e turma – que lá pelas tantas resolve sair pra anarquizar, "esgrimando" na rua, roubando uma moto de uma revenda na maior ... O negócio é que o trio é chamado à sala dos "whips" pra dar explicações e Rowntree pergunta se têm algo a dizer. Wallace e Johnny fazem que não com a cabeça. Mas Travis responde, e não de maneira muito delicada: "Sim, eu tenho. O que eu odeio em você, Rowntree, é a maneira com que dá Coca-Cola à escória e seu melhor bonequinho à Oxfam, e espera que lambamos seus dedos frígidos pelo resto de sua vida frígida". Claro que não vai ficar assim, e vai sobrar pra todos – mas Rowntree vai esmerar-se especialmente no castigo a Travis, numa das cenas mais famosas e impactantes do filme. Tampouco a "guerra" terá seu capítulo final por aqui – e na sequência final, ainda mais memorável, Travis e sua gangue vão se vingar de tudo e todos, com evidentemente satisfação. (Mesmo que tudo não passe de alegoria). ‘If...’ teve problemas com a censura, levando um certificado ‘x’ na época de seu lançamento no Reino Unido e não é difícil imaginar o por quê: as cenas do cruel castigo físico imposto aos alunos – ao que se diz, coisa comum em escolas inglesas da época –, a prática do "fagging" – idem – dos whips, que, entre outras coisas exigiam que a "escória" lhes esquentasse os assentos no banheiro, o romance entre Wallace e Bobby, que num dado momento passam a dormir juntos ... Nada disso, porém, impediu o sucesso do filme, que ainda levou o Grande Prêmio do Festival de Cannes, em 1969, ainda por cima num ano emblémático: no ano anterior, o Festival (realizado justamente no histórico mês de maio) foi paralisado por conta da insurreição do presidente do júri, Louis Malle, de Truffaut, Berri, Lelouch, Polanski e Godard, que invadiram a grande sala do Palácio, exigindo a interrupção da projeção em solidariedade aos operários e estudantes em greve e também pra protestar pela demissão pelo governo de Henri Langlois do cargo de presidente da Cinemateca da França.

O filme é dividido em oito capítulos: ‘Moradia Estudantil: O Retorno’, ‘A Academia: Mais Uma Vez Reunidos’, ‘Tempo do Período’, ‘Ritual e Romance’, ‘Disciplina’, ‘Resistência’, ‘Rumo à Guerra’ e ‘Guerrilheiros’. À cena final, que mostra Travis empenhadíssimo em sua tarefa de vingar-se contra os opressores, segue-se o enigmático título, em letras vermelhas. É certo que ‘If ...’ é uma sátira do livro ‘Stalky & Co.’, também sobre três estudantes que se rebelam, de Rudyard Kipling, cujo mais famoso poema também chama-se ‘If’ (mas sem as reticências). Entre vários aspectos que chamaram a atenção à época está uma curiosa alternância da fotografia, entre o colorid (99,99999% do filme) e o preto e branco, o que deu muito pano pra manga em termos de interpretação: a primeira vez que aparece é em uma cena em que um novo sub-mestre da escola vai conhecer seu quarto, mas a variação súbita vai ocorrer em diversos momentos, aparentemente sem nenhuma razão específica. Nos extras da edição americana em DVD – pela prestigiada Criterion Collection –, McDowell explica que a opção deveu-se basicamente por questões de economia (de tempo e dinheiro): as cenas da capela não poderiam estender-se demais, e em função do tempo limitado, Anderson optou pelo p&b. Achou bacana o resultado e acabou mantendo. Além disso, mais tomadas tiveram de ser feitas ao final das filmagens, e como o orçamento já tava estourando, vai mais preto-e-branco aí e tamos conversados. Outra peculiaridade que chama a atenção na fotografia do filme, a cargo do checo Miroslav Ondrícek – conhecido dos filmes de Milos Forman –, os tons sépia usados especialmente nas cenas surreais, se dá mais ou menos pelo mesmo motivo e não por questões estéticas: as enormes janelas do colégio afetavam as lentes, pois não hviaa como obstruir a passagem de luz, então ficou assim também.

If....’, o terceiro filme de Lindsay Anderson, teve Albert Finney como um de seus produtores, Chris Menges (mais tarde diretor de ‘O Império Contra-Ataca’ e ‘A Missão’) como cameraman e Stephen Frears (aclamado cineasta de ‘Ligações Perigosas’, ‘Os Imorais’, ‘A Rainha’) como assistente de direção. É herdeiro legítimo da nobre linhagem de filmes sobre rebelião juvenil, que tem seu primeiro marco lá em 1932 com ‘Zero de Conduta’, de Jean Vigo – influência mais do que confessa de Anderson em seu filme – e segue com títulos como ‘Blackboard Jungle’ (1955), de Richard Brooks, ‘Juventude Transviada’, de Nicholas Ray (também de 1955), ‘A Guerra dos Botões’ (1962), de Yves Robert, e vai dar crias indefinidamente (‘A Sociedade dos Poetas Mortos’, de Peter Weir, por exemplo). Um dos principais artífices, junto com Karel Reisz (‘Morgan!’, ‘A Mulher do Tenente Francês’) e Tony Richardson (‘The Entertainer’, ‘The Loneliness of the Long Distance Runner', ‘As Aventuras de Tom Jones’), do chamado Free Cinema inglês (a "British New Wave"), Anderson pretendia injetar consciência social nos filmes britânicos, dando voz sobretudo às classes operárias. Antes de estrear na ficção com um clássico, ‘This Sporting Life’, tido até hoje como sua obra-prima, o diretor já acumulava currículo mais que respeitável: além de realizar prestigiados documentários desde os anos 40 – seu curta ‘Thursday’s Children’ foi premiado com o Oscar em 1954 –, foi crítico da Sight & Sound, umas das principais revistas de cinema do mundo (até hoje). Sobre seu filme de estreia, aliás, cabe dizer que foi um dos mais influentes trabalhos não só do pessoal do Free Cinema mas de toda a história do filme britânico: ‘This Sporting Life’ – por sinal, prometido há tempos pra lançamento nacional pela Versátil –, com Richard Harris no papel de de Frank, mineiro que ascende à condição de ídolo do rúgbi tão rápido como põe a perder tudo em função de seu temperamento auto-destrutivo, é a principal inspiração de ‘Touro Indomável’, de Martin Scorsese, que confessou também ter batizado de Travis Bickle seu atormentado ‘Taxi Driver’ em função do personagem de Malcolm McDowell em ‘If...’. Personagem que voltaria em mais dois filmes, em diferentes épocas de sua vida, ‘O Lucky Man!’ (de 1973, Travis aqui quer se tornar um bem-sucedido profissional de vendas) e ‘Britannia Hospital’ (de 1982, aqui a sátira é ao sistema de saúde britânico), convertendo-se em uma espécie de alter ego de Anderson. Mais ou menos como o atrapalhado Antoine Doinel de Jean-Pierre Léaud foi para François Truffaut, o Travis composto por McDowell, além de perfeito como retrato do angry young man inglês típico, também serviu como uma espécie de treinamento para o papel que marcou sua vida: o sociopata Alex, de ‘Laranja Mecânica’. Anderson e McDowell trabalharam juntos também na adaptação para TV da peça ‘Look Back in Anger’ (1980), de John Osborne – tendo, mais uma vez, como personagem principal um sujeito (very very) angry.

Lindsay Anderson, nascido em Bangalore, na Índia, em 17 de abril de 1923, ainda trabalharia no teatro e na TV (realizando tanto documentários como obras de ficção) até falecer em 30 de agosto de 1994. Seu último trabalho para cinema foi ‘As Baleias de Agosto’, de 1987, com as veteraníssimas Lilian Gish (também em seu último filme) e Bette Davis (penúltimo). Relembrando seus tempos de crítico, ainda publicou um estudo sobre a obra de John Ford, ‘About John Ford’, em 1983.


Anderson: a left wing do cinema inglês



McDowell, três anos antes de 'Laranja Mecânica', como Travis: inspiração para o taxista de Scorsese e a cara do young angry man nas telas