quinta-feira, 29 de outubro de 2009

COMPANHIA MAGNÉTICA NO RÁDIO (7)

No COMPANHIA MAGNÉTICA deste sábado, 31 de outubro, no horário especial das 9 da noite na FM CULTURA (107.7 ou www.fmcultura.com.br), vamos estar apresentando o primeiro programa dedicado a uma banda só, e uma das 10 mais de sempre de CM: os góticos originais SIOUXSIE AND THE BANSHEES (pelo óbvio motivo de que sábado é dia de Halloween, é claro). Vamos rodar faixas dos cinco primeiros discos do grupo - 'The Scream' (1978), 'Join Hands' (1979), 'Kaleidoscope' (1980), 'Juju' (1981) e 'A Kiss in the Dream House' (1982) -, justamente a fase mais quente do grupo. O playlist tá aí embaixo. Enjoy!

Nosso especial de ‘Halloween’, o primeiro COMPANHIA MAGNÉTICA dedicado inteiramente a apenas um artista – no caso, uma das poucas bandas da história do rock que podem se gabar de ter inventado um estilo, o gótico. As origens do grupo, ideia da cantora Susan Janet Dallion e do baixista Steve Severin, remontam a um show do Roxy Music em setembro de 1975, em Londres, em que se encontraram. Severin lembra que na época "era possível ver toda semana bandas como o Can e os New York Dolls, mas como o glam rock estava murchando e Bowie e o Roxy ficando grandes demais, não havia muita coisa com que se pudesse identificar". Até que apareceram os Sex Pistols – e ao redor deles, formou-se o famoso "contingente do Bromley", um grupo de fãs que os seguia por toda a parte e incluía também Tony James e Billy Idol, que logo fundariam o Generation X. Severin e Susie – agora com o nome alterado para Siouxsie Sioux – estreariam então em 20 de setembro de 1976 e a banda tiraria seu nome de um filme b de terror inglês de 1970 estrelado por vincent Price, ‘The Cry of a Banshee’. Detalhe: os Banshees substituíram um grupo que se apresentaria no lendário Punk Festival organizado por Malcolm McLaren no 100 Club londrino e que desistiu na última hora. Susie então convenceu Severin e mais duas outras figuras que frequentavam a cena a punk local a tocar uma versão de 20 minutos de ‘The Lord’s Prayer’, o que irritou profundamente a maioria da platéia. (Ah, os outros dois ‘músicos’ da banda eram o guitarrista italiano Marco Pirroni, que depois tocaria com Adam & The Ants, e um baterista de nome John Simon Richie – que entraria para a história do rock a seguir sob o codinome Sid Vicious). Mas a formação que gravaria o primeiro single, ‘Hong Kong Garden’, e o álbum de estreia, ‘The Scream’, ambos de 1978, já seria outra, com o guitarrista John McKay e o baterista Kenny Morris – que também não durariam muito no grupo.

Apesar da boa repercussão do primeiro disco, a banda teria problemas na sequência, com as saídas de Morris e McKay. Eles ainda registrariam suas participações em ‘Join Hands’ (1979), o álbum seguinte – recebido com reservas pela crítica, basicamente por tratar-se de uma repetição do primeiro –, mas deixaram Siouxsie e Severin na mão bem no momento em que se preparavam pra primeira grande tour do grupo. Pra preencher as datas já agendadas, o manager do grupo sugeriu Budgie, que tocava com as Slits, pra bateria, e pra guitarra, o próprio Robert Smith, líder do Cure, banda então encarregada de abrir os shows dos Banshees, ofereceu seus serviços – mas teve de voltar ao Cure e seus compromissos logo depois. No seu lugar, entra então o melhor guitarrista que passou pela banda, John McGeoch, ex-Magazine (banda de Manchester que mereceu um míni-especial aqui semana passada), mas no terceiro álbum, ‘Kaleidoscope’ (1980), toca também o guitarrista dos Pistols, Steve Jones. Esse é provavelmente o disco mais variado dos Banshees, onde começam a aparecer as primeiras referências psicodélicas, e o som, mas sofisticado, inclui drum machines, sintetizadores, cítara e uma série de efeitos sonoros. O álbum também fez bonito nas paradas, chegando ao quinto lugar nos charts britânicos, e emplacou os hits ‘Happy House’ e ‘Christine’. São dessa época também os primeiros shows americanos dos caras – tocaram em Nova Iorque em novembro de 1980.

Na sequência de ‘Kaleidoscope’, vem aquele que pra muitos é o melhor disco de Siouxsie and The Banshees: ‘Juju’ (1981), mais sombrio do que o anterior, com John McGeoch definitivamente integrado (e entrosado) ao grupo, foi praticamente todo testado ao vivo antes de ser gravado: os caras tocaram sucessivas vezes ao vivo as músicas antes de registrá-las. Também fez sucesso: chegou ao nº 7 das paradas na iIlha. Por essa época, também começava a se formar o primeiro projeto paralelo de integrantes do grupo – no caso, os Creatures, do agora assumido casal Siouxsie e Budgie, com grande influência de world music, o que viraria uma marca do trabalho dos Banshees em seguida, como prova o quinto álbum, ‘A Kiss in the Dream House’ (1982). É definido pela cantora Siouxsie como um disco "sexy". O problema é que de novo a banda passariam por mudanças em sua formação: o guitarrista McGeoch, com problemas de saúde relacionados ao alcolismo, teve de se internar em Madri, dando chance para que mais uma vez Robert Smith assumir o posto. Como depois da recuperação, McGeoch resolveu não voltar à banda, o homem de frente do Cure acabou ficando, participando das gravações dos álbuns ‘Nocturne’ (1983, ao vivo) e ‘Hyaena’ (1984, o primeiro lançamento dos Banshees no Brasil), até que sua banda novamente precisasse de sua atenção em tempo integal novamente – a partir do estouro de ‘The Head On The Door’, em 1985. Mas embora a banda ainda registrasse grandes álbuns depois – como ‘Tinderbox’, em 1986, ‘Peepshow’ (1988) e ‘Superstition’ (1991), a fase realmente quente da banda, pode-se dizer, é a dos cinco primeiros discos.

1º bloco:

Hong Kong Garden



Mirage






Playground Twist






2º bloco:
Happy House
Christine
Paradise Place




Israel

3º bloco:

Spellbound
Arabian Nights
Sin in My Heart



Cascade
Melt!














Budgie, Siouxsie e Severin, o trio básico: eu era gótico antes de você ser gótico






Com McGeoch (ao fundo), um dos raros 'guitar heroes' do pós-punk: a melhor formação

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

COMPANHIA MAGNÉTICA NO RÁDIO (6)

Playlist do programa deste sábado, 24/10, excepcionalmente às 21h (*) na FM CULTURA, 107.7 (ou www.fmcultura.com.br):

(*) não esquece que neste e nos próximos três sábados, o programa vai ao ar uma hora mais cedo. Depois, volta ao horário tradicional.


1º bloco:

LYNNFIELD PIONEERS – Maximum Sunshine
Divertido trio novaiorquino formado no Brooklyn em 1997 (já encerrou as atividades), teve o nome tirado do time de futebol dos caras nos tempos de colégio e descrevia seu som como ‘hip-hop-no-wave’. Mais uma banda que não tinha baixo: os integrantes era o cantor e tecladista Dan Cook, o guitarrista Mike Janson e o baterista John Paul Jones (não é a mesma pessoa que o baixista do Led Zeppelin, é claro). Deixaram um E.P. e dois álbuns – sendo o último ‘Free Popcorn’, de 1999 – e chegaram a ser sensação do circuito alternativo novaiorquino por um tempo.

LIARS – Mr. Your On Fire Mr.
Uma das principais bandas da atualidade, os caras são ex-estudantes de artes californianos, que mudaram-se pra Nova Iorque – onde surgiram, no começo desta década, junto com Yeah Yeah Yeahs, Strokes e TV On The Radio – e de lá pra Berlim, onde residem atualmente. As principais influências do grupo são basicamente daqueles grupos pós-punk britânicos que fundiam ruído, experimentalismos e uma levada funk – tipo o P.I.L., a Gang of Four, A Certain Ratio e o Pop Group. Têm quatro álbuns, todos elogiados, sendo que o último, de 2007, leva apenas o nome da banda. ‘They Threw Us All in a Trench and Stuck a Monument On Top’, o debut, veio em 2001.

JONATHAN FIRE-EATER – Give Me Daughters
Banda que encerrou as atividades há mais de 10 anos, foi citada aqui no último programa, quando a gente rodou o The Walkmen, formado a partir dos escombros do Jonathan Fire-Eater e também dos Recoys. O Fire-Eater era um quinteto formado por amigos que cresceram juntos em Washington D.C. e mudou-se pra Nova Iorque, onde os caras passaram a viver juntos. Não tardariam a tornar-se uma das sensações da cidade, por conta de suas apresentações ao vivo, e após o elogiado E.P. ‘Tremble Under Boom Lights’, assinaram com a DreamWorks, lançando em 1997 o igualmente bem recebido álbum ‘Wolf Songs for Lambs’, que infelizmente não se garantiu em termos de vendas, e a banda resolveu então encerrar as atividade no ano seguinte.


2º bloco:

BUILT TO SPILL – Hindsight
Pouco conhecida por aqui, mas já veterana da cena alternativa americana (não se pode falar em indie, pois foram contratados pela Warner em meados da década passada e lá estão até hoje). O Built to Spill foi formado em 92 em Boise, Idaho, por Doug Martsch, guitarrista, vocalista e compositor – e o dono da bola: o BTS, basicamente, é um veículo dele. O som do grupo também tem ênfase na guitarra do cara – é a típica guitar band indie americana dos anos 90, cujo som faz referência a Neil Young & Crazy Horse e Television, entre outros. ‘There Is No Enemy’, que saiu lá fora no início do mês, é o oitavo álbum da banda desde 1993 (são 7 discos de estúdio e 1 ao vivo).

WILD BEASTS – Hooting & Howling
Grupo inglês de Leeds, começou em 2002 como um duo, formado pelo cantor Hayden Thorpe e pelo guitarrista Ben Little à época, a dupla se chamava Fauve. A principal marca do WB é a voz em falseto de Thorpe, que lembra algumas velhas gravações dos Smiths. Os caras, que hoje são um quarteto, já têm dois álbuns em apenas dois anos: ‘Limbo, Panto’ foi lançado no ano passado, ‘Two Dancerssaiu agora em setembro.

BEACH HOUSE – Wedding Bell
Duo americano de Baltimore, tem a curiosidade de ter na sua formação a sobrinha do compositor francês Michel Legrand, Victoria, nos vocais e teclados – o outro integrante é o também vocalista e tecladista Alex Scally. O som dos caras é um dream pop elegante e agridoce, valorizado pela voz suave de Victoria. Estão na ativa desde 2005, e têm dois discos: ‘Beach House’, de 2006, e ‘Devotion’, do ano passado.

THE DIRTY PROJECTORS – Stillness is the Move
Projeto de Dave Longstreth, um ex-estudante da prestigiada universidade de Yale, que resolveu largar tudo pra se dedicar à carreira musical. O primeiro álbum do cara, ‘The Graceful Fallen Mango’, leva apenas seu nome, já no seguinte, ‘The Glad Fact’, já aparece o nome The Dirty Projectors, que tem um som experimental mas de teor pop, formação flutuante e chega a ter 6 ou 7 integrantes ou até mais. Um dos mais curiosos lançamentos dos caras é o álbum de 2007, ‘Rise Above’, em que Longstreth e parceria recriam 11 das 15 faixas de ‘Damaged’, clássico hardcore do Black Flag. O disco mais recente é ‘Bitte Orca’, já cotado como um dos melhores lançamentos de 2009.


3º bloco:

especial MAGAZINE – ‘Real Life’ (1978)
O especialzinho da semana é dedicado a mais uma daqueles grupos muito falados e pouco ouvidos (pelo menos por aqui) do pós-punk britânico: formado em Manchester pelo ex-Buzzcocks Howard Devoto, o Magazine tinha um som mais elaborado que a maioria de seus contemporâneos, fazendo referência ao Roxy Music, à trilogia berlinense de David Bowie e aos discos mais melódicos e menos ásperos de Iggy Pop, o que não impedia os caras de soarem viscerias e nervosos. Para os padrões punk da época, os músicos do Magazine eram, digamos, quase virtuosos: pelo menos dois deles estão entre os músicos mais talentosos dá época, o guitarrista John McGeouch, que depois tocaria na melhor fase de Siouxsie & The Banshhes e viria ao Brasil com o P.I.L., e o baxista Barry Adamson, que foi integrante dos Bad Seeds de Nick Cave e tem um intrigante trabalho solo que tem uma cara de música para filmes imaginários (e sinistros).
Devoto, um dos personagens do filme ‘A Festa Nunca Termina’ (cúmplice da primeira mulher de Tony Wilson em um vingança praticada no banheiro de uma casa noturna contra um adultério cometido instantes antes pelo marido, também faz uma ponta no filme) foi um dos promotores do famoso show dos Sex Pistols no Lesser Trade Hall em Manchester em 1976 que impulsionou a cena musical da cidade, e saiu dos Buzzcocks logo após o lançamento de ‘Spiral Scratch’ pra formar sua própria banda. O primeiro single do Magazine é ainda uma parceria com seu ex-colega Pete Shelley, ‘Shot By Both Sides’ e foi lançado no começo de 1978, poucos meses após o primeiro show, no inverno do ano anterior. O festejado disco de estreia, ‘Real Life’, viria na sequência, mas sucessivas mudanças de formação atrapalharam a carreira do grupo, que ainda lançaria dois ótimos discos de estúdio – ‘Secondhand Daylight’ (1979) e ‘The Correct Use of Soap’ (1980), além do irregular ‘Magic, Murder and the Weather’ (1981) e o ao vivo ‘Play’, até Devoto largar a barca em maio de 1981. Devoto partiu então para a carreira solo, e, esporadicamente, a banda ainda se reune algumas vezes.

Definitive Gaze
Shot by Both Sides
Motorcade
The Light Pours Out of Me











Howard Devoto à frente do Magazine, no final dos 70's ...






... e nos dias de hoje: 'facilitador', testemunha ocular e protagonista da história

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Versinhos bacanas (25) - People Who Died (JIM CARROLL)

'Teddy sniffing glue he was 12 years old
Fell from the roof on East Two-nine
Cathy was 11 when she pulled the plug
On 26 reds and a bottle of wine
Bobby got leukemia, 14 years old
He looked like 65 when he died
He was a friend of mine

(Chorus:)
Those are people who died, died
Those are people who died, died
Those are people who died, died
Those are people who died, died
They were all my friends, and they died

G-berg and Georgie let their gimmicks go rotten
So they died of hepatitis in upper Manhattan
Sly in Vietnam took a bullet in the head
Bobby OD'd on Drano on the night that he was wed
They were two more friends of mine
Two more friends that died

I miss 'em--they died

(Chorus)

Mary took a dry dive from a hotel room
Bobby hung himself from a cell in the tombs
Judy jumped in front of a subway train
Eddie got slit in the jugular vein
And Eddie, I miss you more than all the others,
And I salute you brother

This song is for you my brother

(Chorus)

Herbie pushed Tony from the Boys' Club roof
Tony thought that his rage was just some goof
But Herbie sure gave Tony some bitchen proof
"Hey," Herbie said, "Tony, can you fly?"
But Tony couldn't fly . . . Tony died

(Chorus)

Brian got busted on a narco rap
He beat the rap by rattin' on some bikers
He said, hey, I know it's dangerous,
but it sure beats Riker's
But the next day he got offed
by the very same bikers

(Chorus)'

(Quinta das 10 faixas e o primeiro single retirado de seu disco de estreia, 'Catholic Boy ', de 1980, 'People Who Died', de Jim Carroll, retrata as mortes precoces de seus amigos, adolescentes na Nova Iorque dos anos 1970. Por incrível que pareça, os versinhos pesados acima não intimidaram as geralmente caretas emissoras de rádio norte-americanas, que fizeram da canção um hit - assim como o compacto subsequente, 'It's Too Late', dos versos 'It's too Late/To fall in Love with Sharon Tate' -, nem, pasmem!, Steven spielberg, que a incluiu na trilha de 'E.T.'. a canção também entrou em 'Dawn of the Dead' e 'Antártida' - neste último, numa versão do autor da trilha, o ex-Velvet John Cale.)


Assim Foi Escrito (11) - HISTÓRIAS EXTRAORDINÁRIAS (Edgar Allan Poe)

Durante um dia inteiro de outono, escuro, sombrio, silencioso, em que as nuvens pairavam, baixas e opressoras, nos céus, passava eu, a cavalo, sozinho, por uma região singularmente monótona – e, quando as sombras da noite se estendiam, finalmente me encontrei diante da melancólica Casa de Usher. Não sei como foi – mas, ao primeiro olhar lançado à construção, uma sensação de insuportável tristeza me invadiu o espírito. Digo insuportável, pois aquele sentimento não era atenuado por essa emoção meio agradável, meio poética, com que o nosso espírito recebe, em geral, mesmo as imagens naturais mais severas da desolação e do terrível. Contemplei a cena que tinha diante de mim – a simples casa, a simples paisagem característica da propriedade, os frios muros, as janelas que se assemelhavam a olhos vazios, algumas fileiras de carriços e uns tantos troncos apodrecidos – com uma completa depressão de alma, que não posso comparar, apropriadamente, a nenhuma outra sensação terrena, exceto com a que sente, ao despertar, o viciado em ópio, com a amarga volta à vida cotidiana, com a atroz descida do véu. Era uma sensação de alguma coisa gelada, um abatimento, um aperto no coração, uma aridez irremediável de pensamento que nenhum estímulo da imaginação poderia elevar ao sublime. Que era aquilo – detive-me a pensar -, que era aquilo que tanto me enervava, ao contemplar a Casa de Usher? Era um mistério de todo insolúvel; não podia lutar contra as sombrias visões que se amontoavam sobre mim enquanto pensava naquilo. Fui obrigado a recorrer à conclusão de que existem, sem a menor dúvida, combinações de objetos naturais muito simples que têm o poder de afetar-nos desse modo, embora a análise desse poder se baseiem em considerações que ficam além de nossa apreensão. Era possível, refleti, que um arranjo simplesmente diferente de particularidades da cena, dos detalhes do quadro, fosse o bastante para modificar, ou talvez, para aniquilar aquela impressão dolorosa. Agindo de acordo com essa ideia, dirigi meu cavalo até a margem escarpada do negro e sombrio lago, que estendia o seu tranquilo brilho junto à casa, e fitei, mas com um estremecimento ainda mais vivo do que antes, as imagens reconstituídas e invertidas dos carriços cinzentos, dos troncos fantasmagóricos e das janelas que se assemelhavam a olhos vazios.

(‘A Queda da Casa de Usher’, 1839)


Desde a infância, tornaram-se patentes a docilidade e o sentido humano de meu caráter. A ternura de meu coração era tão evidente, que me tornava alvo dos gracejos de meus companheiros. Gostava, especialmente, de animais, e meus pais me permitiam possuir grande variedade deles. Passava com eles quase todo o meu tempo, e jamais me sentia tão feliz como quando lhes dava de comer ou os acariciava. Com os anos, aumentou esta peculiaridade de meu caráter e, quando me tornei adulto, fiz dela uma das minhas principais fontes de prazer. Aos que já sentiram afeto por um cão fiel e sagaz, não preciso dar-me ao trabalho de explicar a natureza ou a intensidade da satisfação que se pode Ter com isso. Há algo, no amor desinteressado, e capaz de sacrifícios, de um animal, que toca diretamente o coração daqueles que tiverem ocasiões frequentes de comprovar a amizade mesquinha e a frágil fidelidade de um simples homem.

Casei cedo, e tive a sorte de encontrar em minha mulher disposição semelhante à minha. Notando o meu amor pelos animais domésticos, não perdia a oportunidade de arranjar as espécies mais agradáveis de bichos. Tínhamos pássaros, peixes dourados, um cão, colehos, um macaquinho e um gato.

Este era um animal extraordinariamente grande e belo, todo negro e de espantosa sagacidade. Ao referir-se à sua inteligência, minha mulher, que, no íntimo de seu coração, era um tanto supersticiosa, fazia frequentes alusões à antiga crença popular de que todos os gatos pretos são feiticeiras disfarçadas. Não que ela se referisse seriamente a isso: menciono o fato apenas porque aconteceu lembrar-me disso neste momento.

Pluto – assim se chamava o gato – era o meu preferido, com o qual eu mais me distraía. Só eu o alimentava, e ele me seguia sempre pela casa. Tinha dificuldade, mesmo, em impedir que me acompanhasse pela rua.

Nossa amizade durou, desse modo, vários anos, durante os quais não só o meu caráter como o meu temperamento – enrubesço ao confessá-lo – sofreram, devido ao demônio da intemperança, uma mudança radical para pior. Tornava-me, dia a dia, mais taciturno, mais irritadiço, mais indiferente aos sentimentos dos outros. Sofria ao empregar linguagem desabrida ao dirigir-me à minha mulher. No fim, cheguei mesmo a tratá-la com violência.

Meus animais, certamente, sentiam a mudança operada em meu caráter. Não apenas não lhes dava atenção nenhuma, como, ainda, os maltratava. Quanto a Pluto, porém, ainda despertava em mim consideração suficiente que me impedia de maltratá-lo, ao passo que não sentia escrúpulo algum em maltratar os coelhos, o macaco e mesmo o cão, quando, por acaso ou afeto, cruzavam em meu caminho. Meu mal, porém, ia tomando conta de mim – que outro mal pode se comparar ao álcool? – e, no fim, até Pluto, que, começava agora a envelhecer e, por conseguinte, se tornara um tanto rabugento, até mesmo Pluto começou a sentir os efeitos de meu mau humor’.

(‘O Gato Preto’, 1843)


Voltando sobre nossos passos, chegamos de novo à frente da casa, batemos à porta e, após apresentar as credenciais, os agentes que estavam de guarda permitiram a nossa entrada. Subimos as escadas, até chegar ao aposento onde o corpo de Mademoiselle L’Espanaye fora encontrado, e onde se achavam ainda os dois cadáveres. Como de costume, o aposento permanecia na mesma desordem que ali reinava por ocasião do crime. Nada mais vi além do que fora publicado pela Gazette des Tribunaux. Dupin examinava tudo minuciosamente, sem excluir os corpos das vítimas. Dirigimo-nos, depois, para os outros aposentos e, finalmente, para o quintal. Um gendarme nos acompanhou nessa visita. O exame do local nos manteve ocupados até o cair da noite, quando, então, nos retiramos. A caminho de casa, meu companheiro entrou por um momento na redação de um dos jornais diários.

Já disse que eram muitos os caprichos de meu amigo, e eu sabia como contorná-los. Até o dia seguinte, ao meio-dia, evitou falar sobre o crime. Só então me perguntou, subitamente, se eu observara algo de particular no local da tragédia.Em sua maneira de acentuar a palavra particular havia algo que me fez estremecer, sem que soubesse por quê.

- Não, nada de particular – respondi. Pelo menos, nada que já não houvéssemos lido no jornal.

- Receio que a Gazette – respondeu-me – não tenha penetrado no insólito horror do que aconteceu. Mas deixemos de lado as opiniões ociosas desse jornal. Parece-me que esse mistério é considerado insolúvel devido exatamente à razão que deveria fazer com que fosse considerado de fácil solução. Refiro-me ao caráter outré (NOTA: exagerado) das circunstâncias que o cercam. A polícia está confusa ante a aparente ausência de motivo, quer quanto ao que se refere ao próprio crime, quer quanto à atrocidade do assassino. Está perplexa, também, ante a aparente impossibilidade de relacionar as vozes ouvidas durante a discussão com o fato de não se haver descoberto ninguém nos aposentos superiores, exceto o cadáver de Mademoiselle L’Espanaye, não havendo possibilidade de ninguém ter saído de casa sem que fosse pressentido pelas pessoas que subiram as escadas. A enorme desordem do aposento; o corpo introduzido, de cabeça para baixo, na chaminé; a terrível mutilação do cadáver da senhora idosa – todas essas considerações, aliadas às que acabo de me referir, bem como a outras que não é necessário mencionar, foram suficientes para paralisar as faculdades de raciocínio dos policiais, fazendo com que fracassasse a perspicácia de que se vangloriam. Cometeram o grande erro, embora comum, de confundir o incomum com o absurdo. Mas é por esses desvios do plano das coisas ordinárias que a razão encontra o seu caminho na investigação da verdade, caso isso seja possível. Em investigações como estas em que estamos empenhados, não se deve perguntar tanto ‘o que aconteceu’, mas sim procurar saber ‘se o que aconteceu jamais aconteceu antes’. De fato, a facilidade com que chegarei, ou já cheguei, à solução desse mistério está na razão direta de sua aparente insolubilidade aos olhos da polícia.

(‘Os Crimes da Rua Morgue’, 1841)


(Caso raro de autor que se dá bem tanto no conto – sua grande especialidade, como demonstram os trechos acima –, no romance – escreveu um só, ‘O Relato de Arthur Gordon Pym’, e isso basta – e na poesia – o sensacional ‘O Corvo’ é um deles –, o genial Edgar Allan Poe, geralmente conhecido pelo horror de suas narrativas e por ser o pai espiritual do romance policial e pela personalidade atormentada, teve o azar de, em seu tempo, a criação literária não encher a barriga de ninguém: como não havia uma lei internacional que regulasse os royalties, os editores americanos preferiam piratear trabalhos de escritores ingleses a apostar em novos autores de seu país. Mesmo assim, Poe decidiu tentar viver só da escrita, tendo de contar com a caridade alheia para sobreviver. Some-se a isso uma infância marcada pelo abandono do pai e a morte prematura da mãe, a natureza rebelde que cedo já se formava, o subsequente desacerto com o tutor, a expulsão da carreira militar ... tudo foi confluindo para um desregramento selvagem daí para o alcolismo, e então a morte, precoce, aos 40 anos, em 7 de outubro de 1949, em circunstâncias ainda hoje incertas: o que se sabe é que Joseph W. Walker, o homem que o achou quatro dias antes, delirando nas ruas de Baltimore, apenas relatou que Poe estava "em grande aflição, necessitando assistência imediata". O que ficou para a história foi que suas últimas palavras teriam sido "Senhor, ajude minha pobre alma", mas nem isso é confirmado. O boletim médico fala em "inflamação cerebral", o que se costumava registrar quando se queria dizer que o sujeito morreu por um distúrbio qualquer ligado à dependência alcólica. Tempos depois, várias especulações surgiram: sífilis, cólera, epilepsia, raiva. O que, claro, só fez aumentar o mito em torno de sua figura nas décadas subsequentes – é manjada aquela história do sujeito misterioso que todo ano depositava uma rosa negra e uma garrafa de vinho em seu túmulo, em Baltimore. Mas voltando à obra, vale prestar atenção ao que escreveu Dostoiévski no primeiro número de sua revista ‘O Tempo’, que trazia três contos de Poe – o texto tá no prefácio à edição de ‘O Relato de Arthur Gordon Pym’ pela CosacNaify:

"Este é um escritor particularmente estranho – isso mesmo, estanho, embora de grande talento. Não se pode classificar suas obras imediatamente como fantásticas; mesmo quando parece fantástico, ele o é apenas de forma exterior. Admite, por exemplo, que uma múmia egípcia, jazendo há cinco mil anos nas pirâmides, reviva pelo galvanismo. Admite, de novo por obra do galvanismo, que um morto relate o estado de sua alma etc. etc. Mas isso não constitui ainda o gênero autenticamente fantástico. Edgar Poe apenas admite a possibilidade externa de um acontecimento sobrenatural (aliás, provando sua possibilidade, às vezes de forma extremamente engenhosa) e, tendo admitido esse acontecimento, mantém-se perfeitamente fiel à realidade em todo o restante. Não é esse o fantástico, por exemplo, de Hoffmann. Este personifica as forças da natureza em imagens: introduz em seus contos feiticeiras, espíritos e, às vezes, procura seu ideal fora do mundo terreno, em algum mundo extraordinário e superior, como se acreditasse na existência indubitável desse misterioso mundo mágico ... Seria o caso antes de chamar Edgar Poe não de escritor fantástico, mas de caprichoso. E que caprichos mais estranhos, que coragem nesses caprichos! Quase sempre toma a realidade mais extraordinária, põe seu herói na mais extraordinária situação externa ou psicológica, e, com que perspicácia, com que precisão surpreendente ele relata o estado de alma dessa pessoa! Além disso, em Edgar Poe há justamente um traço que o diferencia de forma decisiva de todos os outros escritores e constitui a sua peculiaridade marcante: a força da imaginação. Não que ele tenha superado outros escritores pela imaginação; mas há uma peculiaridade em sua imaginação que não encontramos em ninguém mais: a força dos detalhes. Tentem imaginar, por exemplo, algo de incomum ou até de inexistente, mas meramente possível; a imagem que que se desenhará diante de vocês sempre conterá traços mais ou menos gerais do quadro ou se deterá em alguma particularidade, em algum detalhe. Mas nos contos de Poe vocês vêem intensamente todas as minúcias da imagem ou do acontecimento apresentados, a tal ponto que finalmente acabam por se convencer da sua possibilidade ou realidade, quando na verdade esse acontecimento é praticamente possível ou jamais aconteceu neste mundo".

NOTA FINAIS de CM: 1) os contos resumidos lá no início estão na coletânea ‘Histórias Extraordinárias’, publicada pela editora Abril no longínquo 1978 – trata-se basicamente da versão nacional da edição francesa, publicada por Baudelaire. Obviamente esgotada, os contos, contudo, podem ser encontrados nas edições pocket da L&PM, ‘Os Crimes da Rua Morgue’ e ‘A Carta Roubada’; 2) Está previsto um filme sobre seus controversos últimos dias, com direção de James McTeigue, realizador de ‘V de Vingança’. O ator que encarnará o escritor não está definido, mas a película deve chamar-se ‘The Raven’ – ‘O corvo’. O especialista em horror Clive Barker e – ai! – Sylvester Stallone tiveram a mesma ideia e já trabalham nela também; 3) como parte das comemorações do bicentenário de nascimento do autor – nasceu em 1809, no dia 19 de janeiro –, a prefeitura de Baltimore, onde faleceu, promoveu um evento simbólico no final de semana passado, realizando algo que Poe não teve em vida: uma pomposa cerimônia funeral.)









Poe, o senhor das trevas, que há 160 anos (07/10/1849) desencarnava: o homem que nos faz acreditar no inacreditável (e temê-lo profundamente)

COMPANHIA MAGNÉTICA NO RÁDIO (5º Programa)

Desta vez, a programação vai com antecedência (xô, chinelagem!). E atenção: neste sábado e nos três subsequentes, excepcionalmente o COMPANHIA MAGNÉTICA vai ao ar às 9 da noite no 107.7 da FM Cultura, em função de programas especiais sobre a Bienal do Mercosul. Então, te liga! Aí vai o playlist:

1º bloco:
LOS CAMPESINOS! – My Year in Lists

Apesar do nome, são galeses de Cardiff. Estrearam em disco ano passado, com ‘Hold On Now, Youngster’. A banda foi formada em 2006 – o primeiro show foi em maio daquele ano, abrindo para o Broken Social Scene –, e a exemplo dos conterrâneos Super Furry Animals e Gorky’s Zygotic Mynci, juntam um monte de referências – folk, punk rock, experimentalismos – e têm uma formação pouco comum: são sete integrantes, e há espaço para violinos, glockenspiel e instrumentos de sopro. No final do ano passado, saiu o segundo disco, ‘We Are Beautiful, We Are Doomed’, ainda sem lançamento americano.

ANIMAL COLLECTIVE – Taste
Na ativa há quase 10 anos, trata-se de um combo de músicos de várias bandas indie americanas, um super projeto paralelo que inclui integrantes dos conceituados Panda Bear, Geologist e Avey Tare. Têm vários E.P.’s e álbuns lançados, o último é ‘Merriweather Post Pavillion’, que saiu esse ano, mais pop que os anteriores, mas ainda usando e abusando das experimentações de estúdio que são sua marca registrada, e com referências que vão de Beach Boys aos Residents.


THE WALKMEN – The Blue Route
Banda novaiorquina, embora seus integrantes sejam naturais de Washington D.C. Na ativa desde, 2000, surgiu dos escombros de duas bandas, Jonathan Fire-Eater (em breve, aqui no CM) e The Recoys. Seu disco de estreia, ‘Everyone Who Pretended to Like Me is Gone’, é, na modesta opinião de CM, um dos dos melhores álbuns de rock da década. Embora o som não seja exatamente experimental – pra facilitar as coisas, o som dos caras lembra, digamos, uma mistura de Tom Waits com Velvet Underground –, são obcecados por testar diferentes técnicas de gravação e instrumentações diversas. São donos, inclusive, de um dos mais conceituados estúdios de Nova Iorque, o Marcata Studio, que começou num complexo industrial quase abandonado no Harlem, fechou, e reabriu suas portas fora da cidade – lá gravou, entre outros, a Nação Zumbi. ‘You & Me’, de 2008, é o quinto e mais recente álbum do Walkmen, um dos preferidos da casa.

ANTONY & THE JOHNSONS – One Dove
Mais um com sede em Nova Iorque, embora o cantor Antony Hegarty tenha se criado na Califórnia – mudou-se pra big apple em 1990. Antony decidiu o que seria na vida quando deparou-se com a figura de Boy George na capa de um álbum do Culture Club. Desde então, criou um grupo teatral chamado Blacklips, que apresentava um cabaré em que ele surgia vestido como a personagem de Isabella Rosselini em ‘Veludo Azul’ e a drag queen que aparece no clipe de ‘Torch’, do Soft Cell. O primeiro disco de A&TJ, homônimo, veio em 2000, depois Antony excursionou com Lou Reed, seu grande fã (cantou em dois discos do ex-líder do Velvet), seu segundo álbum ganhou o conceituado Mercury Prize em 2005, gravou com Björk, participou de um documentário sobre Leonard Cohen, e este ano saiu seu terceiro disco, ‘The Crying Light’.


2º bloco:
WEEN – Voodoo Lady

Os ‘irmãos’ Gene e Dean Ween (na verdade, Mickey Melchiondo e Aaron Freeman) começaram a tocar há 25 anos, quando tinham 14 anos de idade, mas só foram estrear em disco em 1990, com ‘God Ween Satan: The Oneness’. Ali, começava uma das trajetórias mais peculiares da cena alternativa das últimas duas décadas: o som esquisito, bizarro, bem humorado atira pra todos os lados, das trilhas de spaghetti westerne ao punk rock, do soul da Filadélfia à country music mais cafona. O humor dos caras é tão politicamente incorreto que vez que outra os caras têm problemas, por conta de piadinhas com as minorias, sem falar nos temas pesados quando resolvem falar mais sério (abuso infantil, por exemplo). O Ween tem 9 discos de estúdio, radicalmente diferentes um do outro, o mais recente saiu há dois anos, ‘La Cucaracha’. ‘Chocolate and Cheese’, de 1994, é um de seus clássicos.

JON SPENCER BLUES EXPLOSION – Rocketship
Um dos personagens mais peculiares e queridos da cena indie americana desde os tempos dos terroristas sônicos do Pussy Galore, o cantor e guitarrista Jon Spencer, ex-estudante de linguística (!), juntou-se a Russell Simmins (bateria) e Judah Bauer (guitarra) – ou seja, como os Cramps, o Gossip e os White Stripes, são mais uma banda bacana que não tem baixo. O negócio do Blues Explosion – assim como era o do quase inaudível Pussy Galore e do Boss Hog, antigos projetos de que Spencer participava – é fundir o noise e a pegada do punk com o groove do blues e do rockabilly. Ultimamente, Spencer tem se dedicado ao Heavy Trash, duo com Matt Verta-Ray (ex-Madder Rose), que já tocou esse ano no Brasil (São Paulo, Curitiba e Recife) e lança seu terceiro disco, 'M‘dnight Soul Serenade’, no final deste mês. Um dos melhores discos de Jon Spencer Blues Explosion – hoje com o nome abreviado para apenas Blues Explosion – é ‘Now I Got Worry’, de 1997.

ADD N TO (X) – Metal Fingers in My Body
Trio britânico que infelizmente já encerrou suas atividades. Formado em Londres em 1994, deixou cinco discos muito divertidos, fazendo muito barulho à custa de sintetizadores vintage, theremin e outras engenhocas, inspirado nos experimentos de Walter/Wendy Carlos, Edgar Varèse, Brian Eno nos tempos de Roxy Music e Can (o ANTX foi uma das primeiras bandas a trazer de volta a influência do krautrock ao rock, nos 90’s). Também herdaram do Kraftwerk aquela estética homem-robô, só que de um jeito mais trashy: na capa de seu segundo disco, ‘On the Wires of Our Nerves’, a tecladista Ann Shenton aparece numa mesa de cirurgia, com um teclado sendo extraído de suas entranhas. Ao vivo, as apresentações incendiárias da banda – acrescidas do baterista do Stereolab e do baixista dos High Llamas – renderam comparações com o Suicide, dada a selvageria. ‘Avant Hard’, o terceiro álbum, saiu em 1999. Mais um dos preferidos da casa.


3º bloco: especial JIM CARROLL (‘Catholic Boy’, 1980)

Figura característica e quase trágica da cena novaiorquina da Segunda metade doa anos 1970, quase consumiu a existência por conta do alto consumo de substâncias narcóticas (especialmente a heroína): começou o vício na adolescência, quando era considerado um promissor jogador de basquete e já um poeta com obra publicada e reconhecida, e a compulsão o levou a se prostituir e praticar pequenos crimes. A história de sua vida foi transformada em filme em 1995: ‘The Basketball Diaries’, mesmo nome de seu livro de 1978, com Leonardo Di Caprio no seu papel – e aqui pobremente traduzido para ‘Diário de Um Adolescente’.

A trajetória artística do cara começou a ser traçada já aos 12 anos de iade, logo após a leitura de ‘On the Road’, o clássico beat de Jack Kerouac: a partir daí, passou a escrever um diário. Logo depois, já publicaria seu primeiro livro, ‘Living at the Movies’. Já a carreira musical veio sob a inspiração de sua amiga Patti Smith, Carroll gravou suas primeiras demos em 1978, assinando a seguir com a Rolling Stones Records. O álbumd e estreia, ‘Catholic Boy’, veio em 1980, e na sequência deste, ‘Dry Dreams’ (1982) e ‘I Write Your Name’ (1983), ambos creditados a Jim Carroll Band. Como o contrato com a gravadora venceue não foi renovado, nos anos seguintes o cara resolveu dedicar-se à criação literária, apenas esporadicamente compondo material para outros grupos. Só voltaria ao disco em 1991, com ‘Praying Mantis’, que na verdade é um álbum basicamente de poemas declamados – o famoso ‘spoken word’ record, uma tradição americana que ele (e Jello Biafra e Henry Rollins) ajudou a sedimentar. ‘Pool of Mercury’, seu derradeiro registro, contendo poemas e também canções, é de 1998.

Amigo de Patti smith, Lydia Lunch, William Burrough e o pessol do Sonic Youth, Jim Carroll morreu em 11 de setembro último, aos 60 anos, de ataque cardíaco, na mesma Nova Iorque em que nasceu em 1º de agosto de 1949 e viveu suas perigosas aventuras.


Wicked Gravity
People Who Died
I Wanted the Angel
Catholic Boy









O jovem Carroll dos loucos tempos de juventude ...








... e já ancião: por muito pouco não juntou-se aos amigos junkies homenageados em 'People Who Died'

terça-feira, 13 de outubro de 2009

COMPANHIA MAGNÉTICA NO RÁDIO - 4º Programa (10/10/2009)

Mais uma vez, tivemos problemas técnicos (maldito servidor!), então vai a programação do CM do último sábado, só pra não ficar sem registro:

1º bloco:

FLAMING LIPS – Silver Trembling Hands
Estes não decepcionam: do começo ruidoso à incursão por elementos eletrônicos, a banda de Oklahoma City liderada pelo malucaço Wayne Coyne, fundada lá em 1983, é pelo menos desde o começo dos anos 1990, referência de rock psicodélico da melhor estirpe. O novo disco, ‘Embryonic’, é o 13º da carreira, e vai ser lançado na próxima terça-feira – inclusive no Brasil –, mas já foi antecipado pela própria banda com o lançamento de um E.P. com três faixas que era distribuído a quem comprasse ingressos on-line pros shows dos caras no último Pitchfork Music Festival.

MAXÏMO PARK – Wraithlike
Assim como The Ting Tings e Metronomy, que a gente mostrou na semana passada, Sonic Youth, no primeiro programa, Primal Scream, que a gente toca ainda hoje, e os ícones Iggy & The Stooges, o MP toca no Brasil mês que vem, no Planeta Terra Festival. O MP é um grupo britânico de Newcastle, na ativa desde 2001, que retira suas influências básicas do pós-punk, em especial o britânico, assim como várias outras bandas da atualidade, como Franz Ferdinad e Bloc Party (e vocês vão notar como essa música que a gente vai rodar lembra muito o Interpol). Gravam pra londrina Warp – antes especializada em música eletrônica – e têm três discos no currículo, o mais recente é ‘Quicken the Heart’, lançado no final do ano passado na ilha.

GLASVEGAS – Geraldine
Quarteto escocês descoberto pelo visionário Alan MacGee, ex-proprietário da histórica Creation Records, é muito comparado ao Jesus and Mary Chain – pela procedência, Glasgow (daí a óbvia brincadeira no nome) e pelo apadrinhamento de McGee. Quanto ao som, as semelhanças que guardam com o Jesus se dão mais em função do minimalismo, das melodias tristonhas, e das referências aos anos 1960, nada a ver com aquele paredão de microfonia dos irmãos Reid. O álbum de estreia, homônimo foi um dos mais elogiados do ano passado.


THE ANTLERS – Shiva
Novaiorquinos do Brooklyn, começaram como um projeto-solo do vocalista Peter Silberman, que gravava seu sonzinho lo-fi em seu quarto em circunstâncias, digamos, peculiares: um disco foi gravado em plena mudança de apartamento, no meio da bagunça; outro, foi gravado na banheira, em apenas uma hora; e outro ainda, apenas com violão e voz, registrado em apenas uma semana. Até que ele resolveu gravar um disco, digamos, mais cuidado, e então chamou dois músicos conhecidos. O resultado é ‘Hospice’, lançado em agosto último, e que desde a concepção levou quase dois anos pra ser finalizado.


2º bloco: ‘Madchester’ e agregados (inspirado em ‘A Festa Nunca Termina’)

INSPIRAL CARPETS – Saturn 5
O patinho feio entre as bandas de Manchester na época da explosão da cultura rave, não causaram o mesmo frisson de Stone Roses e Happy Mondays, mas ainda assim deixaram vários ótimos singles e 4 álbuns. Diferiam dos Mondays e do SR também em função de não serem exatamente uma banda dançante: soavam mais com uma banda psicodélica genuinamente sessentista, sobretudo por conta do tecladinho Farfisa utilizado na maioria das canções – e até por isso conseguiram sobreviver um pouco mais ao hype do que as outras duas. A principal figura do grupo era o vocalista Clint Boon – que faz uyma ponta em ‘A Festa Nunca Termina’ como um bilheteiro de trem. 'Saturn 5' é do derradeiro disco da banda, 'Devil Hopping', de 1994.

HAPPY MONDAYS – Hallelujah
‘A’ banda da cena de ‘Madchester’, segundo a modesta opinião de CM. Do nome inspirado em ‘Blue Monday’ do New Order às referências à música black americana, passando pela figuraça que era seu vocalista, o doidão Shaun Ruder, sem dúvida nenhuma a grande personagem daquele momento no pop britânico. Até encerrarem as atividades em 1992 – não sem antes se apresentarem no Brasil no Rock in rio 2, em 1991 –, deixaram 4 álbuns de estúdio, sendo clássicos pelo menos dois deles: ‘Bummed’, de 1988, e ‘Pills ‘n’ Thrills and Bellyaches’ (1991). ‘Hallelujah’ é do ‘Madchester Rave On E.P.’, de 1989.

PRIMAL SCREAM – Higher Than the Sun
O único do bloco aqui que não é de Manchester, lançou, contudo, o disco síntese da cena ‘indie dance’, ‘Screamadelica’, em 1991, em uma de suas várias tranformações: do pop ensolarado dos tempos do single ‘Velocity Girl’ ao som stoneano de ‘Give Up, But Don’t Give Up’, passando pelas referências ao kraurock e ao dub. Na verdade, a banda escocesa de Bobby Gillespie, formada em 1984 quando ele ainda era baterista do Jesus & Mary Chain, sempre foi acusada de seguir a onda do momento, o que em parte é verdade, mas os caras sempre tiveram um mínimo de personalidade de fazer a coisa a seu jeito. A guinada rave do PS deu-se por conta da associação do produtor e DJ Andrew Weatherall, que simplesmente transformou uma canção inicialmente chamada ‘I’m Losing More Than I’ll Never Have’ num clássico do dub, ‘Loaded’, um dos tantos grandes momentos de ‘Screamadelica’. Curiosidade: 'Higher ...' foi eleita uma das 10 melhores músicas compostas sobre ou sob o efeito de drogas pela revista inglesa Mojo alguns anos atrás. O negócio aqui é o ecstasy, claro. Voltando ao PS, o disco mais recente da banda – que também toca no Planeta Terra Festival mês que vem em SP – é o esquisito ‘Beautiful Future’, do ano passado.

3º bloco: especial THE FEELIES

Cultuada banda americana formada em 1976, é natural de Haledon, New Jersey, e até encerrar as atividades, em 1992, deixou 4 discos, sendo que o primeiro, ‘Crazy Rhythms’, de 1980, referência de R.E.M., Weezer – que praticamente plagiou a capa do disco no seu álbum de estreia, com uma foto dos caras em trajes nerd e o fundo azul – e o Yo La Tengo. O escritor Rick Moody também é fã de carteirinha dos Feelies. A formação clássica dos Feelies, que gravaou o debut da banda, tinha os guitarristas, vocalistas e percussionistas Bill Million e Glenn Mercer, mais o baixista Keith Clayton (que também era percussionista) e o baterista Anton Fier, e logo que os caras passaram a se apresentar no circuito de clubes novaiorquino já chamaram a atenção, sendo escolhidos ‘a melhor banda underground’ da cidade pelo jornal Village Voice.

Curiosamente, o single de estreia dos caras, ‘Fa-Ce-Lá’, saiu por um selo inglês – a Rough Trade, futura gracadora dos Smiths –, e o álbum de estreia, por outro, a Stiff Records. Como o disco não vendeu o esperado, a pressão sobre a banda começou, e por essa época, Anton Fier deixou o grupo, juntando-se primeiro aos Lounge Lizards de John Lurie, depois fundando os seus Golden Palominos. O álbum seguinte dos Feelies, ‘The Good Earth’, teve produção de um fã: Peter Buck, guitarrista do R.E.M. Nesse meio tempo, também foram convidados a participar do filme ‘Totalmente Selvagem’ pelo diretor Jonathan Demme: os Feelies fazem a banda que toca na festa de encontro da personagem Lulu (Melanie Griffith), com o nome trocado para The Willies. No filme, eles tocam a sua ‘Crazy Rhythms’ e versões para ‘I’m a Believer’, hit dos Monkees, e ‘Fame’, de David Bowie. Após ‘Time for a Witness’ (1991), a banda terminou, e de um jeito dos mais curiosos: Bill Million se mudou pra Flórida sem dizer tchau nem ao menos deixar endereço ou telefone pra contato.

Mas como nada no pop é definitivo, os caras resolveram se reunir mais uma vez ano passado, e desde então abriram pro Sonic Youth, fizeram uma série de shows com lotação esgotada no Maxwell’s – a casa em Hoboken (estado de New Jersey) em que praticamente iniciaram sua trajetória –, participaram de um tributo aos amigos do R.E.M. no Carneggie Hall e ainda tocaram no cultuado All Tomorrow’s Parties Festival o seu antológico álbum de estreia inteirinho e na ordem.


The Boy with The Perpetual Nervousness
Fa-Ce-Lá
Crazy Rhythms
Everybody’s Got something to Hide Except Me and My Monkey

* ‘Crazy Rhythms’ tá saindo lá fora remasterizado e com faixas bônus, assimo como o álbum posterior dos Feelies, ‘The Good Earth’, de 1986.









Os Feelies em 1980 ...







... e em 2009: alguns nerds já sabiam ser cool antigamente

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Frases e diálogos inesquecíveis (26) - SEM LEI E SEM ALMA

Doc: ‘Todos dão um estranho valor à minha vida. Diga, Wyatt, quanto ganha? Cerca de U$ 100,00 por mês e U$ 2,00 por prisão?

Wyatt: ‘Está tentando me subornar?

Doc: ‘Ah, não. Você, não. Sinto-me obrigado a lhe fazer uma proposta honesta. Tem algum dinheiro guardado?

Wyatt: ‘Algum’.

Doc: ‘Vai comprar um rancho ou uma loja no campo um dia? Bem, vou tornar mais fácil pra você: você me banca em U$ 1.000,00 e divido meus lucros. Os vaqueiros estão vindo e o jogo será alto.

Wyatt: ‘50-50, hein?

Doc: ‘Na verdade, um monte de gente ficaria feliz em me bancar por 10%, mas gosto de você, Wyatt Earp. Gosto do seu estilo.

Wyatt: ‘Por que a generosidade na divisão?

Doc: ‘Um barbeiro precisa disso (mostra a lâmina de barbear que tem na mão). Um homem da lei, de uma arma. Sou um jogador. Dinheiro é só uma ferramenta pra mim.

Wyatt: ‘Claro, vai garantir que nunca perderá.’

Doc: ‘Nunca perco. Pôquer é um jogo para desesperados que amam dinheiro. Não perco porque não tenho nada a perder, inclusive minha vida. De acordo?

(Doc Holiday/Kirk Douglas e Wyatt Earp/Burt Lancaster, a mais mítica dupla de heróis do velho oeste, em ‘Sem Lei e Sem Alma’ – infeliz tradução para o clássico ‘Gunfight at O.K. Corral’, dirigido por John Sturges em 1957. Mítica e improvável – ou talvez nem tanto, dada a larga tradição do cinema americano em explorar a colaboração, vacilante no início, quase familar ao final, entre opostos: Wyatt Berry Stapp Earp, o ilibado e temido xerife de fronteira, e John Henry ‘Doc’ Holiday, dentista por formação, jogador de pôquer por vocação, exímio atirador – segundo Earp, ‘o mais veloz e mortal homem com uma arma na mão’ que viu em toda sua vida. Sujeito culto, elegante, mas atormentado, entre outras coisas, por uma tuberculose que o levou à dependência do álcool como forma de aliviar as dores da doença, Doc foi um daqueles personagens da vida real que acabaram tornando-se, fácil, fácil, prato cheio para o cinema. Vaidoso, mas vulnerável, com enorme facilidade para entrar em encrencas e, consequentemente, colecionar inimigos, tinha outro trunfo importantíssimo nos vários duelos à bala em que se meteu: dono de uma frieza inacreditável, segundo se diz, era capaz de manifestar profunda indiferença em situações-limite. O famoso tiroteio do O.K. Corral – localizado em Tombstone, no Arizona –, um dos episódios mais marcantes do imaginário americano de qualquer época, deu-se em 26 de outubro de 1881: um acerto de contas entre Wyatt e seus irmãos, Virgil, Morgan e James, reforçados de Doc, e o bando do criminoso Ike Clanton. O evento todo, que deixou como saldo três mortos do lado de Clanton, durou pouco mais de um minuto, mas, no filme de Sturges – realizador de ‘Sete Homens e Um Destino’ –, é valorizado ao extremo, desde os acontecimentos que levaram ao conflito, passando pela expectativa até chegar à execução. O famoso entrevero motivou vários filmes: ‘Wyatt Earp’ (1994, dirigido por Lawrence Kasdan, com Kevin Costner como o xerife e Dennis Quaid como Doc), ‘Tombstone’ (também de 1994, com direção de George Pan Cosmatos e a dupla Kurt Russell, como Earp, e Val Kilmer, como Doc) e até uma outra versão, tida como mais fiel aos acontecimentos, do próprio Sturges, ‘Hour of the Gun’, rodada dez anos depois de ‘Sem Lei ...’, com James Garner/Wyatt e Jason Robards/Holiday. Isso sem falar em ‘Paixão dos Fortes’, um dos grandes filmes de John Ford, o mestre definitivo do Western, como outros tantos rodado no Monument Valley, e com a dupla Henry Fonda – perfeito como o probo Earp – e, pasmem, Victor Macture – o canastrão tem no registro correto de Doc Holiday 'a' performance de sua modesta carreira.)







O boêmio Holiday/Douglas: com o certinho Earp/Lancaster, formou a dupla dinâmica do velho oeste, páreo duríssimo pra bandidagem