quarta-feira, 18 de agosto de 2010

My Life in Lists – discos (80’s)

RUN DMC – Raising Hell (1986)
Toda uma geração descobriu o rap aqui, e há uma explicação mais do que óbvia: a cover de ‘Walk This Way’, com participação do Aerosmith, autores da canção, inclusive no clipe bem sacado em que a parede é quebrada, resultando no crossover definitivo entre o rock branco e a música black. Mas ‘Raising Hell’ é muito mais que ‘Walk ...’: ‘Peter Piper’, com seu canto de chamada e resposta e levada econômica (uma das marcas da excelente produção do barbudão Rick Rubin) abre os trabalhos, e a elas seguem-se outros clássicos como ‘It’s Tricky’, ‘My Adidas’, ‘Perfection’ (onde o minimalismo chega ao extremo, é praticamente só voz e bateria) ‘You Be Illin´’, as guitarras serra elétrica de ‘Raising Hell’, ‘Dumb Girl’. Pra se ouvir como se ouve um disco de rock – que é o que ele é, na essência.

PUBLIC ENEMY – It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back (1988)
A prova definitiva de que letras de cunho social (até radicais) e postura anti-establishment não são demodé – desde que trabalhadas com talento e honestidade. O mais furioso hip-hop gravado até então, neste segundo disco de Chuck D, Flavor Flav e cia. não perdeu nada nesses 22 anos. ‘Black Steel In The Hour of Chaos’, depois regravada pelo Sepultura, ‘Bring The Noise’, uma das primeiras a utilizar a batida de ‘Funky Drummer’, de James Brown (e que viraria moeda corrente logo, logo), mais tarde regravada pela própria banda em parceria com o Anthrax, e ‘Don’t Believe The Hype’ são os clássicos óbvios, mas tem ainda a cacetada de ‘She Watch The Channel Zero?!’ (com o riff de ‘Angel of Death’, do Slayer, sampleado), ‘Show’Em Watcha Got’, ‘Rebel Without a Pause’ (bela auto-definição) e a resposta ao hedonismo dos Beastie Boys e sua ‘(You Gotta) Fight For Your Right (To Party!)’, em ‘Party For Your Right to Fight’. Sério candidato a melhor disco de hip-hop de todos os tempos, e vale aqui até mais o escrito no texto anterior, sobre o Run DMC: é rock, mais do que todo o rock gravado naquela década e desde então.

PREFAB SPROUT – Steve McQueen (1985)
Esqueça o Simply Red e seu pop soul pretensioso e xarope: o PS fez um dos mais bonitos discos do pop oitentista mixando influências que vão de Marvin Gaye (de quem o cantor e compositor Paddy McAllon sempre foi fã confesso) à country music americana, do soft rock à new wave. Mas o trunfo dos caras eram mesmo as letras inspiradíssimas de Paddy, um dos músicoa que melhor compôs sobre relacionamento nas últimas duas décadas e meia: ‘Bonny’, ‘Faron young’, ‘Apettite’, ‘Horsin´ Around’ ... é uma melhor que a outra. Mas o tiro de misericórdia é mesmo ‘When Love Breaks Down’, capaz de enternecer o mais duro e frio coração. ‘Steve McQueen’ saiu aqui com o título americano, ‘Two Wheels Good’, por complicações com os herdeiros do mítico ator americano, falecido cinco anos antes do álbum. Formado em Newcastle em 1977, o Prefab ainda está na ativa, mesmo com os sérios problemas de visão enfrentados por Paddy.

THE SMITHS – Hatful of Hollow (1984)
Os álbuns clássicos dos Smiths certamente são ‘The Queen is Dead’ (1986) e o primeiro, homônimo, mas a compilação ‘Hatful of Hollow’ tem uma peculiaridade que a faz um registro tão antológico quanto os melhores álbuns de carreira do grupo: traz Morrisey, Marr, Rourke e Joyce tocando ao vivo nos estúdios da BBC em plena forma, arrebatamento e soando absurdamente concisos. Isso sem falar na inclusão de clássicos lançados só em single, faixas maravilhosas que não se encontra em nenhum dos álbuns de carreira da banda. ‘William, It Was Really Nothing’, ‘What Difference Doe It Make?, ‘How Soon is Now?’ (I’m the Son and heir of a shyness that is ciminally vulgar/I’m the son and heir of nothing in particular’), ‘Hand In Glove’, ‘Please, Please, Please, Let Me Get What I Want’, ‘Still Ill’, ‘Handsome Devil’ ... São ao todo 16 faixas sensacionais.

COMSAT ANGELS – Waiting for a Miracle (1980)

Pouco falada, menos ainda ouvida, essa banda inglesa de Sheffield fazia uma música tão densa, desesperançada e gelada que o Joy Divison, e até algumas similaridades podem ser notadas no som: bateria trubal, com farto uso de tom-tons, guitarras esparsas, baixo pulsante. Pensou na Legião Urbana e demais bandas brasilienses dos anos 1980? Sim, chuparam tudo daqui, e como ninguém conhecia o som do CA mesmo, Renato Russo (embora fosse cínico o suficiente pra citar o grupo como uma das grandes influências da Legião) e demais piratas jamais sofreram a execração pública que mereciam – ouvir ‘Independence Day’ chega a dar nojo dos brasilienses. A esquizofrênica ‘Missing In Action’ abre o disco, que tem grandes momentos ainda na faixa-título, em ‘Total War’, ‘Postcard’ ... As versões expandidas trazem bônus bacanas, como ‘Ju Ju Money’ e ‘Home Is The Range’. Pérola infelizmente escondida do brilhante pós-punk britânico.

TOM WAITS – Rain Dogs (1985)
Sério candidato a melhor disco de bebum de todos os tempos – concorrendo, provavelmente, com outras obras de Tom. R’n’b, vaudevile, jazz, polka ... um verdadeiro caldeirão de referências múltiplas e díspares de onde sai um amálgama incrivelmente coerente, tudo se encaixa à perfeição. Grandes canções, como ‘Clap Hands’, ‘Cemetery Polka’, ‘Jack Full Of Bourbon’, ‘Time’, a manjada ‘Downtown Train’, a belíssima ‘Anywhere I Lay My Head’ (que recebeu versão honesta da bela Scarlett Johansson, mas é naturalmente arquivada com a cruel comparação) ... É bem o disco que, depois que pega (pode demorar um pouco), não te larga mais. Décimo álbum de Waits, que vinha de outras duas obras-primas – a trilha de ‘One From The Heart’ (‘O Fundo do Coração’, de Coppola, 1982) e ‘Swordfishtrombones’, de 1983 –, e lançaria outras mais nos 25 anos seguintes.

BRUCE SPRINGSTEEN – Nebraska (1982)
Outro disco que pode levar um tempo pra ser descoberto. Primeiro porque, embora frequentemente seja citado em textos sobre a carreira do Chefão, não gerou nenhum hit – só ‘Atlantic City’ teve execução razoável, nas rádios americanas e na MTV. ‘Nebraska’, cujo retrato do cidadão comum americano, suas mazelas, percalços, esperanças, angústias, inspirou até filme de Sean Penn (‘The Pledge’, com Jack Nicheolson), é precursor da onda lo-fi que tomou conta do rock indie americano na primeira metade dos anos 1990: foi inteirinho gravado de forma caseira, com Bruce, seu violão e sua gaita, utilizando um modesto gravadorzinho. Trata-se do disco mais corajoso gravado por Sprinsteen em toda sua vitoriosa carreira: o cara já era um megastar e o álbum, que á basicamente uma coleção de demos, saiu por uma grande gravadora. A faixa-título, a citada ‘Atlantic City’, ‘Mansion On The Hill’ e ‘Reason to Believe’ são alguns dos highlights.

HÜSKER DÜ – Zen Arcade (1984)
Álbum importantíssimo, originalmente duplo em vinil, um dos melhores do excelente catálogo da SST Records de Greg Ginn, que lançou clássicos dos Meat Puppets, Bad Brains, o melhor Dinosaur Jr. (‘You’re Living All Over Me’, suplente desta lista), Minutemen, Sonic Youth. O hardcore peculiar do trio Grant Hart/Bob Mould/Greg Norton recebe a partir de ‘Zen ...’ referências da psicodelia, do country rock, do folk, e o contraste delicadeza/aspereza, barulho/melodia é desenvolvido à perfeição. ‘Something I Learned Today’ começa o serviço quebrando tudo, e as outras 22 faixas não deixam a peteca cair. Alguns destaques: ‘Turn On The News’, ‘Masochism World’, ‘Never Talking to You Again’, ‘Pink Turns to Blue’. Um dos discos de rock que marcaram os anos 1980.

JESUS AND MARY CHAIN – Psychocandy (1985)
Lembro até hoje da audição de ‘Psychocandy’, em um toca-discos colocado à disposição da freguesia, em uma famosa loja da Galeria Chaves, centro de POA, tradicional ponto de encontro de rock/pop maníacos em meados dos 80’s – a Pop Som. Já tinha lido sobre o Jesus na revista Bizz e me interessei pelo mix melodias pop assobiáveis/paredão de microfonia. Além do quê, a referência frequente que se fazia quando se falava nos irmãos Reid era ao Velvet Underground, cuja história me interessava – mas também não conhecia, ainda. Bom, mas quando acomodei a agulha na bolacha e ‘Just Like Honey’ começou a rodar, logo me senti em transe. Balada cool, sentida, o tal pop perfeito do qual a crítica inglesa fala, só que emoldurado por uma (até aí leve) camada de distorção. Vem a seguinte, ‘The Living End’, depois ‘Taste The Floor’, ‘The Hardest Walk’ ... o Lado A fecha com um pop bumblegum com guitarra serra elétrica do c*. Viro e coloco o lado B, que começa com a matadora ‘Never Understand’ (cuja linha melódica foi plagiada desavergonhadamente pela Legião Urbana em “Eu Era Um Lobisomem Juvenil’, que também rouba sem a menor sutileza o título de um clássico dos Cramps), depois vem ‘Inside Me’, mais adiante tem ‘You Trip Me Up’, e tudo fecha espetacularmente com ‘Its So Hard’. Alucinado/eletrizado/sob frenesi total, decidi levar o disco, mesmo achando que a audição provavelmente tenha sido prejudicada pelo mau estado da cópia colocada para audição, que devia estar arranhada. Cheguei em casa, abri o pacote e tirei um vinil estalando de novo pra tocar, e constatei imediatamente que a cópia ouvida meia hora antes não estava arranhada. O arrebatamento só tava começando. Foi, sem sombra de dúvida, o maior choque musical da minha vida depois da primeira audição dos Pistols – que definiram tudo. Vi o Jesus ao vivo há 20 anos – sim, esse tipo de banda tocava nos palcos de Porto Alegre tempos atrás –, no Salão de Atos da UFRGS, e o zunido no ouvido permaneceu por uns três dias. Unbelievable. Mas voltando ao do disco, tem uma versão alemã disponível que adiciona ainda a maravilhosa ‘Some Candy Talking’, single de 1986, último com a formação original, com Bobby ‘Primal Scream’ Gillespie e Douglas Hart secundando os Reid Brothers. Te liga: ‘Psychocandy’ vai tocar inteirinho, na ordem, naquele esquema Lado A/Lado B, no COMPANHIA MAGNÉTICA quando do aniversário de 25 anos de seu lançamento. Em breve, muito breve.

MARIANNE FAITHFULL – Strange Weather (1987)
O melhor disco de fossa das últimas duas décadas e meia, provavelmente. Clima de cabaré total. Marianne volta com um álbum lindo e sofrido, depois de anos e anos relegada ao limbo. O espírito de Tom Waits paira aqui – é dele a faixa-título – mas aqui o humor waitsiano cede lugar apenas à dor. Grandes músicos, como Fernando Saunders, Dr. John, Bill Frisel, Robert Quine, produção luxuosa, clássicos do cancioneiro de todos os tempos, como ‘Boulevard of Broken Dreams’, ‘Yesterdays’, ‘Penthouse Serenade’, o bluesão ‘I Ain’t Go Down to The Well No More’, de Leadbelly, a dylaniana ‘I’ll Keep It With Mine’ (composta para Edie Sedwick, gravada por Nico), a sexy ‘Hello Stranger’, de Doc Pomus ... Sabe aquele papo de “decadência com elegância”? É bem isto aqui. A versão de ‘As Tears Go By’, composta pra ela mesma por seu então namorado Mick Jagger, rivaliza com o original dos Stones – pura questão de gosto pessoal.

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