terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Os Vampiros estão soltos!


Release the bats! Release the bats!
Pump them up and explode the things

(‘Release the Bats’,
letra: Nick Cave,
música: Birthday Party,
álbum: “JunkYard”, 4AD Records, 1982)

Conheci a banda no estúdio da TVE, durante o Radar. De imediato, o que chamou a atenção, claro, foi o visual, trashy/vampiresco: vocalista/guitarrista esquálido, com cabelão topetudo à Henry Spencer (personagem do falecido Jack Nance em Eraserhead, primeiro pesadelo davidlynchiano), camisa com aquela gola comprida típica dos cafetões/traficas dos blaxploitation setentistas, mais uma gravatinha borboleta que, na verdade, tinha o desenho de um morcego; vocalista/guitarrista com visual Branca de Neve do mal, cabelinho Chanel à moda Louise Brooks em “A Caixa de Pandora”, estilão junkie lady/gelada, enormes óculos escuros (a esconder um olhar blasé?); baterista careca, lembrando um Tio Funéreo punk ou ainda um daqueles personagens bizarros/psicopatas/alienados prestes a pôr fogo no circo em filmes de terror low low low budget. Achei engraçado, mas imediatamente veio aquela idéia que sempre me bate toda vez que topo com esses caras, assim, cheios de estilo, que parecem ter todas as referências certas: “já vi isso antes”. Perguntei ao Léo quem eram. “Damn Laser Vampires”, respondeu. “E são do caralho”, completou. Então, tá, não custa dar uma conferida, pensei, ainda desconfiado - logo, logo tô picando a mula mesmo. Bom, o “confere” acabou durando até o fim do programa.

O som dos caras é altamente intoxicante, daqueles que pegam na hora: já na primeira dose, o estrago tá feito, é vício imediato, mais ou menos aquilo que os entendidos dizem do crack (não conheço). Duas guitarras (do casal Ronaldo Selistre/Francis K) se completando/desafiando, bateria minimal/tribal (Michel Munhoz) dando o tom, vocal cavernoso (Selistre) com peculiaríssimo senso de humor (sem forçar, diga-se), influências que vão da surf music de Dick Dale (“Next Time You Ride”) ao bubblegum dos Ramones, passando pela lassidão de um Velvet ou Jesus. Títulos absolutamente saborosos, como “Let’s Drunk Together” (perfeita pra festinhas de malucos, assim como “Saint of Killers”, “Next Time You Ride” e “Everybody Were Stoned”, todas em seqüência) e “I Wanna Be an Old Bitch”, versos bem humorados, como em “The Devil is a Preacher” (“God’s Out of Fashion”, canta o Selistre, tentando cooptar o ouvinte à causa do demo) ou em “M.I.” (“M.I. really something Good?”). A faixa-título, de cara, sacaneia com o início de “New York, New York”, anunciando que uma confraria feia e suja está prestes a tomar a cidade, “Graveyard Polka” parece cantada por um Nick Cave (ou Tom Waits, de quem Ronaldo é fã) desiludido com uma rotina de desamor – e que vocifera/pragueja em italiano ao final da canção – na verdade, são os versos inicias da “Divina Comédia” de Dante. “Louvre” tem como narrador um artista, digamos, incompreendido, que comete versos impagáveis como “Guernica’s gonna look like a joke when I finish this” ou “You don’t want to lose Lautrec” ou ainda “Lemme put my Rodin in Your Claudel”. Há ecos do envenenador de guitarras pioneiro, Link Wray, na música dos Vampires, assim como dos Dolls, dos Heartbreakers (Johnny Thunders ficaria orgulhoso desses seus pupilos), do garage pop dos Buzzcocks, do punkabilly do X, do senhor das trevas Nick Cave (com os Bad Seeds ou o Birthday Party), até do minimalismo nervoso do Suicide (sem synths, é claro). Mas a referência maior acaba sendo mesmo o rockabilly dos 50’s filtrado pela new wave, daí que ...

... daí que não vai faltar um boçal pra dizer “ah, mas é cópia dos Cramps” ... putz! Deixa o trouxa falando sozinho. É claro que o som dos caras é derivativo, como de resto o de todo o mundo, no universo canibalesco/multirreferencial do pop, o é. Mas os Vampires esbanjam aquele it que só os grandes amantes do pop, reprocessadores de influências bacanas (pensou em Tarantino? Tá, a referência é manjada mesmo, tá certo, mas é por aí mesmo) possuem. Aliás, também tem o seguinte: se formos considerar que os Cramps, há um bom tempo, não empolgam como antigamente – o último álbum deles, inclusive, é de 2003 -, tendo sido engolidos pela própria fórmula, até o fã de Lux, Poison e cia. vai sair ganhando.

A produção (muito feliz, diga-se de passagem) é do Alemão Birck da Graforréia, que soube captar a sujeira e o humor dos caras e principalmente o espírito camp da coisa: é o tipo do som que, se o produtor se mete a querer ter “idéias”, é fácil estragar – além da grande possibilidade de não entender a(s) sacada(s) e o universo particular das figuras e acabar igualmente fazendo merda. O custo do álbum, mesmo que tenha de ser importado (não tem distribuição nacional ainda, a edição é do selo gringo “Devil’s Ruin Records”, que descobriu o trio no MySpace), é barato, quase de graça considerando o altíssimo grau de diversão que contém - pra se ter uma idéia, é daqueles raríssimos discos em que uma faixa boa sucede a outra, e quando a bolachinha acaba de rodar, a gente fica tomado por aquela tristeza. Pensa bem: qual foi a última vez que te aconteceu isso (não vale citar clássicos do rock recentemente descobertos)?

PS I – não deixe de conferir o clipe de “Bracadabro”, brincadeira com “O Gabinete do Dr. Caligari”, “Nosferatu”, o Drácula de Bella Lugosi e outros clássicos expressionistas e vampirescos de antigamente. O vídeo é dirigido pelos três, que são ilustradores – tá explicado, portanto, o apuro visual do trio.

PS II – tive que voltar ao Radar semanas depois, quando o disco me chegou às mãos, pra comentar que trata-se da melhor bolacha saída do universo rock, não só pampeano como também brasuca, em muito tempo – seguramente aí uns 5 ou 6 anos –, quase um clássico instantâneo. Não tenho medo de ter me apressado: repetidas audições, tipo de um mês pra cá, só têm reforçado a convicção (lembro de ter ficado petrificado assim com o primeiro contato com a estréia do DeFalla, com a – à época – fita cassete do “Último Verão”, do Julio Reny, com a demo dos Cascavelettes, com a demo da Video Hits, ... e só). Tava faltando uma banda fazendo rock de verdade, não esse pop-rock radiofônico canhestro/pobre/brocha/corporativo que assola as FM’s ou aquela onda que mistura guitarra elétrica com ritmos brasileiros que tem mais cara de samb(inh)a do que de rock! Agora, não falta mais.

* texto escrito à época do lançamento do disco de estréia dos DAMN LASER VAMPIRES – Gotham Beggars Syndicate (Devil’s Ruin Records, 2008)

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