quinta-feira, 23 de abril de 2009

BEATLES Remaster é a mais nova picada na veia que vem por aí

A gente só pode falar da própria experiência, sempre, mas nesse particular tenho depoimentos de vários companheiros de vício idênticos, todos se comportam da mesma maneira. Quase sem controle algum. Sensação permanente de quero mais – do mesmo, do que não se conhece, do novo que saiu semana passada, do velho que não se teve a chance de conhecer ainda, ... A síndrome de abstinência é tão dolorosa quanto a culpa por se gastar mais do que podia – mas se tinha outra alternativa? E o que é pior, por sinal, deixar de consumir, diminuir a dose até a situação melhorar e sofrer com a falta ou se afundar de vez até explodir? Sinceramente, não sei. O certo é que não há recuperação possível. Um dia já cheguei a me iludir que um dia a necessidade seria totalmente satisfeita – ou pelo menos administrável. Hoje, sei que isso jamais vai acontecer. Comprar discos – mesmo depois do advento dos Napsters, Kazaa, Mozilla, e-mule e demais programinhas que surgiram de uma década pra cá – é um vício, e incontornável. E droga boa no mercado é que não falta. Agora mesmo, tão prometendo uma por que os fãs ansiavam desde o início da era do CD, lá por meados (pra nós aqui, ao menos) dos anos 80.

A gravadora EMI anunciou, no início do mês, "o projeto de relançamento de catálogos mais completo, cuidado e importante da música". Sim, isso mesmo: a discografia oficial dos Beatles toda remasterizadinha (ooooobaaaaa!!!!!) vai estar à disposição dos fãs do mundo inteiro em 9 de setembro. Ou seja, os treze álbuns originais (‘Please Please Me’, ‘With the Beatles’, ‘A Hard Day’s Night’, ‘Help!’, ‘For Sale’, ‘Rubber Soul’, ‘Revolver’, ‘Sgt. Pepper's’, ‘Magical Mistery Tour’, o álbum branco, ‘Yellow Submarine’, ‘Abbey Road’ e ‘Let It Be’) reeditados em estereofonia – os quatro primeiros pela primeira vez –, mais os dois volumes da compilação ‘Past Masters’, editados em meados dos anos 80 (e que trazem aqueles singles clássicos e lados b não incluídos nos álbuns de carreira, como ‘Paperback Writer’, ‘The Ballad of John and Yoko’, ‘I’m Down’, ‘Day Tripper’, ‘Don’t Let Me Down’, além de takes alternativos de faixas dos discos). E além disso, o selo britânico (é britânico ainda? Nesse mundo globalizado, de fusões constantes de empresas, nem sei mais!) promete a arte original e os libretos constantes das edições originais dos discos, acrescidos de novos textos e fotos inéditas.

Bom, mas aí o fã dirá: "é, pelo jeito o baú de raridades esgotou, então agora os caras resolveram reeditar os álbuns com uma frescurinha a mais". Certo, é isso mesmo. Depois das gravações pra BBC, dos três volumes da série ‘Anthology’, da versão ‘Naked’ (sem os arranjos sinfônicos do mago Phil Spector) de ‘Let It Be’, do mix-álbum ‘Beatles Love’, a princípio (nunca se sabe, claro) não tem mais nada a ser explorado do catálogo da maior banda pop de todos os tempos. Só que a "frescurinha", na verdade, se fazia necessária desde o início: assim como os discos dos Stones, de Bob Dylan, dos Byrds, a obra de Lennon, McCartney e cia. foi muito maltratada quando transposta para o disquinho digital. No caso dos artistas citados, é só comparar as primeiras edições com as mais recentes: o som sujo e vigoroso de álbuns como ‘Let It Bleed’ e ‘Beggar’s Banquet’ foi plenamente recuperado após o lançamento de todo o catálogo dos Stones em 2002 em Super Audio CD, por conta da comemoração de 40 anos de fundação da banda. Tem-se a impressão de ouvir discos diferentes, inclusive. Mesma coisa com Dylan e as chochas edições antigas de seus álbuns e as novas, também convertidas ao SACD. E no caso dos Byrds, toda a riqueza timbrística de monumentos da psicodelia californiana como ‘5th Dimmension’ e o sensacional ‘Younger Than Yesterday’ cruelmente se perdia na antiga, mas foi recuperada pela Sony nas reedições. É esse serviço que a EMI deveria ter feito antes de qualquer outro – mas espertamente guardou para o fim (é o fim das "novidades"? Será mesmo?), agora que o baú supostamente esgotou-se.

Imagina as inúmeras camadas sonoras do ‘Sgt. Pepper's’, o hipnótico ‘Revolver’, a espontaneidade e a crueza dos primeiros álbuns, a sofisticação do ‘Rubber Soul’, a maturidade do ‘Abbey Road’, tudo nos conformes, com os timbres e a densidade sonora devidamente recuperadas (a EMI garante ainda que "durante a remasterização, os estalos elétricos, golpes de ar nos microfones produzidos durante as músicas e outros problemas seriam resolvidos até onde fosse possível, sem afetar a integridade original das gravações")! Claro que ainda tem uns bibelozinhos a mais no pacote, nada pode ser tão "simples" assim (como se fosse pouco a primeira edição digital realmente honesta da magnífica obra dos Fab Four): por tempo limitado, cada CD trará ainda documentários sobre o álbum em questão, com direito a imagens de arquivo, fotos raras e até conversas dos Beatles nunca antes divulgadas. Um box reunirá todos os 13 discos originais, mais a coletânea ‘Past Masters’ (pelo jeito, resumida a um volume só) mais DVD com uma coleção de documentários, e outro trará os 10 primeiros álbuns em versão mono – também remasterizados, claro –, mais ‘Past Masters’ em mono também.

E aí: o leitor/ouvinte que é fã dos Beatles vai substituir toda a discografia antiga ou comprar só alguns títulos essenciais (putz, mas todos são!)? De uma vez só ou aos poucos? Vai preferir mono ou estéreo? Ah, tão prometendo o game ‘The Beatles: Rock Band’, vai encarar esse também? Pois eu só passo falar por mim, como escrevi lá no começo: os álbuns psicodélicos – ‘Sgt. Peppers’, ‘Revolver’, ‘Magical Mistery Tour’ – e seu som hipnótico são obrigatórios. A energia de ‘Help!’ e as gemas pop de ‘With the Beatles’, álbuns que ainda não possuo, vou encarar também. Já são cinco. Como do ‘Past Masters’ só tenho o segundo volume, o número sobe pra seis. ‘Beatles Remaster’ é uma picadinha que vai sair cara, portanto. Nada que assuste alguém que esteja acostumado há aproximadamente 25 anos entregar os últimos trocados, em troca de um baratinho (nem tanto assim) novo ao fornecedor – aliás fornecedores: Rogério (da Toca do Disco, boa praça mas incisivo), Professor Getúlio (da Boca do Disco, o mais ardiloso de todos, especialista em depreciar o produto alheio na hora das trocas e criar na mente do consumidor novas necessidades: não sei como algum especialista de marketing ainda não contratou-o pra fazer aquelas palestras que essa galerinha das vendas tanto adora), Peretto e Becker (da Jam, de Nóia, onde não apareço há alguns anos, fazem o tipo camarada, compreensivo, ganham o cara na confiança), Carlinhos Led (introduziu no seu método o cartão de fidelidade, embora venha cobrando os olhos da cara pelos importados), e mais recentemente a Livraria Cultura (maldito bônus de dez reais!) e Fnac (boas ofertas de vez em quando, mas ainda não dá pra meter com a Cultura). Porque a relação do fã de rock com o vendedor de discos é certamente igualzinha à de um drug addict com seu dealer. Sem tirar nem pôr, sem dúvida. E eu, momentaneamente impossibilitado de consumir, já tô providenciando minha recuperação – financeira, no caso – juntamente com a listinha de novos alimentos pro segundo semestre. É a vida de viciado, tensa, sempre na corda bamba, à beira de um colapso, mas com uma boa dose de diversão que compensa/justifica as privações e provaçõs. Ou não? Só sei que mal posso esperar a próxima dose. (A propósito: alguém se interessa pelo 'Younger Than Yesterday', dos Byrds? E pelo primeiro Hendrix, 'Are You Experienced'? Tem também dois dos melhores Stones, ' Beggar's Banquet' e o ao vivo 'Get Yer Ya Ya's Out' por um precinho camarada. Bem choradinho, também fazemos os três primeiros Velvet, que temos repetidos desde que foi adquirida a caixa 'Peel Slowly and See', uma década atrás, e nunca nos desfizemos dos antigos. Aproveita que por um precinho assim não vais encontrar essas pérolas por aí. Ah, não conheces? Mas como? Não sabes o que estás perdendo, olha ...)





Beatles remasterizados: tudo de novo

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