quinta-feira, 23 de abril de 2009

Assim foi escrito (2) – MOBY DICK (Hermann Melville)

"Trate-me por Ishmael. Há alguns anos – não importa quantos ao certo -, tendo pouco ou nenhum dinheiro no bolso, e nada em especial que me interessasse em terra firme, pensei em navegar um pouco e visitar o mundo das águas. É o meu jeito de afastar a melancolia e regular a circulação. Sempre que começo a ficar rabugento; sempre que há um novembro úmido e chuvoso em minha alma; sempre que, sem querer, me vejo parado diante de funerárias, ou acompanhando todos os funerais que encontro; e, em especial, quando minha tristeza é tão profunda que se faz necessário um princípio moral mais forte que me impeça de sair à rua e rigorosamente arrancar os chapéus de todas as pessoas – então percebo que é hora de ir o mais rápido possível para o mar. Esse é o meu substituto para a arma e as balas. Com garbo filosófico, Catão corre à sua espada; eu embarco discreto num navio. Não há nada de surpreendente nisso. Sem saber, quase todos os homens nutrem, cada um a seu modo, uma vez ou outra, praticamente o mesmo sentimento que tenho pelo oceano."






(Abertura do clássico romance de Herman Melville, publicado pela primeira vez em 1851. O super cachalote enfurecido, cuja caça e extermínio tornam-se a obsessão do soturno capitão Ahab, do barco Pequod, onde embarcam o narrador Ishmael e outras personagens memoráveis, como Stubb, Starbuck, Daggoo, Pip e o canibal Queequeg, foi a obra da vida de Melville – ‘Bartleby, o Escriturário’, ‘Billy Budd, o Marinheiro’ (publicado postumamente), ‘Taipi, Paraíso dos Canibais’ –, mas só foi ser reconhecido muito tempo depois, no início do século XX. Melville valeu-se de sua experiência como marujo da marinha mercante e de dois episódios reais. Um foi a tragédia do baleeiro Essex, em 1820, que representou pro imaginário americano do século XIX o que o naufrágio do Titanic significou para o Século XX: ao cruzar com um gigantesco cetáceo albino, há 3700 Km da costa oeste sul-americana, o navio teve vitimada quase toda a sua tripulação – só oito sobreviveram, ficando à deriva por aproximadamente três meses e alimentando-se da carne de seus colegas mortos, e um deles, Owen Chase, anos depois publicou seu relato do traumático evento (o historiador Nathaniel Philbrick reconstituiu em detalhes a história no premiado ‘No Coração do Mar’, lançado pela Cia. das Letras em 2000); o outro, quase vinte anos depois, serviu para delinear o perfil da baleia furiosa de Melville e sugerir-lhe o nome: Mocha Dick, que atacou dezenas de navios com surpreendente violência, apresentava, segundo as poucas testemunhas, um comportamento quase humano – premeditação, estratégia de ataque, ardilosidade –, ainda que tivesse um sem-número de arpões fincados no corpo. Foi finalmente capturada nas águas da ilha de Mocha, no Chile. O livro de cabeceira do brother Obama foi reeditado ano passado em edição de luxo da CosacNaify, com tradução de Irene Hirsch e Alexandre Barbosa de Souza, três ensaios – um deles de D.H. Lawrence –, bibliografia sobre MOBY DICK e seu autor, a relação de todas as edições desta e das demais obras de Melville e das teses sobre o escritor publicadas no Brasil e (ufa!) até Glossário Náutico e ilustrações de navios ao baleeiro do livro.)

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