sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

FILMES MAGNÉTICOS DE 2009

Ao contrário de temporadas recentes, o ano de 2009 nas telas portoalegrenses foi generoso – pra quem soube procurar. Se a safra de filmes concorrentes ao Oscar foi francamente decepcionante – a começar pelo vencedor –, nas salas alternativas e até mesmo no circuitão não faltaram boas opções. É verdade que algumas elogiadas produções foram lançadas diret em DVD ou tiveram pouquíssimas exibições na P.F. Gastal, no Santander Cultural ou até nas grandes salas, mas cinéfilo que é cinéfilo sempre se vira. Os highlights do ano, segunto a modesta oipnião de CM – são 12, um a mais que um time de futebol:

O SILÊNCIO DE LORNA

Sabe-se lá por que este filme mais recente dos irmãos Dardenne não passou pelos cinemas, sendo lançado diretamente em DVD – teriam as distribuidoras desistido da obra autoral dos caras? Se for, uma pena – os belgas entregam em ‘O Silêncio ...’ mais um grande filme e talvez o mais acessível também, por conta da narrativa envolvente: a Lorna do título é uma albanesa residente na Bélgica que, pra ganhar a cidadania belga e não ter de voltar pra sua vida sem perspectivas na terra natal, paga um picareta pra que este lhe arranje um casamento falso, com um junkie. Mas o vigário lhe exige que depois de alcançado o intento a garota se divorcie e case com um russo, que também almeja a cidadania. Mas o problema maior não está aí na dupla trampa arrumada pelo mafioso, e sim na ideia do sujeito em se livrara logo do viciado, froçando-lhe a uma overdose, pois se o russo for esperar pelo divórcio, pode acabar desistindo do ‘negócio’. O dilema moral que toma conta da desesperada Lorna é o tema central de todos os filmes dos Dardenne, herdeiro legítimo de Bresson também por conta dos closes e da câmera que perscruta a alma de seus perdidos personagens.

TONY MANERO

Dessa vez, a sensação do cinema latino não veio nem do Brasil em da Argentina: esse inventivo filme chileno é um presentão para os cinéfilos, tanto pela original trama – um atormentado homem de meia-idade que não vive pra mais nada além de imitar seu ídolo John Travolta em ‘Os Embalos de Sábado À Noite’, e à medida que a frustração e o sentimento de vazio aumentam, mais se entrega à violência. ‘Tony Manero’ têm um quê de ‘Taxi Driver’, de ‘O Assassino da Furadeira’, mas para além das influências que se possa evocar, tem o mérito de revelar ao mundo o trabalho do talentoso realizador Pablo Larrain e do brilhante ator Alfredo Castro, que faz de sua personagem um clássico instantâneo. De quebra, o pano de fundo político: a atmosfera asfixiante do Chile de Pinochet em 1978. (Curiosidade: tem até uma cena de sexo explícito – que, bem ao contrário de excitar alguém, só faz aumentar o clima opressivo da película.)

OS 3 MACACOS

Este foi exibido no cinema (P. F. Gastal?), mas teve pouquíssimas exibições (fazia parte de um ciclo). De qualquer maneira já pode ser conferido nas locadoras. Trata-se de um filme turco Nuri Bylge Ceylan com um enredo no mínimo curioso: um poderoso político que tenta a reeleição envolve-se em acidente de trânsito do qual resulta uma vítima fatal e foge sem prestar socorro. Pra escapar da execração pública e arruinar sua carreira, faz a proposta indecorosa a seu motorista, do tipo ‘assume pra mim, te dou uma bela grana, sustento tua família nesse período e quando saíres, assumes de volta teu posto como meu empregado’. Incrivelmente o sujeito aceita. Ocorre que neste meio tempo o ilustre empregador resolve cuidar com esmero excessivo da infeliz mulher do motorista, e o filho do casal logo percebe, dando início a um acerto de contas geral entre os três membros distantes da fraturada família. Assim como o filme dos Dardenne, tem um quê de Bresson, também. Ceylan levou o prêmio de direção em Cannes, em 2008.

A BELA JUNIE

O filme mais bonito do ano, protagonizado pelo rosto do ano (Léa Seydoux) e com a trilha mais absurdamente bela do ano (as canções de Nick Drake ...). O filme é sobre as aflições do amor (a inadequação, a paixão idealizada que não encontra ressonância na realidade, o amor profundo não correspondido), a partir do clássico fulano ama fulana, que namora beltrano, mas ama secretamente sicrana, que está envolvida com outro fulano, mas deseja mesmo ... O diretor Christophe Honoré conduz um drama denso com muita leveza, que tem cara de nouvelle vague (Truffaut, especialmente) e de quebra ainda revela possivelmente o novo rosto do cinema francês: Seydoux tem um quê de Jane Birkin, outro de Anna Karina, é fisicamente parecida com Nico quando jovem e tem olhos profundos que lembram a Gene Tierney de ‘Amar Foi Minha Ruína’.

PARIS

No ano da França do Brasil e dos 50 anos da nouvelle vague, não faltaram representantes significativos da pátria-mãe do cinema e da cinefilia nas telas. Este painel das atrapalhadas relações humanas de Cédric Klapisch é mais um, centrado principalmente na figura do dançarino Pierre (Romain Duris), que descobre que sofre câncer, vai ter passar pelos inevitáveis movimentos internos de quem se sabe no limite (aceitação-balanço-adaptação) e acabará por influenciar a rotina sem brilho de quem o circunda, a começar por sua irmã, Élise (Juliete Binoche). A alma, que se inquieta ao longo da projeção, sai leve, leve.


SE NADA MAIS DER CERTO


O filme brasileiro do ano, e a prova definitiva, para os que ainda nutrem preconceito contra a cinematografia nacional, de que, procurando, se acham bons filmes (‘Estômago’, ‘Cidade Baixa’, O Baixio das Bestas’ ...). Neste desolador drama passado na capital paulista, a desesperança gerada pela falta de perspectivas dá o tom: o jornalista Leo (um surpreendente Cauã Reymond), a figura andrógina da traficante Marcin (performance antológica de Caroline Abras) e o taxista Wilson (o sempre ótimo João Miguel) vivem situação semelhante: o primeiro faz ‘freelas’, raros, que são pagos com enorme atraso, ocasionando cortes de luz e telefone; a segunda, tirada das ruas pela travesti Sybelle (mais um tipo marcante de Milhem Cortaz), tem de se afastar de seu ponto, pois em ano eleitoral a vigilância vai estar em cima; e o terceiro, atormentado pela lembrança e sonhos frustrados do pai, que suicidou-se, acha que precisa de um psiquiatra. Do encontro dos três, nasce uma forte identificação, pois todos querem dar um golpe no sistema. E aparece a oportunidade, justo em tempos de campanha política, quando o trio é convidado por um vigarista a roubar a grana que um determinado candidato vai levar (sem nota, é claro) para o QG de campanha, que rende um dos melhores momentos do cinema nacional em muito tempo: enquanto Leo se faz passar por um pastor evangélico que bate à porta da casa pra tapear a vigilância, os três encarregados do assalto surgem com máscaras de ... Sarney, Collor e FHC. José Eduardo Belmonte, o diretor, é nome a ser observado com carinho.

O GRUPO BAADER-MEINHOF

Mais um representante digno do atual filão de revisão histórica do moderno cinema alemão (‘Adeus, Lênin!’, ‘Edukaters’, ‘O Que Fazer em Caso de Incêndio?’, ‘A Onda’, ‘A Queda’, ‘A Vida dos Outros’), realizado por um veterano (Uli Edel, de ‘Christiane F’ e ‘Última Saída para o Brooklyn’) que havia muito sobrara na curva (é dele o lamentável ‘Corpo Em Evidência’, com Madonna e Willem Defoe) e não dava sinais de recuperação. Neste docudrama de narrativa ágil (o ritmo é quase americano, como quase todas essas atuais películas germânicas de cunho político), tem-se um panorama honesto e imparcial do grupo extremista criado por Andreas Baader e Ulrike Meinhof, seu êxito inicial e sua derrocada, quando a influência sobre as novas gerações degringolou de vez, descambando para a violência excessiva. Um belo filme político de alguém de qum já não se esperava.

FROST/NIXON

Se de Edel já não se esperava muita coisa, o que dizer do pau-pra-toda-obra da indústria hollywwodiana Ron Howard (que vai de ‘Apollo 9’ a ‘Mente Brilhante’, passando pelas adaptações dos bestsellers de supermercado de Dan Brown, ‘Código Da Vinci’ e ‘Anjos e Demônios’)? Fez o filme político americano do ano, extraindo material de uma peça de sucesso nos palcos londrinos (e utilizando os mesmos atores, Michael Sheen e Frank Langelle), que reconstitui a histórica rodada de entrevistas que o jornalista inglês David Frost, homem de pouco cacife fora do universo das celebridades, fez com o já afastado presidente americano Richard Nixon para a televisão australiana três anos após seu impeachment. ‘Tricky Dick’, que desde o dia em que levara o cartão vermelho jamais se pronunciara, vislumbrou ali a chance de se redimir em parte com a opinião pública de seu país, e ganhava a queda-de-braço de Frost até os 45 minutos do segundo tempo da prorrogação, até que ... Obra madura de um cineasta cuja ambição até há pouco se resumia a entregar um produto viável à indústria para a qual trabalha.

DEIXA ELA ENTRAR

Uma pena que os fãs da franquia ‘Crepúsculo’ passem ao largo do melhor e mais inventivo filme de vampiros dos últimos tempos. Esta modesta produção sueca tem tudo o que, imagino, ‘Crepúsculo’ não deve ter: trama original, personagens marcantes, ... substância, enfim. A história é contada em tom de conto de fadas gótico: um garoto solitário conhece uma menina misteriosa e tristonha, que só aparece à noite, nascendo daí uma relação de grande afinidade e cumplicidade. Uma ode à amizade e às diferenças, um inusitado exercício de gênero. O terceiro melhor filme do ano.

VALSA COM BASHIR

O segundo melhor filme do ano suscitou uma das mais interessantes polêmica entre os cinéfilos: a recriação dos horrores da guerra feita pelo diretor Ari Folman pode ser considerada um documentário – uma vez que entrevistas foram feitas com personagens reais, as memórias do realizador Ari Folman, tanto quanto possível, compõem exatamente o que se vê na tela? Acontece que em vez de um cenário real e rostos de verdade, o que vemos na tela é animação (muitas vezes feita sobre os rostos reais, nos moldes dos filmes de Richard Linklater, tipo ‘A Scanner Darkly’ e ‘Waking Life’). Um novo gênero de documentário, a realidade retrabalhada com técnicas de ficção de um jeito novo, a definição pouco importa: ‘Valsa ...’ é um baita filme, que mesmo utilizando-se da animação não perde em contundência para refazer as experiências traumáticas do diretor da trágica noite em setembro de 1982 em que membros de uma milícia cristã massacraram mais de 3000 refugiados palestinos em Beirute.

ENTRE OS MUROS DA ESCOLA

A obra-prima do ano. Um filme contundente, filmado de maneira original, repleto de atuações convincentes de atores não-profissionais (mesmo considerando-se que alunos e professores, que colaboraram com o roteiro, interpretem, digamos, seus próprios papéis, deve-se lembrar que ninguém tinha experiência em atuação ali, tornando o realismo do filme – quase um ‘cinema-verdade’ – ainda mais impressionante). O diretor Laurent Cantet, com a ajuda de seu protagonista, o professor François (François Bégaudeau, mestre na vida real, e que escreveu o livro, best-seller na França, em que se baseia o filme) traça um painel desolador da educação numa escola de periferia, lotada de imigrantes. Se o suíço Michael Haeneke vem se especializando em revelar a violência que se esconde por debaixo do tecido social francês (tema caro também a Claude Chabrol), tendo muitas vezes a questão da imigração desenfreada com um dos fortes elementos constituintes dessa realidade, Cantet deixa as sutilezas de lado e já mostra a triste realidade como fato consumado, para o qual as causas são várias e complexas e não há respostas fáceis – como constata o mestre ao final, na esclarecedora conversa com uma aluna, que depois de todas os eventos que movimentam a trama e fazem com que o professor recupere um pouco o otimismo, confessa-lhe que, mesma aprovada, não aprendeu nada. Incontestável Palma de Ouro em Cannes, candidato ao Oscar de Filme Estrangeiro, junto a ‘Valsa com Bashir’, inacreditavelmente derrotado pelo japonês ‘A Partida’, produção rotineira.

Aprovado com ressalvas:
BASTARDOS INGLÓRIOS


Sim, claro, ninguém é idiota de não reconhecer que Tarantino é um baita cineasta, e ‘Bastards ...’ talvez seja sua obra-prima, até, um monumental tributo ao cinema de um reconhecido ‘animal do cinema’, que é o cineasta americano. ‘Bastardos ...’ é a síntese de sua obra até aqui, de um irrealismo tão desenfreado que talvez agora convença finalmente os mau-humorados que tanto reclamam da violência excessiva de seus filmes de que o que se vê na tela é só um filme, uma fantasia, sem qualquer pretensão mínima de ser um retrato da realidade – que, aqui, como se sabe, passa ainda mais ao longe por tratar-se de um drible espetacular na história. Mas a ressalva do pentelho aqui deve-se exclusivamente por conta de um certo fórmulismo do qual o cineasta já começa a ser vítima, por conta das piadas tipicamente ‘tarantinescas’. Mas vá lá: Hitchcock também tinha suas ‘fórmulas’ e mesmo clichês e é um dos nomes fundamentais do cinema de todos os tempos. Então e esquece a ‘letrinha’ e passa numa locadora pra conferir mais uma aula sobre o que é cinema que é o longa mais recente de Quentin Tarantino de um cara que ama o cinema acima de todas as coisas. E o cara é melhor cineasta do que qualquer um, o que faz toda a diferença.

Menções honrosas:

DESEJO E PAIXÃO
Ang Lee sabe filmar paixões proibidas. Esta é ainda mais explosiva que ‘Brokeback Moutain’: amor e morte, literalmente. O conflito entre o apelo da carne e a consciência eleva a tensão (e o tesão) a níveis estratosféricos. A tela pega fogo como há muito não se via.

INIMIGOS PÚBLICOS
O classudo filme de gângster politicamente correto do sempre competente Michael Mann até romantiza um pouco a figura do bandido John Dillinger, mas ao subverter as noções de bandido e mocinho faz um pertinente comentário político digno do final da era Bush. Outra: a estatística realista – câmera na mão, filmagem em digital, montagem frenética – mais o tom escuro da fotografia, o tom de fábula moral e a presença de Christian Bale na pele de um paladino da lei não te lembram nada? Sim, ‘O Cavaleiro das Trevas’, que, coincidência ou não, foi inspirado em um filme dos mais conhecidos de Mann, ‘Fogo Contra Fogo’. O quarteto Johnny Depp/Christian Bale/Billy Crudup/Marion Cotillard garante o charme extra – e ainda tem Diana Krall cantando em um nightclub. Seria pedir demais além disso.

OS FALSÁRIOS
Oscar de filme estrangeiro de 2008, estreou com atraso no Brasil. Esta produção traz como protagonista, curisamente, um sujeito que chegou a viver em Porto Alegre: o golpista Salomon Sorowitsch, alemão de ascendência judia, vive de jogo, boemia e trapaças até que capturado pelos nazis, recebe a incumbência de falsificar dinheiro, contribuindo para a expansão do Reich. É aí que vem a questão crucial do filme: ao mesmo tempo em que ‘compram’ sua sobrevivência, Sorowitsch e seus companheiros ajudam a massacrar seu próprio povo.

UP
Tá pra nascer o dia em que da chocadeira da Pixar vai sair coisa ruim. Personagens marcantes – a ave, o cachorro, o escoteiro atrapalhado, o velhinho ranzinza – e a costumeira maestria na condução da trama são marcas registradas do estúdio, que não perdeu nada ao ser anexado pela Disney. ‘Up’ ainda tem um quê de nostalgia que lembra os clássicos da velha Hollywood – aliás, repara nas feições do vovô e do velho desbravador: não lembram demais Spencer Tracy e Kirk Douglas, respectivamente?

O LUTADOR
Já valeria só pela ressurreição de Mickey Rourke, mas o longa de Darren Aronofsky (‘Pi’, ‘Réquiem Para um Sonho’) tem mais atrativos, arranjando um lugarzinho na galeria de bons filmes a tratarem do lado decadente do esporte – não chega a ser um clássico como ‘Touro Indomável’, ‘Punho de Campeão’ ou Cidade das Ilusões’, mas é bonito, uma balada triste sobre a glória fugaz de um lutador de sucesso que hoje sobrevive de espetáculos arranjados, enquanto trabalha em um supermercado e tenta se reaproximar de sua filha. Tem ainda Marisa Tomei e Evan Rachel Wood em papéis de destaque e belíssima canção de Bruce Springsteen.

A ONDA
Mais um bom representante da atual onda – sem trocadilho – do cinema político alemão. Um professor universitário de tendências anarquistas é escalado a dar um curso sobre autocracia. Já na primeira aula, pergunta aos alunos qual a possibilidade, hoje, de a Alemanha vir a parir um regime totalitário nos moldes do nazismo. ‘Nenhum’, responde a maioria. O mestre, então, resolve inovar, não apenas conceituando a corrente política a ser estudada, mas organizando a classe de tal forma a se comportar como se fosse um partido político adepto da ideologia autocrática, com regras rígidas e sufocamento absoluto das individualidades. O que era pra ser de mentirinha acaba fugindo ao controle, por conta do entusiasmo com que alguns se entregam à brincadeira, e é claro que o desfecho só poderá ser o pior possível. Baseado em uma história real, ocorrida na Califórnia nos intensos anos 1960.

MILK
Embora não tenha a mesma inventividade – e aquela cara de cine indie – dos já clássicos ‘Elefante’ (um dos filmes da década) e ‘Paranoid Park’, ‘Milk’, de Gus Van Sant, além de traçar um belo panorama de época – a San Francisco dos anos 1960 e 70 e a luta dos ativistas gays de então – e trazer a atuação de gala de Sean Penn (secundado pelos ótimos James Franco, Emile Hirsch, Josh Brolin e Diego Luna). Mesmo quando faz filmes mais ‘acadêmicos’ – as aspas aqui são obrigatórias –, e, digamos, militantes, Van Sant acerta.

BRÜNO
A provocação do ano. Claro que vai chegar uma hora que o inglês Sacha Baron Cohen vai cair na fórmula, perder a graça e ninguém mais vai se chocar com as gags virulentas que nos fazem rir às ganhas por conta do constrangimento que fazem passar as vítimas do politicamente incorreto comediante, mas por enquanto ... Cohen é o heroi de quem sentia falta de alguém que chutasse a bunda dos cretinos, seguindo uma linhagem (bom, linhagem talvez não seja o termo) de humor ferino que já teve ilustres representantes em figuras como os Irmãos Marx, Buñuel e o Monty Python. Melhores momentos: Paula Abdul convidada a sentar nas ‘cadeiras’ improvisadas da mansão alugada por Brüno, as entrevistas com os pais dos candidatos mirins a participar de seu talk-show, a participação da ‘estrela’ austríaca num programa de TV. Cohen é um cara legal, não há dúvida e o diretor Larry Charles faz o que tem de fazer: deixa seu astro comandar o espetáculo, como os diretores dos filmes dos Irmãos Marx.

‘Filmetos’ que adoramos:

ABRAÇOS PARTIDOS

Almodóvar atingiu tamanha maturidade e está tão à vontade na condução de ‘Abraços ...’, que, embora este não possa a ser comparado com clássicos como ‘Tudo Sobre Minha Mãe’ e ‘Fale Com Ela’, fica difícil até falar em ‘filme menor’. Os clássicos desencontros amorosos que compõem o universo almodovariano, na trama que mostra a obsessão de um cineasta que, após inúmeros percalços, tenta salvar seu filme – “o que interessa é terminar o filme”, resume Mateo (Luís Omar), o realizador –, servem para uma apaixonada declaração de amor ao cinema, tão potente quanto a que faz Tarantino em ‘Bastardos Inglórios’. E tem Penélope de novo, o que deve ser sempre considerado.

Á PROCURA DE ERIC
Outro que não chega a ser um filmão, mas cumpre o que promete: este belo conto moral do herói da classe operária inglesa, Ken Loach (‘My Name is Joe’, ‘Pão e Rosas’, ‘Ventos de Liberdade’, ‘Kes’) mostra um carteiro em Manchaster, que pensa na vida que não anda ao mesmo tempo em que curte as memórias vitoriosas de seu Manchester United nos tempos de seu ídolo, o temperamental atacante francês Eric Cantona, que em breve passará a fazer aparições a seu fã, também chamado Eric (sentiu o duplo sentido do título?), aconselhando-o nas decisões que precisa tomar pra retomar o rumo. Bela homenagem ao esporte mais popular do planeta como não se faz no país do futebol, um filme terno e simpático, com a habitual competência e carinho do huamnista Loach. Curiosidade: o ator que faz Eric Bishop, o carteiro, é Setev Evets, ex-baixista do The Fall.

Ator:


O chileno ALFREDO CASTRO, em um tour de force espetacular, deixa pra trás até grandes performances como a do oscarizado Sean Penn e a ressurreição do ano, de MICKEY ROURKE.

Atriz:


KRISTIN SCOTT-THOMAS, é claro. Não bastasse ter barbarizado em ‘Há Tanto Tempo que Te Amo’, ainda está em ‘Partir’ e ‘ Ninguém chegou sequer perto, nem a oscarizada Kate Winslet (‘O Leitor’ e ‘Foi Apenas um Sonho’, nem a versátil (e virtuosa) Meryl Streep (‘Dúvida’), nem a surpreendente Anne Hathaway (que, na opinião de CM, era quem deveria Ter levado o prêmio da Academia por ‘O Casamento de Rachel’). Mas o rosto do ano, repetimos, é o da garota de ‘A Bela Junie’, Léa Seydoux.


Léa Sydoux, 'A Bela Junie': imagem que cola na mente

Diretor:

Dois: o de ‘Valsa com Bashir’, ARI FOLMAN, por embaralhar gêneros de uma maneira totalmente inusitada; e o de ‘Entre os Muros da Escola’, LAURENT CANTET – apesar de não ser exatamente uma novidade na história do cinema, não é fácil sustentar um filme de pouco mais de 2 horas em praticamente um só ambiente.


O Folman da vida real e o do filme


Cantet (à esquerda) e seu protagonista

Confirmação:

OS IRMÃO DARDENNE são mesmo um caso sério.

Quem te viu, quem te vê:

RON HOWARD. Nunca imaginei – mas o cara já voltou pra franquia de filmes inspirados em berst-sellers de supermercado de Dan Brown.

Pra prestar atenção com muito carinho:

O diretor de ‘Tony Manero’, PABLO LARRAIN.
O diretor de ‘Os 3 Macacos’, NURI BYLGE CEYLAN.
O diretor de ‘A Bela Junie’, CHRISTOPHE HONORÉ – que estreia hoje, em POA, ‘Não, Minha Filha, VOC~E Não Irá Dançar’.
O diretor de ‘Se Nada Mais Der Certo’, JOSÉ EDUARDO BELMONTE.

Tá, e aí?

O LEITOR
Stephen Daldry já fez filmes mais legais – e com menos cara de ‘tô louco pra ganhar um Oscar’ –, como ‘Billy Elliot’ e ‘As Horas’.

FOI APENAS UM SONHO
Sigo dando chances a Sam Mendes ... e sigo firme na minha convicção de que trata-se de um impostor.

Menos, bem menos:

A PARTIDA
O drama japonês até que é bonitinho, aquele tipo de historinha simples e edificante ... mas não ndá nem pra saída com pelo menos dois dos candidatos ao Oscar de filme estrangeiro que derrotou – simplesmente os melhores e mais originais filmes do ano (na modesta opinião de CM), ‘Valsa com Bashir’ e ‘Entre os Muros da Escola’.

Decepção:

GRAN TORINO
Também sou fã de carteirinha de vovô Clint, e reconheço que este seu derradeiro filme como ator encaixa-se perfeitamente dentro de sua obra – autor é isso, e lá estão os temas de culpa e redenção, do escroto-turrão-solitário-conservador-intratável-fascista que à medida que envelhece passa a se humanizar, o sujeito que na velhice adquiriu a mínima sabedoria de, pelo menos, rir de si mesmo ... Mas ‘Gran Torino’ não me desceu. Vai ver sou eu o problema. Demagógico, populista, e impregnado daquele patriotismo ianque, que, depois de muito tripudiar em cima dos orientais a suposta supremacia de sua ‘raça’, resolve dau uma de bonzinho, chegando ao cúmulo de sacrificar-se por conta desta súbita ‘transformação’. Eu passo.

Bomba do Ano:

QUEM QUER SER MILIONÁRIO?

Por favor ...

Nas locadoras, pra lavar a alma cinéfila:

GODARD (os da fase boa, ‘O Demônio das Onze Horas’, ‘Weekend’, ‘Band A Part’), TRUFFAUT (todos estão disponíveis atualmente), FASSBINDER (finalmente, ‘Berlin Alexanderplatz’, mas faltam ainda ‘O Medo Devora a Alma’, ‘Effie Briest’, ‘As Lágrimas Amargas de Petra VonKant’), RENOIR (‘A Cadela’, ‘A Besta Humana’, ‘Um Dia No Campo’), BERGMAN (dezenas de títulos, entre eles ‘O Ovo da Serpente’, ‘A Hora do Lobo’, ‘A Paixão de Ana’ ... mas por que não ainda ‘Fanny & Alexander’?), BUÑUEL (‘O Discreto Charme da Burguesia’, ‘A Via Láctea’, ‘Simão do Deserto’), ALTMAN (‘Short Cuts’, até que enfim – mas e ‘O Jogador’, ‘Três Mulheres’, ‘The Long Goodbye’ e principalmente ‘Nashville’, jamais lançado sequer em VHS?), SATYAJIT RAY (a famosa ‘Trilogia de Apu’ e ‘A Sala de Música’), CASSAVETES (exatamente os cinco títulos reclamados aqui no começo do ano, ‘Sombras’, ‘Faces’, ‘O Assassinato do Bokkmaker chinês’, ‘Uma Mulher Sob Influência’ e ‘Noite de Estreia’; quem sabe, ‘Amantes’, ‘Gloria’, ‘Maridos’ e ‘Minnie and Moskowitz’), MELVILLE (‘Exército das Sombras’ e ‘O Círculo Vermelho’), MELIÈS (quinze curtas, entre eles o obrigatório ‘Viagem à Lua’), VISCONTI (‘As Vagas Estrelas da Ursa’ – mas ainda falta ‘Deuses Vencidos’), BABENCO (inacreditavelmente, não havia nem ‘Pixote’, nem ‘Lúcio Flávio’, nem ‘O Beijo da Mulher Aranha até a pouco’), ‘São Bernardo’, ‘A Classe Operária Vai ao Paraíso’, KIESLOWSKY (‘O Decálogo’ preenche uma lacuna de mais de vinte anos), CARNÉ (‘Trágico Amanhecer’), OZU (‘Pai e Filha’, ‘Irmãos da Família’, ‘Contos de Tóquio’, ‘A Rotina tem Seu Encanto’, ‘Ervas Flutuiantes’, ‘Dia de Outono’), MIZOGUCHI (‘Mulheres da Noite’, ‘Utamaro e Suas Cinco Mulheres’ e, claro, ‘Contos da Lua Vaga’; tá saindo ainda o excepcional ‘O Intendente Sansho’, mas poderiam vir também ‘Oharu, a Vida de Uma Gueixa’ e ‘Os Amantes Crucificados’), BRESSON (‘A Grande Testemunha’ e ‘Mouchette, a Virgem Possuída’, dois dos filmes mais tristes de todos os tempos, ‘Lancelot Du Lac’, ‘O Dinheiro’, quem sabe ainda vem em breve ‘Um Condenado À Morte Escapou’?), LUMET (‘O Veredito’ e ‘Rede de Intrigas’, as distribuidoras ainda devem ‘Serpico’ e ‘O Homem do Prego’), ‘If....’, ‘A Pele’, ‘Quinteto de Morte’, ... Ufa! Realmente, não deu pra reclamar! Uma festa.

Welcome back:

MICKEY ROURKE
(Sua surreição é mais assombrosa do que a de John Travolta em ‘Pulp Fiction’, 15 anos atrás)

JONATHAN DEMME
(Se bem que antes de ‘O Casamento de Rachel’ já houvera a versão de ‘Sob o Domínio do Mal’, que não faz feio)

Pergunta que não quer calar (I):
Por que o novo Woody Allen ainda não chegou?

Pergunta que não quer calar (II):
Até quando a Família Barreto?

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