quarta-feira, 28 de julho de 2010

Assim Foi Escrito (12) - O SOM E A FÚRIA (William Faulkner)

Seguimos junto à cerca até chegar à cerca do jardim, onde as nossas sombras estavam. A minha sombra era mais alta que a de Luster na cerca. Chegamos no lugar quebrado e passamos por ele.

‘Espera aí.’ Disse Luster. ‘Você prendeu aquele prego outra vez. Será que você nunca consegue passar aqui sem prender no prego.’

Caddy me soltou e passamos para o outro lado. O tio Maury disse para a gente não deixar ninguém ver a gente, então é melhor a gente se abaixar, disse Caddy. Abaixa, Benjy. Assim, ó. Nós nos abaixamos e atravessamos o jardim, as flores raspando na gente e estremecendo. O chão era duro. Subimos na cerca, onde os porcos estavam grunhindo e fungando. Eles devem estar tristes porque mataram um deles hoje, disse Caddy. O chão era remexido e embolotado.

Fica com as mãos no bolso, disse Caddy. Senão elas congelam. Você não quer ficar com as mãos congeladas no Natal, não é.

‘Está muito frio lá fora.’ Disse Versh. ‘Não inventa de sair não.’

‘O que foi.’, disse a mãe.

‘Ele quer ir lá fora.’ Respondeu Versh.

‘Deixe ir.’ Disse a mãe. ‘Melhor ele ficar em casa. Benjamin. Pare com isso, já.’

‘Deixe, o que é que tem.’ disse o tio Maury.

‘Benjamin.’ Disse a mãe. ‘Se você não se comportar vai para a cozinha.’

‘A mamãe falou pra ele não ir à cozinha hoje não.’ Disse Versh. ‘Ela disse que tem que preparar um montão de comida.’

‘Deixe, Caroline.’ Disse o tio Maury. ‘Você vai piorar de tanto se preocupar com ele.’

‘Eu sei.’ Disse a mãe. ‘É o meu castigo. Eu acho às vezes.’

‘Eu sei, eu sei.’ Disse o tio Maury. ‘Você tem que poupar suas forças. Vou praparar um grogue para você.’

‘Isso me deixa ainda pior.’ Disse a mãe. ‘Você sabe muito bem.’


(7 de abril de 1928)

...

Onde a sombra da ponte caía dava para enxergar bem fundo, mas não até o leito. Quando você deixa uma folha muito tempo dentro d’água o tecido desaparece e as fibras delicadas balançando devagar como o movimento do sono. Elas não encostam uma na outra, por mais que antes estivessem enredadas por mais próximas que antes estivessem dos ossos. E talvez quando Ele disser levantai-vos os olhos subam a superfície também, do fundo tranquilo do sono, para contemplar a glória. E depois de algum tempo os ferros de passar também subiriam à superfície. Escondi-os debaixo da extremidade da ponte e debrucei-me sobre o parapeito.

Não dava para ver o fundo, mas consegui ver a água fluindo numa boa profundidade até minha vista cansar, e depois vi uma sombra pendurada como uma seta gorda pendendo sobre a corrente. Efeméridas entravam e saíam da sombra da ponte bordejando a superfície da água
. Se ao menos houvesse um inferno depois: a chama limpa nós dois mais que mortos. Então você terá só a mim então só a mim então nós dois em meio à reprovação e o horror além da chama limpa A seta aumentou sem movimento, então num torvelinho rápido a truta engoliu um inseto sob a superfície com aquela espécie de delicadeza gigantesca com que um elefante pega um amendoim. O vórtice aquietou-se aos poucos e seguiu correnteza abaixo e depois vi a seta outra vez, oscilando de leve ao ritmo da água sobre a qual efeméridas pousavam inclinadas. Só você e eu então em meio à reprovação e o horror emparedados pela chama limpa”


(2 de junho, 1910)

...

Uma vez vagabunda, sempre vagabunda, é o que eu digo. O que eu digo é que a senhora é feliz se sua única preocupação é ela estar matando aula. O que eu digo é que ela deveria estar lá embaixo na cozinha agora mesmo, em vez de socada no quarto dela, lambuzando a cara com maquiagem e esperando que seis negros que nem conseguem se levantar da cadeira se não devorarem uma panela cheia de pão e carne prepararem o café da manhã dela. E a mãe diz:

‘Mas as autoridades escolares vão pensar que eu não consigo controlá-la, e isso eu não ...’

‘Ora’, eu digo, ‘a senhora não controla mesmo, é ou não é? A senhora nunca tentou nada com ela’, eu digo. ‘O que adianta começar a essa altura, quando ela já está com dezessete anos?’

Ela ficou pensando um tempo.

‘Mas o que vão pensar ... Eu nem sabia que tinha boletim. Ela me disse no outono passado que este ano tinham parado de usar boletim. E agora o professor Junkin me telefona para dizer que com mais uma falta ela vai ter que sair da escola. Como é que ela faz isso? Aonde ela vai? Você passa o dia todo no centro; você devia vê-la se ela fica na rua.’

‘É’, eu digo. ‘Se ela ficasse na rua. Imagino que se ela mata aula não é pra fazer uma coisa que ela podia fazer em público’, eu digo.

‘O que você quer dizer?’ ela pergunta.

‘Não quero dizer nada’, eu digo. ‘Só fiz responder a sua pergunta.’ Então ela começou a chorar de novo, dizendo que o sangue do sangue dela agora a amaldiçoava.

‘A senhora me perguntou’, eu digo.

‘Não estou me referindo a você’, ela diz. ‘Você é o único que não me envergonha.’

‘Claro’, eu digo. ‘Nunca tive tempo pra isso. Nunca tive tempo pra ir estudar em Harvard nem pra me matar de tanto beber. Sempre tive que trabalhar. Mas, é claro, se a senhora quiser que eu fique andando atrás dela pra saber o que ela faz, eu largo a loja e arranjo um emprego em que eu possa trabalhar à noite. Aí eu posso ficar o dia inteiro atrás dela, vigiando, e a senhora manda o Ben me substituir à noite.’

‘Eu sei que para você sou só um fardo e um estorvo’, ela diz, chorando no travesseiro.

‘E eu não sei?’, eu digo. ‘Há trinta anos que a senhora vive me dizendo isso. Até mesmo o Ben já deve estar sabendo. A senhora quer que eu fale com ela?’

‘Você acha que vai adiantar alguma coisa?’ ela pergunta.

‘Não, se a senhora descer e se meter na conversa assim que eu começar’, eu digo. ‘Se a senhora quer que ela fique sob meu controle, é só me dizer e depois não se meter. Toda vez que eu tento, a senhora se intromete e aí ela ri de nós dois.’

‘Não esqueça que ela é sangue do seu sangue’, ela diz.

‘Claro’, eu digo, ‘era justamente nisso que eu estava pensando – sangue. Na minha opinião, um pouco de sangue seria bom. Quando uma pessoa age igual a um negro, seja ela quem for, o jeito é ela ser tratada como negro.
’''


(6 de abril, 1928)

...

O dia nasceu feio e frio, uma muralha móvel de luz cinzenta vinda do nordeste, que, em vez de dissolver-se em umidade, parecia desintegrar-se em partículas minúsculas e venenosas, como a poeira que, quando Dilsey abriu a porta da cabana e dela emergiu, se cravou lateralmente em sua carne, precipitando-se não exatamente como umidade e sim como uma substância com a consistência de óleo fino, não completamente coagulado. Ela usava um chapéu de palha preto rígido equilibrado sobre um turbante e uma manta de veludo grená com uma bainha esfiapada de alguma pele anônima por cima do vestido de seda roxo, e permaneceu parada à
porta por um instante, com um rosto multifacetado e mirrado voltado para o céu inclemente, e uma mão angulosa e descorada como o ventre de um peixe, e em seguida jogou a manta para o lado para examinar a frente do vestido.

O vestido caía anguloso dos ombros, cobrindo os seios caídos, depois se retesava sobre a barriga dilatada e pendia de novo, avolumando-se um pouco acima das roupas de baixo, que ela ia removendo camada por camada à medida que a primavera se cumpria com os dias mais quentes, em cores imperiais e moribundas. Outrora fora uma mulher graúda, mas agora seu esqueleto vinha à tona, frouxamente encoberto pela pele solta que se apertava novamente sobre a barriga quase hidrópica, como se músculo e tecido fossem a coragem ou resistência que os dias ou os anos haviam consumido até que só restasse o esqueleto indômito, como uma ruína ou um marco que se elevasse sobre as entranhas sonolentas e inatingíveis, e no alto de tudo o rosto desabado que dava a impressão de que os próprios ossos estavam fora da carne, emergindo no dia implacável e exprimindo ao mesmo tempo fatalismo e a decepção atônita de uma criança, até que ela se virou, voltou para dentro de casa e fechou a porta.



(8 de abril, 1928)



(Marco da moderna ficção americana, ‘O Som e a Fúria’, publicado em 1929, é geralmente considerado não apenas o primeiro grande romance de William Falkner como sua obra-prima. Trata da decadência de uma típica família sulista aristocrática, os Compsons, na localidade fictícia de Yoknapatawpha, e é dividido em quatro capítulos, cada qual representando um ponto de vista diferente: os três primeiros, dos irmãos Benjy, Quentin e Jason, e o último, de um narrador que a tudo observa. Benjy, que tem o mesmo nome de um tio, é retardado; Quentin, o sensível, que nutre uma paixão platônica pela irmã Caddy, estudou em Harvard e viu de longe a derrocada de sua família sem nada poder fazer, é o suicida; Jason é o revoltado, ressentido, que nutre um rancor desmedido, em especial de Caddy, por se julgar o preterido, e ainda por cima não aceita a nova ordem que coloca os judeus como os novos senhores da economia local e onde os negros já desfrutam de liberdade. Mas o interesse de ‘O Som ...’ não se resume ao enredo: lançando mão de múltiplos pontos de vista sobre os mesmos episódios, fluxo de consciência e saltos no tempo, Falukner cria uma narrativa fragmentada que forjou um estilo único e deixou inúmeras crias, várias delas crias na América Latina – Borges, Juan Rulfo, García Márques. A origem do título do livro vem do famoso monólogo no quinto ato de Macbeth, de Shakespeare, onde o protagonista define assim a vida: “uma história cheia de som e fúria, contada por um idiota, e que não significa nada”. William Cuthbert Falkner, nascido em 25 de setembro de 1897, já havia publicado outros quatro romances antes de ‘O Som e a Fúria’, e na sequência lançaria outros clássicos, como ‘Enquanto Agonizo’ (1930, disponível em edição da L&PM), ‘Luz de Agosto’ (editado aqui pela mesma CosacNaify que colocou ‘O Som ...’ no mercado com tradução de Paulo Henriques Britto em 2003), antes de uma malfadada experiência hollywwodyana nos anos 1940, onde fez amizade com Howard Hawks, Bogart e Bacall, frustrou-se, tomou todas ... O alcolismo o levou cedo, aos 64 anos de idade, em 6 de julho de 1962, não sem antes faturar o Nobel de literatura em 1949. Dizia que a fonte de sua literatura devia-se à equação “imaginação-observação-experiência”, e sobre “O Som e a Fúria”, no qual dizia ter colocado suas vísceras, garantia ser “de todos os meus livros, aquele onde o fracasso é o mais trágico e esplêndido”. Quem mergulha com vontade nesse denso retrato do sul profundo não se arrepende: é daqueles livros de que não se esquece e não se vê a hora de vivê-lo de novo.)

sexta-feira, 23 de julho de 2010

COMPANHIA MAGNÉTICA NO RÁDIO (44)

O programa deste sábado, 24, às 22h na FM CULTURA (107.7 no dial ou www.fmcultura.com.br na rede) tem quatro lançamentos entre os mais quentes do ano até aqui, baluartes da música eletrônica, um DJ doidão, powerpop de primeira e pop escocês com suíngue negro lá dos anos 1980, mais falado do que ouvido. Enjoy!


1º bloco:
TEENAGE FANCLUB – Baby Lee

Pintando mais uma vez por aqui o excelente grupo escocês liderado pelo trio de compositores/cantores Gerard Love, Norman Blake e Raymond McGuinley, na ativa há 21 anos, desta vez com álbum novo, o nono na carreira, ‘Shadows’, recém-lançado. É o primeiro disco a sair pela própria gravadora da banda, Pema – na América, o lançamento é da Merge, do pessoal do Superchunk –, produzido pelo próprio Teenage, e com participação de Euros Child, do Gorky’s Zygotic Mynci. O disco começou a ser gravado ainda em 2008, no esquema sem pressa que tem caracterizado o grupo na última década – um álbum a cada cinco anos –, tem o mesmo tom reflexivo do anterior, ‘Man-Made’ (2005), e as velhas referências de Beatles, Byrds, Love, Big Star e Velvet Underground.

SLOAN – Money City Maniacs
Grupo canadense de Halifax, influências muito parecidas (pra não dizer absolutamente idênticas) às do Teenage (country rock californiano, psicodelia sessentista, power pop), sucesso estrondoso em casa, nem tanto fora – nem mesmo no vizinho Estados Unidos: contratados da Geffen Records, mesma gravadora do Nirvana, no auge do estouro grunge, foram deixados de lado pelo selo, que não percebeu que o momento de volta às raízes, “back to basic” do grunge tinha tudo a ver com os caras. O Sloan, que chegou a considerar encerrara as atividade à época, depois de ótimos discos como ‘Smeared’ (1993) e ‘Twice Removed’ (1994), deu seu grito de independência em 1995, restabelecendo-se com ‘One Chord to Another’ (1996), sucesso tanto no Canadá quanto nos EUA. Seguiram-se outros grandes discos, como ‘Navy Blues’ (1998), um consagrador CD duplo ao vivo um ano depois, faixas em trilhas sonoras de filmes bacanas, uma coletânea fazendo a retrospectibva de seus primeiros 15 anos de carreira – estão na estrada desde 1991 –, sendo que seu último álbum é de 2008, ‘Parallel Play’.

BEULAH – A Good Man is Easy to Kill
Esta já encerrou as atividades – em 2004, com oito anos de carreira e cinco álbuns no currículo. A dupla de líderes, Miles Kurosky e Bill Swann, eram colegas em uma empresa em San Francisco, e, apesar de uma ligeira inmplicância mútua, juntaram-se pra fazer um som que lembrasse a psicodelia e o folk rock californianos dos anos 1960 (Byrds, Love, Buffalo Springfiled, Beach Boys). Juntaram-se ao pessoal da Elephant 6 (selo/cooperativa de Neutral Milk Hotel, Olivia Tremor Control e Apples in Stereo, entre outras bandas, com as quais, por sinal, o Beulah também excursionou). ‘When Yourheartstrings Break’ (1999), gravado no capricho com vários músicos adicionais executando flautas, arranjos de cordas e órgãos, e ‘The Coast Is Never Clear’ (2001, curiosamente lançado em 11 de setembro, dia dos ataques terroristas às torres gêmeas e ao prédio do Pentágono) são seus discos mais conhecidos e aclamados.


2º bloco:
UNKLE (c/ SLEEPY SUN) – Follow Me Down

Projeto do dono do selo Mo’ Wax, o DJ inglês James Lavelle, que faz um mix de batidas de hip-hop com gêneros variados da electronica. Já teve em suas fileiras DJ Shadow, gravou com uma série imensa de convidados bacanas – Thom Yorke (Radiohead), Richard Ashcroft (ex-Verve), Mike D (Besatie Boys), Jason Newsted (ex-Metallica), Josh Homme (Queens of the Stone Age), Ian Astbury (Cult) –, uma cacetada de remixes para bambambans que vão do Portishead a Howie B, fez trilha sonora para documentários, e tá de ábum novo, ‘Where Did the Night Fall’, lançado em maio, com nova formação, que inclui Pablo Clements no lugar de Richard File, como companheiro de Lavelle, mais uma penca de convidados legais (Mark Lanegan, The Black Angels, Big Japan, e o som mais “orgânico”, com um time de músicos, além da parafernália eletrônica.

BOMB THE BASS (c/ GUI BORATTO & RICHARD DAVIES) – Price On Your Head
Um dos nomes fundamentais da cena eletrônica britânica da virada dos anos 1980 para os 90, o DJ londrino Tim Simenon é um garoto-prodígio. Começou discotecando no Wag Club londrino ainda adolescente, em meados dos anos 1980, logo passou a fazer experimentos com teclados eletrônicos e beatboxes, fez curso de produção num college londrino e com 20 anos de idade já gravava um dos discos que impulsionaram a cena rave – ‘Into The Dragon’ (1988). Tornou-se logo referência, produzindo singles clássicos como ‘Buffalo Stance’, de Neneh Cherry, e ‘Crazy’, de Seal, mais tarde colaboraria com Sinéad O’Connor, Bono, Massive attack, Bowie, Depeche Mode, Primal Scream, mas aos poucos a carreira de produtor foi fazendo que a de performer fosse ficando de lado: apenas dois álbuns foram lançados na década de 1990 – e na primeira metade. Mas eis que há dois anos, o cara resolve dar as caras de novo com material próprio: ‘Future Chaos’ veio em 2008, com as participações de Jon Spencer e Mark Lanegan, entre outros, e teve boas críticas, assim como o novo, ‘Back to Light’, que conta com o auxílio de um dos nomes mais quentes da electronica hoje, o brasileiro Gui Boratto, e o vocalista Richard Davies, do Muse, entre outros convidados.

GONJASUFI – Dednd
Sumach Ecks é o verdadeiro nome deste DJ californiano de San Diego, bicho-grilo de carteirinha (tem longos dreadlocks), que é também instrutor de ioga, começou seus experimentos musicais fazendo rap com o pessoal do Masters of Universe, trabalhou ainda como DJ no projeto Killowatz, até que resolveu se dedicar ao seu trabalho-solo chamado Gonjasufi (em shows, ele já usou os nomes de Sumach Valentine e Randy Johnson). Já viveu na praia, depois no deserto, e desde 2006, com o auxílio de Flying Lotus e Gaslamp Killer, baluartes do hip-hop underground, vem lançando seu material, com fartas referências à psicodelia sessentista mais hard, com som tecaldinhos vintage e guitarras com pedal de fuzz, à música oriental, ao hip-hop mais entorpecido dos anos 1990 e ao funk viajandão de George Clinton e seu P-Funk. Gonjasufi tem apenas um álbum, ‘A Sufi and a Killer’, lançado este ano, pelo selo Warp.


3º bloco: ORANGE JUICE – ‘You Can’t Hide Your Love Forever’ (1982)

Cult band escocesa de Glasgow, formada na Segunda metade dos anos 1970, impulsionou a forte cena musical de seu país (Josef K, Fire Engines, Scars) na década seguinte, com um pop inteligente, vibrante, com muita influência da soul music americana e que tornou-se referência para inúmeros grupos que vieram depois – inclusive o citado Teenage Fanclub, que abriu este programa, The Vaselines, Aztec Camera. Não chegaram a durar uma década, deixaram apenas três álbuns (os dois primeiros são clássicos), mas revelaram ao mundo o talento do cantor e compositor Edwyn Collins.

As origens do OJ remetem ao ano de 1976, quando Collins fundou seu primeiro grupo, o Nu-Sonics (tomando emprestado o nome de um marca de guitarra barata), que tinham em sua formação , além de Collins como cantor e guitarrista, o baixista David McClymont, o baterista Steven Daly e o guitarrista James Kirk. Adotaram o nome de “suco de laranja” em 1979, ano em que Collins completava 20 anos de idade – ele nasceu em Edimburgo em 23 de agosto. O Orange Juice foi uma das primeiras bandas do pós-punk britânico a assumir influências do funk e da disco – mas num clima mais melódico, menos ruidoso e agressivo que a dissonante Gang Of Four, por exemplo. A temática das canções também diferia da maioria das bandas do período: as letras otimistas tinham até um certo ar de ingenuidade e inocência raros então. Embora Collins fosse o principal compositor do grupo, Kirk também compunha e cantava suas composições.

O single de estreia do grupo veio no começo de 1980: ‘Falling and Laughing’, gravada ao custo de menos de 100 libras, e saiu por um selo chamado Postcard, especializado em pop indie de qualidade. Teve ótima repercussão junto à imprensa especializada, assim como os posteriores, já preparando o terreno para o aguardado primeiro álbum, que acabaria sendo lançado por uma major: a essa altura, a Polydor levou o passe dos caras e bancou o resto das gravações. ‘You Can’t Hide Your Love Forever’ saiu em março de 1982, e logo depois a formação do Orange Juice era modificada, com a entrada do guitarrista Michael Ross (oriundo de outra influente banda escocesa do período, o Josef K) e do baterista Zeke Manyika (africano do Zimbábue) e as saídas de Daly e Kirk. ‘Rip It Up’, o disco seguinte, foi ainda mais aclamado que o anterior, a faixa-título rendeu o único hit do grupo nas paradas (oitavo lugar na parada de singles britânica), e influenciaria, com sua levada funk e uso de sintetizadores, boa parte da acid house britânica do final da década de 1980.

Mas no começo de 1984, Ross e McClymont, os últimos remanescentes da formação original além de Collins, também resolveram pular fora, e o terceiro disco, ‘The Orange Juice’, foi gravado por Collins, Manyika e músicos convidados – antes, a dupla ainda lançaia um E.P., chamado ‘Texas Fever’. Desmobilizado, o Oranje Juice encerraria as atividade logo depois, e, de maneira curiosa, a gravadora que resolvera dispensar Collins decidiu lançar Manyika como artista-solo. Collins só voltaria a ter um hit em, 1995, quando a canção ‘A Girl Like You’, de seu terceiro álbum, ‘Gorgeous George’, lançado um ano antes, foi parar na trilha do filme ‘Empire Records’. Mas com a ascensão de novas bandas escocesas ao cenário pop mundial, nos anos 1990 e 2000, como Belle & Sebastian, Franz Ferdinand, ... o interesse pela música do Oranje Juice volotou, e a coletânea ‘The Glasgow School’, lançada em 2005, foi considerada a melhor reedição daquele ano pela revista inglesa Uncut. Para esse ano, o selo americano Domino promete a reedição dos três álbuns.

Falling and Laughing
Tender Object
L.O.V.E. Love
Three Cheers For Our Side
Felicity

sexta-feira, 16 de julho de 2010

COMPANHIA MAGNÉTICA NO RÁDIO (43)

O programa deste sábado, dia 17, às 22h, na FM CULTURA (107.7 no dial ou www.fmcultura.com.br na rede) tem psicodelia, nu rave, power pop e um clássico do punk feminista. Enjoy!

1º bloco:

STARDEATH AND WHITE DWARFS – New Heat

Pintando mais uma vez por aqui, desta vez sozinha: a banda de Dennis Coyne, sobrinho do líder dos Flaming Lips, Wayne Coyne, já tinha dado as caras em CM antes, quando do lançamento da versão de ‘The Dark side of The Moon’, gravada pelas duas bandas. As referências do Stardeath são muito parecidas com as da banda de titio Wayne: um rock experimental com boas melodias e climão psicodélico. Curiosamente, também são da mesma gravadora, a toda-poderosa Warner Brothers. Procedente de Norman, Oklahoma, na ativa desde 2004, o grupo de Dennis Coyne tem excursionado pela América com bambambans do cenário alternativo como Explosions in the Sky, Deerhoof, Band of Horses e, claro, os Flaming Lips. O primeiro álbum, lançado em junho do ano passado, cinco anos depois do E.P. de estreia, chama-se ‘The Birth’.

OF MONTREAL – Coquet Coquette
Prolífica banda americana – tá lançando o 10º álbum em 13 anos de carreira, que incluem ainda vários singles, E.P.’s e coletâneas –, é natural de Athens, na Georgia, lar do R.E.M., dos B-52’s e do Pylon, embora tenha perambulado pela Flórida, por Cleveland e por Minneapolis. O OM é a empresa de um cidadão chamado Kevin Barnes, maluco-beleza que batizou sua banda a partir de um pé-na-bunda que levou de uma garota canadense de Montreal, e surgiu na Segunda geração de bandas do selo/cooperativa Elephant 6, uma comunidade de artistas que emergiu na primeira metade dos anos 1990 que mixava o som lo-fi então em voga com o folk psicodélico sessentista e da qual faziam parte Olivia Tremos Control, Elf Power, Apples In Stereo e Neutral Milk Hotel, entre outros. A diferença básica para esses é que o Of Montreal tem referências mais variadas, que vão da new wave ao vaudeville, além de elementos teatrais. O novo álbum, que tá saindo lá fora, chama-se ‘False Priest’.

KLAXONS – Flashover
Trio londrino que faz rock largamente influenciado pela dance music, em especial o luminoso período entre o final dos anos 1980 e o começo da década seguinte, ou seja, a explosão da cena rave britânica – consta até que foi o baixista, cantor e compositor Jamie Reynolds quem cunhou o termo “nu-rave”, inicialmente para designar o som do seu grupo, mas o rótulo acabou pegando também em outras bandas que fazem esse tipo de som, como The Sunshine Underground, Hot Chip, Shitdisco e até o brasuca Cansei de Ser Sexy. O Klaxons, desde os primeiros singles, virou queridinho de publicações como a revista inglesa NME, o álbum de estreia, ‘Myths of the Near Future’, saiu em 2007, e o novo, ‘Surfing the Void’, tá previsto pro final do mês que vem.


2º bloco:

THE GO-BETWEENS – Magic in Here

Clássica banda australiana de Brisbane, formada em 1978. Típica organização cult, teve um séquito pequeno porém fiel de fãs, grande respeito da crítica, fazendo um som com referências inatacáveis (Velvet Underground, Bob Dylan), deixando discos significativos em selos bacanas como os ingleses Rough Trade e Beggars Banquet – chegaram até a se mudar pra Londres num dado momento. Os donos da bola, os guitarristas, vocalistas e compositores Grant McLennan e Robert Forster, foram encorajado por ninguém menos que os Saints, banda proto-punk dos anos 1970, referência inesgotável do rock australiano. Os GB encerraram as atividades no auge, no último dia de de 1989, um ano após o lançamento de seu sexto – e, segundo críticos e fãs, melhor – disco, ‘16 Lovers Lane’. Voltaram uma década depois, lançando o ótimo ‘The Friends of Rachel Worth’ (2000), com Foster e McLennan fazendo-se acompanhar por importantes músicos da cena indie americana, como Janet Weis (baterista do Quasi e do Sleater-Kinney), Sam Coomes (ex-parceiro de Elliot Smith no Heatmiser, tecladista do Quasi) e Corine Tucker (cantora e guitarrista do Sleater-Kinney). Deixaram mais dois álbuns de estúdio e um ao vivo, até a morte, por ataque cardíaco, de MacLennan, em maio de 2006.

ELECTRAFIXION – Lowdown
Banda inglesa de Liverpool que durou apenas dois anos, deixando apenas um álbum, hoje um tanto esquecido, mas que serviu para o nobilíssimo propósito de reeditar a clássica parceria entre o vocalista e compositor Ian McCulloch e o guitarrista Will Seargent, pouco mais de cinco anos de Mac ter deixado o Echo & The Bunnymen – que continou um tempinho sem ele, até que se deu conta de que sem o seu homem de frente não fazia o menor sentido continuar. Mais pesado e barulhento que o Echo, com guitarras mais turbinadas, claramente influenciadas pela onda grunge de então, o Electrafixion acabou servindo para animar a dupla Mac e Will a ressuscitar o Echo. Além dos dois, o grupo, que lançou ‘Burnedem 1995, ainda tinha o baixista Tony McGuigan.

SUGAR – Gee Angel
Outra banda de curtíssima duração (1992-95), formada pelo cantor, compositor e guitarrista Bob Mould, ex-Hüsker Dü, com o baixista David Barbe e o baterista Malcolm Travis, e mais ou menos com as mesmas referências – violões suaves e guitarras barulhentas, melodia e distorção convivendo em paz – que a ex-banda do frontman, apenas com uma pega a mais pop, sem tanto aquela estridência que era influência do hardcore do HD. Mould havia lançado dois álbuns solo muito bem recebidos após o fim do Hüsker Dü, em 1987, e com o Sugar registraria apenas dois – ‘Copper Blue’ (1992), o disco mais bem sucedido de toda a carreira do cara, disco de ouro no mercado americano, e ‘File Under: Easy Listening’ (1994) –, além do E.P. ‘Beaster’ (1993), até decidir-se pela volta à carreira solo. O Sugar ainda deixou uma coletânea de lados B de singles, chamada ‘Besides’, tão bacana quanto os álbuns de carreira.


3º bloco: X-RAY SPEX – ‘Germ Free Adolescents’ (1978)

Uma das principais bandas da explosão punk britânica dos anos 1970, junto com os Sex Pistols, Clash e o Damned, formada em Londres em 1976, registrou seu único álbum em 1978, encerrou as atividades um ano depois, mas é referência até hoje, principalmente para as bandas femininas – e feministas: Beth Ditto, do Gossip, sempre cita o X-Ray Spex como uma de suas bandas favoritas, o nome da banda já apareceu na letra de uma das músicas do Le Tigre e literalmente todas as riot grrrls pagam um tributo violento à banda da mítica cantora e compositora Poly Styrene.

Poly – ou Marion Joan Elliot Said, seu nome de batismo, nascida em 1957 filha de mãe secretária e pai somali de origem aristocrata mas que perdeu tudo e sumiu de vista – tem uma trajetória das mais fantásticas: aos 15 anos de idade, saiu de casa com apenas três libras no bolso, pegando a estrada e indo de carona de festival de rock em festival de rock, hospedando-se nos famosos ‘squats’ (casas abandonadas onde viviam comunidades punk) até pisar num prego enferrujado, contrair septicemia e ter de encerrar a brincadeira. Impressionada depois de assistir a um show dos Pistols, resolveu formar sua própria banda, com o auxílio da amiga Lora Logic (ou Susan Whitby, saxofonista, que logo depois formaria o The Essential Logic), então com apenas 16 anos – Poly tinha 19. O primeiro single do X-Ray, lançado em outubro de 1977, é um clássico absoluto: ‘Oh Bondage, Up Yours!’ é um dos grandes hinos feministas da história do rock. Além das canções de teor feminista, o principal tema das letras de Poly era o consumismo e a alienação da juventude de seu tempo.

O único álbum gravado pelo X-Ray Spex, ‘Germ Free Adolescents’, saiu em novembro de 1978, saudado pela crítica britânica como um dos melhores discos daquele ano, e a banda então já não contava com Lora Logic, que havia sido saída do grupo (sua participação nos arranjos das canções sequer é creditada), entrando em seu lugar Rudi Thompson. Mas a banda teria vida curtíssima mesmo. Após um show em Dorchester, Poly teve uma visão de uma luz cor-de-rosa vinda do céu e objetos caindo que se desintegravam quando ela os tocava. Sua mãe, achando que a garota estivesse alucinando, a internou em um hospital, e o primeiro diagnóstico foi de esquizofrenia, acompanhado pela recomendação de que ela não voltasse a trabalhar nunca mais. Mais tarde, o diagnóstico seria “abrandado” para transtorno bipolar, o que a levou a uma série de idas e vindas de hospitais. Vendo a coisa em retrospecto, mais tarde Polly disse que o perído até foi positivo: apesar de Ter de parar de tocar justo no momento em que sua banda acontecia, ela acha que foi bom sair da mira dos holofotes por um tempo.

Ressurgiu pouco tempo depois modificada. Virou hare krishna e lançou um elogiado disco-solo, ‘Translucence’, em 1981, gravado inclusive nos estúdios pertencentes ao movimento. Ainda soltou um míni-LP chamado ‘God’s & Godesses’, em 1986, e um novo álbum só viria em 2004, ‘New Age Flower Aeroplane’. O X-Ray Spex foi reeditado algumas vezes ainda – para um show-surpresa em Londres, em 1991, e depois para um novo disco (com Polly, Lora Logic e o baixista Paul Dean da formação original), chamado ‘Conscious Consumer’, lançado em 1995. Há dois anos, teve mais um comeback, para um show absolutamente lotado de 3.000 entusiasmados fãs: o concerto realizado no dia 6 de setembro no The Roadhouse londrino, descrito como “áspero” pela imprensa da ilha, foi lançado em disco dois meses depois, ‘Live @ the Roundhouse London 2008’. Hoje, uma amadurecida Poly Styrene, se auto-define como “uma observadora, não uma artista torturada que compõe a partir de suas torturadas experiências. Uma pessoa que usa a palavra e as ideias, tendo um sorriso no rosto sobre tudo, que trata de puxar a coisa pra cima”. Sua filha, Celeste Bell, também é cantora de uma banda, o Debutant Disco, radicado em Madri.

The Day The World Turned Day-Glo
Identity
Germ Free Adolescents
Warrior in Woolworths
Highly Inflammable
Oh Bondage, Up Yours!
(*)


(*) 1º e clássico single da banda, não saiu no álbum original, mas consta de edições posteriores como faixa-bônus

COMPANHIA MAGNÉTICA NO RÁDIO (42)

Sorry, babies. Aí vai o playlist do programa do sábado passado, dia 10, só pra registro - novamente tivemos problemas técnicos, além de atribuições em excesso (you can believe that). Em instantes, o desta semana. See Ya.

1º bloco:

MALE BONDING – Pirate Key

Trio londrino que faz um som garageiro mas com boas melodias, começou há dois anos tocando numa festa de amigos e logo já fundava seu próprio selo de gravação, Paradise Vendors Inc. A primeira aparição em disco foi em um álbum-tributo ao Flipper, e logo seguiram-se uma tour pelo Reino unido com as Vivian Girls, além de shows com algumas bandas bacanas que a gente já mostrou aqui, como HEALTH e Fucked Up. Após assinarem com o selo americano Sub Pop, no passado, gravaram seu álbum de estreia, ‘Nothing Hurts’, que saiu há pouco.

BEST COAST – Boyfriend
Duo americano com base em Los Angeles, formado ano passado pela cantora Bethany Cosentino, que aos 17 anos já postava suas canções no MySpace, sob o codinome Bethany Sharayah. Desses tempos inicias de voo solo no universo virtual, chegou a trair o interesse de várias gravadoras, mais assustada, Bethany achou que não não estava preparada, e acabou dedicando-se aos estudos e participando de um projeto experimental chamado Pocahaunted, até estabelecer a parceria com o múlti-instrumentista Bobb Bruno e gravar as primeiras demos do Best Coast, inspirado na surf music dos anos 1960, nas girl groups clássicas (como Ronettes, Shangri-Las e Supremes), no som lo-fi dos anos 1990 e no punk pop. De cara, viraram sensação do universo indie com o E.P. ‘Where the Boys Are’, que apareceu em várias listas de melhores lançamentos do ano passado, a agora reaparecem com o álbum de estreia, ‘Crazy For You’, recém-lançado.

CLUB 8 – Shape Up!
Veterana banda sueca, tá na estrada já há quinze anos, lançou em maio seu sétimo disco, ‘The People’s Record’, novamente investindo no ecletismo: as referências vão da MPB ao trip-hop, da música do oeste africano ao noise, do synthpop oitentista a bandas clássicas do pós-punk britânico. O C8 é basicamente um projeto da dupla Karolina Komsted e Johan Angergard, que já havia trabalhado junta em um outro grupo, chamado Poprace. O curioso é que o Club 8, um dos contratados da prestigiada Labrador Records, o mais conceituado selo indie nórdico, fez o caminho inverso da maioria das bandas: estreou primeiro em disco, gravando três faixas para um E.P., em 1995, só debutando nos palcos três anos depois, e longe de casa, no famoso CMJ Festival em Nova Iorque.

THE DRUMS – Forever and Ever Amen
Mais uma banda americana que foi sensação no ano passado, por conta de seu E.P. de estreia, ‘Summertime!’, e que dá as caras agora com seu primeiro álbum, homônimo. A música do The Drums tem um quê de anos 1950 nas melodias, mixado aum instrumental que é cria direta do pós-punk oitentista. Jonathan Pierce e Jacob Graham, respectivamente vocalista e guitarrista, são os donos da bola, e se conhecem desde a adolescência, quando tiveram outra banda, chamada Goat Explosion. O guitarrista Adam Kessler e o baterista Connor H completam a formação do grupo, que teve ‘The Drums’ lançado primeiro na Inglaterra e só depois no mercado americano.


2º bloco:

PAUL WESTERBERG – High Time

Ex-líder de uma das mais influentes e queridas bandas do rock americano dos anos 1980, os Replacements, que encerraram as atividades em 1991. No ano seguinte, o cara já iniciava o voo solo, com duas faixas na trilha do filme ‘Singles – Vida de Solteiro’, comédia romântica passada em Seattle no auge do grunge – que teve os Replacements, por sinal, como uma de suas principais referências. O primeiro disco-solo, ’14 songs’, de 1993, teve a mesma recepção de quase todos os álbuns de sua ex-banda: ótimas críticas, vendas nem tanto. O trabalho mais recente de Paul, americano de Minneapolis, Minesotta, 50 anos completados no último dia de 2009, é ’49:00’, lançado em 2008. Em 2002, saiu – inclusive no Brasil –, um curioso álbum duplo chamado ‘Stereo’/‘Mono’, com um disco gravado em mono e outro em estéreo – sendo que o primeiro chegou a ser lançado antes, sozinho, creditado à identidade secreta de Westerberg, Grandpaboy.

GRANT HART – Nobody Rides For Free

Grantzberg Vernon Hart, um dos raros bateristas/cantores da história do rock, também excelente compositor, fez história atrás do drum kit de outra instituição do rock americano dos anos 1980 – e assim como os Replacements também de Minneapolis –, o trio Hüsker Dü. Banda que acabou em 1987, no auge, depois de lançar um de seus clássicos, o álbum duplo ‘Warehouse – Songs and Stories’. Um ano depois, era o primeiro ex-Hüsker Dü a lançar um trabalho solo, o E.P. ‘2541’, eminentemente acústico. Em 1989, formou novo trio, o Nova Mob, que deixou apenas dois discos e foi desfeito cinco anos depois. Tendo enfrentado sérios problemas com drogas durante muito tempo, Hart, nesses 23 anos de carreira-solo desde a dissolução dos Hüskers – que teria como um de suas causas determinantes exatamente os abusos do cara –, gravou apenas cinco álbuns, o último deles ‘Hot Wax’, lançado no ano passado. Um de seus melhores trabalhos é ‘Good News For Modern Man’, de 1999.

EVAN DANDO – Hard Drive
Outro sujeito vira e mexe às voltas com problemas com abusos químicos, que muito já prejudicaram sua carreira e quase abreviaram, sua vida, Evan Griffith Dando, nascido em Boston em 1967, cresceu ligado na dourada geração dos anos 1980 do rock americano – em especial Replacements e Hüsker Dü – e formou os Lemonheads antes de completar 20 anos. Misturando melodias ensolaradas com energia punk, o grupo deu o que falar na primeira metade dos anos 1990, em álbuns como ‘It’s a Shame About Ray’ (1991) e ‘Come On Feel The Lemonheads’ (1993), mas a vida louca de Dando chegou a determinar, em meados dos 90’s, o encerramento das atividades dos Lemonheads, que acabaram voltando no começo dos 2000’s, tendo inclusive tocao em Porto Alegre, no Bar Opinião, em 2004. Entre os discos-solo de Dando, um dos destaques é o segundo, ‘Baby I’m Bored’, de 2003.


3º bloco: THE TEARDROP EXPLODES – ‘Kilimanjaro’ (1980)

Banda inglesa de Liverpool da primeira geração do rock a receber o rótulod e “neo-psicodélica”, no finalzinho dos anos 1970/início dos 1980, e que tinha como um de seus baluartes justamente um conterrâneo dos TE, o Echo & The Bunnymen, cujo vocalista, Ian McCulloch, participara antes de um trio chamado The Crucial Three, que contava ainda com Pete Wylie, que depois formaria o Wah!, e uma folclórica figura apaixonada por krautrock e drogas alucinógenas chamada Julian Cope, que logo também formaria sua própria banda ... os Teardrop Explodes, que iniciou suas atividades em 1978 tirou seu nome (‘A Lágriam Explode’) de uma história em quadrinhos da Marvel.

O som do TE, assim como o do Echo, pagava um tributo violento aos Doors, principalmente pelo farto uso dos teclados, o que os aproximava também do electropop então vigente. Seu primeiro single, ‘Sleeping Gas’, teve boa recepção, assimo como o seguinte, ‘Bouncing Babies’. Esse, lançado em julho de 1979, deu muito o que falar: ancorado no poderoso e incisivo som dos teclados do recém-chegadoGerald Quinn, que substituía o organista original Paul Simpson, e na distorção da guitarra de Michael Finkler, herdeira do melhor rock de garagem dos anos 1960, a músia teve acolhida entusiasmada, mas o single inexplicavelmente logo sumiu das lojas, o que acabou inspirando uma curiosa homenagem de uma banda chamada The Freshies, que gravou uma canção sobre o fato, ‘I Can’t Get (Bouncing Babies by The Teardrop Explodes)’ – ‘Eu Não Acho (Bouncing Babies dos The Teardrop Explodes)’. Os dois singles posteriores, ‘Treason’ e ‘When I Dream’, chegaram até as paradas britânicas. Todas essas canções foram incluídas no álbum de estreia, ‘Kilimanjaro’, lançado em outubro de 1980.

O problema é que o Teardrop Explodes, ao contrário do Echo, jamais conseguiu formar um séquito de fãs fora do universo underground, e a banda só conseguiu lançar mais um disco, ‘Wilder’, em 1981, antes de encerrar as atividades. Ainda sairia um último álbum, mas só em 1990, ‘Everybody Wants to Shag ... The Teardrop Explodes’, gravado pouco antes da dissolução, em 1983. Julian Cope, desde então, partiu para em carreira-solo, bem-sucedida na Inglaterra, mas pouco conhecida fora dela. Ele também é escritor, tem quatro livor publicados.

Ha Ha I’m Drowning
Sleeping Gas
Treason
Bouncing Babies
When I Dream

sexta-feira, 2 de julho de 2010

COMPANHIA MAGNÉTICA NO RÁDIO (41)

Tá aí o programa deste sábado, 03/07, às 22h, na FM CULTURA (107.7 no dial ou www.fmcultura.com.br na rede). Conforme o anunciado, um especial bacana do Sonic Youth, reunindo os três discos lançados na segunda metade dos anos 1980 - os últimos independentes, antes de asinarem com a Geffen e por lá ficarem quase 20 anos, e também os mais importantes, por serem os atestados definitivos da maturirade do quarteto novaiorquino, equilibrando o noise e as vanguardices da cena no wave com o pop e o rock. Enjoy!


1º bloco: ‘EVOL’ (1986)

O Sonic Youth tinha um míni-LP, dois álbuns e aproximadamente cinco anos de carreira, em 1986, quando o rumo da sua música passou a mudar. Antes associado à cena no wave novaiorquina (Swans, Lydia Lunch), ao lançar ‘EVOL’ abraçava de forma mais direta referências do pop e do rock também – sem deixar de lado as famosas experimentações, como as mudanças de afinações das guitarras, por vezes tocadas com baquetas e até chaves de fenda (!), o farto uso de feedback e drones, criando assim uma atmosfera densa, ruidosa, hipnótica e dissonante, herança das participações de Thurston Moore e Lee Ranaldo na orquestra de guitarras do compositor de vanguarda Glenn Branca, além da influência de compositores minimalistas como John Cage e Steve Reich e o free jazz.

‘EVOL’, lançado em maio de 1986, foi o primeiro disco do Sonic Youth com Steve Shelley na bateria – em substituição a Bob Bert –, o que também colaborou decisivamente para a nova dinâmica da música da banda, e também o primeiro pelo lendário selo californiano SST Records, de Greg Ginn, ex-guitarrista do Black Flag, e que lançou, entre outros, os Meat Puppets, o Hüsker Dü, o Minutemen e o Dinosaur Jr., além do próprio Black Flag. O pessoal do Sonic Youth sempre foi fã da gravadora, com Lee chegando a dizer que era “a única companhia em que nós realmente faríamos tudo para estar”. O terceiro álbum do grupo teve participações de velhos amigos: a doidona Lydia Lunch e o baixista Mike Watt, ex-Minutemen. Esse último credita à convivência com a banda sua decisão de continuar a tocar: deprimido com a morte de seu amigo D Boon, vocalista e guitarrista do Minutemen, em dezembro de 1985, que decretou o fim da banda, havia decidido abandonar a carreira.

Tom Violence
Shadow of a Doubt (*)
Green Light
Express to Yr. Skull


(*) A letra faz referência ao filme homônimo de Alfred Hitchcock, ‘A Sombra de Uma Dúvida’ (1943), e também a ‘Pacto Sinistro’ (1951)


2º bloco: SONIC YOUTH – ‘Sister’ (1987)

Mais equilibrado que o disco anterior na mistura de experimentalismos e melodia, ‘Sister’, lançado em junho de 1987, foi também a confirmação da maturidade do Sonic Youth, e o primeiro em que o senso melódico começa a passar à frente – sem, contudo, deixar de lado as vanguardices que sempre caracterizaram o som do quarteto. É também o primeiro disco conceitual dos caras, parcialmente inspirado em um episódio que marcou a vida do escritor de ficção científica Philip K. Dick (‘Andoides Sonham com Carneiros Elétricos?’, conto que deu origem a ‘Blade Runner’, ‘O Homem Duplo’): o título refere-se à irmã do autor, que morreu logo após o parto, fato que atormentou Dick por toda a vida.

‘Sister’, todo gravado em equipamento analógico, pra dar um ar “vintage” à sonoridade, foi o segundo e último álbum pela SST, e é tido como um dos melhores discos não só do Sonic Youth e do som indie, mas mesmo do rock dos anos 1980, só perdendo para o álbum seguinte do grupo. Foi também o primeiro deles a sair no Brasil, em vinil, pelo selo Stilleto (com distribuição da Eldorado).

Schizophrenia
Tuff Gnarl
White Kross



3º bloco: SONIC YOUTH – ‘Daydream Nation’ (1988)

O disco mais ambicioso do Sonic Youth – era, originalmente, um álbum duplo em vinil –, foi também o último do grupo a sair por um selo independente (o Enigma, com quem a banda teria problemas), em maio de 1988. Foi gravado em um estúdio localizado em um porão em Nova Iorque, com co-produção e engenharia de som de Nick Susano, um sujeito que mal conhecia o grupo. Expert em hip-hop, mostrou para o grupo seu trabalho em ‘Black Steel in the Hour of Chaos’, do Public Enemy, temendo a reação dos caras, mas eles gostaram. Agendaram, então, três semanas de gravações ao custo de U$ 1.000 ao dia, mas as longas jams do quarteto, além da insatisfação de Kim Gordon com alguns de seus vocais, fizeram com que o custo final da empreitada chegasse a U$ 30.000, o que levou Thurston a chamar ‘Daydream Nation’ de “nosso primeiro álbum não econômico”. O método de composição mudou neste quinto álbum do quarteto: ao invés de Thurston levar as ideias básicas de melodias e progressões de acordes para os ensaios, como de costume, o grupo preferiu as improvisações das suas tradicionais jam sessioms, que velhos amigos como Henry Rollins notavam serem uma característica marcante do grupo não muito explorada nos discos.

Lançado em outubro de 1988, ‘Daydream Nation’ agradou de cara, sendo adotado pelas college radios americanas, pela imprensa especializada tanto americana quanto inglesa, e até frequentando as paradas: entrou em 99º lugar nos charts britânicos (o que não deixa de ser considerável para uma banda do undeground) e na 20ª posição da então recém-criada parada de ‘Modern Rock Tracks’ da revista americana Billboard. É, sem dúvida, um clássico do rock: em 2006, foi incluído numa nova leva de 50 álbuns a serem adicionados no Registro Nacional de Gravações da Biblioteca do Congresso Norte-Americano.

Teen Age Riot
Eric’s Trip
(*)
Hey Joni (**)
Candle (***)

(*) baseada no famoso monólogo de Eric Emerson, músico, dançarino e ator, em ‘Chelsea Girls’, filme de Andy Warhol
(**) referência a Joni Mitchel, verdadeira obsessão dos caras, e também à clássica canção ‘Hey Joe’, de Billy Roberts, imortalizada por Jimi Hendrix
(***) faz referência às velas queimando que estampam a capa e a contra-capa do disco, trabalho do artista alemão Gerhard Richter intitulado ‘Kerze’ (‘vela’, ou ‘candle’)