quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

A última grande geração do rock americano (parte 2)

MINOR THREAT
A outra grande banda de Washigton D.C., pilar do hardcore junto com seus conterrâneos Bad Brains, com uma diferença básica em termos de postura: são a primeira banda straight edge da história. Ian McKaye, seu líder, sempre foi um sujeito de conviccções tão firmes quanto estranhas ao mundo do rock: não bebe, não fuma, não cheira, não injeta, ... não consome droga nenhuma, lícita ou ilícita. A rebeldia do MN é totalmente focada na questão da autoconsciência e da, digamos, integridade pessoal inabalável. Coisa que o McKaye leva extremamente a sério até hoje: mesmo no auge da popularidade, sensação do indie rock americano, o Fugazi, sua banda posterior, recusou dezenas de convites para gravar por grandes gravadoras. Os discos do selo Dischord, de sua propriedade, vêm todos com o preço - em torno de dez dólares, no máximo - estampado na capa, para que nenhum lojista esperto cresça as unhas. Os ingressos dos shows também não podem custar mais de 6 dólares (taxas incluídas) e o sujeito que compra camisetas piratas dos caras é destratado por McKaye em pleno show - sei porque presenciei ao vivo, em 93, no Hollywood Bowl. Mas voltando ao MN, as canções são rápidas, curtas - em torno de 1min., 1min. e meio -, só que com uma levada característica, que, aprimorada, transformaria o Fugazi numa das bandas mais originais no cenário indie americano desde o final da década de 80 e por toda a de 90. Hardcore de vanguarda, tocado por caretas convictos.
Álbum: a compilação Complete Discography, claro, mata a charada toda. Como o título já diz, reúne tudo o que os caras gravaram: o único LP, Out of Step (1984), o E.P. Minor Threat (1981) e o single de In My Eyes (também de 1981)

MINUTEMEN
Dificílimo classificar a música do trio californiano de San Pedro: hardcore, funk, free jazz, folk, ... entrava tudo no caldeirão dos caras, e esse ecletismo todo jamais significou falta de foco. Quem ouve Minutemen alguma vez, reconhece imediatamente o som. Infelizmente, mais uma banda de duração relâmpago: com a morte do guitarrista e vocalista D. Boon, em um acidente de trânsito em 1985, o grupo se desfez após apenas cinco anos de existência, passada a maior parte do tempo na estrada - dizia-se que o Minutemen só gravava quando tinha tempo, ou seja, quando não estava tocando ao vivo. Mas ainda assim, deixaram cinco discos em cinco anos (!), além de um ao vivo póstumo e vários E.P.'s. O baixista Mike Watt, grande músico e figura carismática do rock americano desde então, e o baterista George Hurley, formaram em seguida à morte de Boon o Firehose, outra grande banda. Watt vinha tocando ultimamente nos redivivos Stooges.
Disco: o básico é Double Nickles on the Dime (1984), um dos discos definitivos dos anos 80: 43 faixas (!!!!), algumas durando menos de um minuto, em pouco menos de 1 hora e 15 min. de música - o L.P. original era duplo. Mas What Makes a Man Starts Fire? (1982), Buzz or Howl Under the Influence of Heat (1983) e o derradeiro 3-Way Tie (For Last) (1985) também são obrigatórios.

MISSION OF BURMA
A college band por excelência, o equivalente americano da Gang of Four - sem discursos marxistas - ou Wire. Art punk, precursores do pós-punk americano, ... não faltam definições para o som do quarteto liderado pelo guitarrista Roger Miller e o baixista Clint Conley, que tinham em sua formação ainda o baterista Peter Prescott e o manipulador de tapes Martin Swope. Basicamente uma guitar band com ecos de Velvet Underground, Modern Lovers e um certo experimentalismo a la Brian Eno no Roxy Music (mais no método e conceito do que no som, sem parafernália eletrônica). Gravaram apenas um álbum, e um E.P, que marcaram indelevelmente a(s) cena(s) alternativa(s) americana(s), durando apenas três anos mas deixando hinos como a abrasiva 'Academy Fight Song' e 'That's When I Reach For My Revolver' - esta regravada nos 90 por gente como Moby e o guitarrista do Blur, Graham Coxon. Voltaram em 2002, com o mesmo altíssimo padrão de qualidade.
Álbuns: Mission of Burma (col., 1988) resolve a questão em relação à fase clássica da banda, pois traz o álbum Vs. (1982), o E.P. Signals, Calls and Marches (1981) e faixas gravadas à época de Vs. E Onoffon (2004) e The Obliteratti (2006) são honrosas exceções àquela regra que diz que, no pop e no rock, o veterano, quando retoma a carreira longos anos após seu auge, geralmente tá acomodado e não tem mais o que dizer.

R.E.M.
A única representante da turma que trocou o underground pelo mainstream e lá permaneceu, e também uma das poucas superbandas da história do rock que, prestes a comemorar 30 anos de carreira, ainda não demonstra sinais de desgaste - como comprovado recentemente no Brasil. Do início, soando como um mix de Byrds e Gang of Four, ao som dominado por guitarras turbinadas de Accelarate (2008), uma trajetória mais do que respeitável, exemplo de integridade: o grupo fundado na mesma Athens (Georgia) do B-52's e Pylon pelo carismático cantor Michael Stipe, letrista original e ex-estudante de artes, o enciclopédico guitarrista Peter Buck (uma espécie de Steve Cropper da geração 80), o baixista e cantor ocasional Mike Mills e o preciso baterista Bill Berry - que retirou-se em 1997 por problemas de saúde - dignifica o mainstream. Fenômeno de identificação popular no universo alternativo, viraram uma espécie de voz da América arejada, conquistando fãs em todo o mundo e influenciando uma cacetada de bandas igualmente por todos os lugares do globo, gerando até uma série de cópias - muitas brasileiras, inclusive.
Álbuns: na já extensa discografia da banda - 15 discos num intervalo de 25 anos -, há desde clássicos inquestionáveis (a estréia em Murmur, de 1983, os derradeiros registros pelo selo I.R.S., Lifes Reach Pageant, 1986, e Document, de 1987 - um dos melhores discos de rock da década de 80 -, o folky e reflexivo Automatic For the People, de 1992 - um dos melhores da década de 90), ótimos discos (o subestimado Fables of the Reconstitution, de 1985 - primeiro lançamento da banda no Brasil -, a estréia na Warner, Green, de 1989, o elétrico Monster, de 1994, o mais recente, Accelerate) e discos francamente medianos (o badalado Out of Time, de 1991 - sucesso de vendas, mas artisticamente ofuscado pelo Nevermind do Nirvana e toda a leva de bandas que invadiu o mainstream na cola de Kurt Cobain e cia. -, Up, de 1998 - atropelado pela onda eletrônica e o primeiro sem Berry - e os anteriores a Accelerate, Reveal, de 2001, e Around the Sun, de 2004).

REPLACEMENTS
Já valeria simplesmente por revelar o talento do compositor e cantor Paul Westerberg, outra das vozes do indie rock yankee da época, um fenômeno junto aos adolescentes angustiados/revoltados de então. Junto com o Hüsker Dü e Prince, colocou a gelada e tediosa Minneapolis (Minessotta) no mapa da música pop - que antes deles havia revelado praticamente só a surf music tosca dos Trashmen. Beberrões furiosos, os Replacements eram famosos por suas apresentações incendiárias e caóticas. Do início hardcore a álbuns mais melódicos, com uma levada stoneana, melodias a la Beatles e Big Star, mas mantendo a pegada indie, consolidaram uma carreira e duraram 12 anos, coisa rara entre esse pessoal. Mas se tivessem resistido mais um pouco - depuseram armas justo no ano do estouro do grunge -, provavelmente se tornariam umas das maiores bandas da América.
Álbuns: fecharam a fase indie com um clássico (Let it Be, de 1984, com a participação de Peter Buck e composições antológicas como 'I Will There', 'Androgynous', 'Unsatisfied', 'Answering Machine', ...) e estrearam no mainstream com outro (Tim, do ano seguinte, com 'Bastards of Young', 'Left of the Dial', 'Here Comes a Regular' e outros hinos). A estréia, Sorry, Ma, Forgot to Take Out the Trash (1981), é da fase quebradeira total, o seguinte, Hootenanny (1983), faz a transição para um som mais melódico, e Pleased to Meet Me (1987), Don't Tell a Soul (1989) e All Shook Down (1990) mantêm o respeito.

SONIC YOUTH
Junto com o R.E.M., outro fenômeno de longevidade, quase um dinossauro do pós-punk, mantém a qualidade, o espírito indie e a experimentação. Cria de uma das mais afiadas duplas de guitarristas da história do rock - os excepcionais Thurston Moore e Lee Ranaldo, alunos e músicos da peculiar 'orquestra de guitarras' do compositor de vanguarda Glenn Branca, que ensinou-lhes a manha de utilizar diferentes afinações para cada música, além da criação de atmosferas estranhas pelo ruído -, filhos espirituais de Velvet Underground, Stooges e Television, o Sonic Youth é a banda do coração de todo o fã de música indie: quando pensava-se que seu som talvez pudesse se diluir com a contratação pela Geffen Records em 1990 - logo após o clássico Daydream Nation (1988), vitimado pela fraca distribuição e pela falência do selo Enigma -, os caras fincaram pé no universo das multinacionais ratificando a identidade, com o excelente Goo (1990). Lançaram discos ainda mais experimentais - e basicamente instrumentais, indo na onda do pós-rock que eles certamente influenciaram - pelo seu próprio selo, Sonic Youth Records. No final do ano passado, anunciaram o fim da parceria com a Geffen, e já preparam o novo disco, The Eternal, a sair pela Matador Records em junho. Poucos shows são mais empolgantes que os do veterano quarteto novaiorquino.
Álbuns: além dos citados Daydream Nation e Goo, não se pode deixar de lado EVOL (1986), primeiro grande álbum do grupo, Sister (1987, primeiro lançado no Brasil), Dirty (1991, produzido pelo mesmo Butch Vig que gravou Nevermind do Nirvana e viria a ser o baterista e líder do Garbage logo depois) e Murray Street (2002). Experimental Jet Set, Trash and No Star (1994), Washing Machine (1995), A Thousand Leaves (1998) e Sonic Nurse (2002) também são bacanas.

X
Talentosíssimo quarteto de Los Angeles apadrinhado pelo tecladista dos Doors, que produziu seus primeiros discos. A politizada cantora e compositora Exene Cervenka, seu então marido John Doe (baixista, compositor, cantor e também ator), o quebra-tudo DJ Bonebrake (baterista) e o venenoso guitarrista Billy Zoom forjaram um som único, sujo, rápido, mas com melodias pegajosas, levada rockabilly com elementos do country (cortesia de Zoom e sua levada inconfundível) e letras em que a angústia adolescente ('We're Desperate'), a violência ('Johnny Hit and Run Paulene') e o desconforto ('Nausea') eram alguns dos temas explorados. Formaram com os Germs e o Black Flag a santíssima trindade do punk de Los Angeles, e até hoje possuem um largo séquito de fãs, onde o público geral divide espaço com figurinhas carimbadas da cidade: o Jane's Addiction incluiu 'Nausea' em uma gravação ao vivo que chamou de 'L.A. Medley' (e que tinha ainda 'Lexicon Devil', dos Germs, e 'L. A. Woman', dos Doors), o Red Hot Chilli Peppers usou um trecho de 'White Girl' em 'Good Time Boys' - e Flea se refere ao X como 'a grande banda da história de Los Angeles' (sim, à frente de Beach Boys, Doors, Byrds, Love e Buffalo Springfield!!!!).
Álbuns: todos os quatro primeiros: Los Angeles (1980), Wild Gift (1981), Under the Big Black Sun (1982) e More Fun in the New World (1983, lançado em vinil no Brasil, à época).

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