sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

No lloren por nosotros Madonna, Cristina, Argentina (parte 2)


Rumamos ao Monumental de Nuñes. Mais uma hora e meia e 10 quadras derretendo na fila até entrar no estádio do River. Não há revista: passagem livre pra quem quisesse vir armado – assim como no Beira-Rio, onde a BM finge que revista. Água mineral (8 pesos!) é a única opção contra o bico seco: sua majestade vetou o álcool. Em compensação, la mota reina absoluta no gramado. Ás 20h em ponto, começa o show de abertura: o londrino Paul Oakenfold mixa house, techno, big beat, trance ... No seu saladão, trechos de Chili Peppers (Other Side), White Stripes (Seven Nation Army), U2 (Where the Streets Have No Name), Underworld (Born Slippy, aplaudidíssima), Eurythmics (Sweet Dreams (Are Made of This)). O Monumental é uma enorme rave a céu aberto, clima de comunhão total. Ecos da psicodelia noventista, a tribal gathering. A electronica é ou não é a coisa mais democrática do mundo?

Às 21h50, a celebração principal tem início. No telão, uma bolinha percorre o caminho labiríntico de uma enorme mesa de pinball. A popstar que deu voz definitiva aos gays e às garotas que, como canta sua ex-rival que ficou pra trás, só querem diversão sem culpa se diz feliz por estar de volta. Clássicos repaginados: Into the Groove agora é house minimal (lembra Daft Punk), Borderline, punk rock (!) de guitarras ferozes – Madonna até faz caretas a la Johnny Rotten. Em She’s Not Me, La Ciccone tira onda com as várias personas ao longo de sua carreira: da material girl à provocadora de Like a Prayer, da libertina pronta pra todas de Erotica à busca espiritual de Ray of Light. Beija na boca uma das dancers fantasiadas de Madonna: a rainha tem a manha de questionar sua imagem pública só pra depois reafirmar o narcisismo.

Rain, com sample de Here Comes the Rain Again (Eurythmics), vem caprichada: a estrela e seu pianista surgem de dentro do telão circular colocado à frente do palco, que exibe uma chuva cristalina. Em seguida, o momento latino/flamenco: imagens de um mapa-múndi e a volta ao globo, com paradas na Espanha, Romênia, na ex-Iugoslávia, na Bulgária, na Rússia. Gipsy party total (Gogol Bordello e Goran Bergovic na área? Parece). La Isla Bonita. Aproveitando o ensejo, a loira reafirma sua soberania no pedaço: com o telão exibindo a bandeira dos hermanos, No llores por mi, Argentina é o momento the crying game (honesto). Emoção na platéia e no palco - a rainha leva a mão ao lado esquerdo do peito. Mas a tônica do negócio é rock – sim! – eletrônico. Like a Prayer é Prodigy fase Music For the Jilted Generation. A terra treme. Na seqüência, Ray of Light – ladies and gentlemen, we are floating in space. A história da dance passada a limpo: Donna Summer/Giorgio Moroder, Grandmaster Flash, Chic, house de Chicago, electro, New Order, os loops furiosos dos Chemicals, Timbaland, tudo na ótica Re-make/Re-model do melhor pop. E com a vantagem da presença de uma frontwoman assombrosamente carismática, cuja segurança é impressionante: já vi alguns shows de gente de peso na vida (Sonic Youth quebrando tudo, Iggy, Neil Young, Dylan, L7 & Nirvana, formação original do Echo, Faith No More dando maracanazzo, Prince no auge, NIN & David Bowie, Diamanda Galás entoando blues dos infernos, George Clinton & P-Funk em quatro horas de groove, ...), mas NINGUÉM, NUNCA, JAMAIS, me pareceu tão seguro de si, com tanta certeza do que está fazendo! De imediato, lembrei do Gay Talese e seu clássico perfil de The Voice: em 'Frank Sinatra está resfriado', conta como a garganta inflamada minou sua confiança e causou rebuliço em todos à sua volta. Madonna não é Sinatra, mas a firmeza nas duas horas da apresentação (the hardest workingwoman in show business, sem a mínima dúvida) não deixa margem a questionamentos: ali está alguém MUITO FORTE, do tipo que sabe que pode e que ninguém é capaz de deter. Por fim, dirige-se a um muchacho da primeira fila, e ele escolhe Like a Virgin, que sai só com palmas e voz. Hung Up, Give it 2 Me, ... Game Over. As luzes se acendem e os alto-falantes despejam Holiday: o Monumental agora é um nightclub. Uns vão saindo, outros seguem dançando sobre o tablado armado sobre o campo do River. Pra que ir a uma casa noturna se a melhor dance music toca aqui?

Hora de voltar. No caminho, divagações. É engraçado como até hoje há quem insista em qualificar Madonna de "armação". Fabricação pela indústria de um produto descartável não combina com madame: ela é obra de si própria, isso tá tão na cara ... Se David Bowie questionou a autenticidade do show bizz em geral e do rock em particular, mostrando a grande trapaça aos Sex Pistols, Madonna, que domina à perfeição os truques e artifícios do pop e da indústria, se associa aos melhores, recicla, reprocessa, adapta os clichês à sua personalidade, legitimando-se como artista. A "armação" revela toda sua verdade mais cara, a "mentira" ali tem um quê de sinceridade – a empresária tem alma. Mais: ela ama o pop com todas as suas forças. Por isso, não tem rival ou herdeira.

Na saída, quase uma hora e meia à espera de condução: táxis só atendem às chamadas pelo rádio; ônibus, todos lotados. Chegamos ao final do percurso. Soninho curto que amanhã partimos cedo. Na espelunca disfarçada de hotel. No final das contas, o saldo é positivo. Entonces no lloren por nosotros, Madonna, Cristina, Argentina: não vai ser por um ladrãozinho chinelo e uma recepcionista sem educação que meu amor por esta terra vai ceder uma palha que seja. Mas naquele estabelecimento podre da Bernardo de Irigoyen, o Grand B*, eu não fico mais.

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