quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

A última grande geração do rock americano (parte 1)

Não que não se tenha feito nada de relevante depois e que nenhuma grande banda tenha sido revelada desde então, mas a última grande época do rcok americano está de fato completando seus 30 anos. Foi na virada dos 70 para os 80 que surgiu a última grande leva de bandas que, se não chegaram a revolucionar o rock, coisa que talvez tenha ocorrido mesmo só nos 60 e em alguns momentos da primeira metade dos 70 – o que vem depois é reciclagem -, pelo menos deu ao mundo uma porrada de gente talentosa, que deixou grandes gravações e influenciou, na atitude e no som, do grunge de Seattle ao famigerado new rock de White Stripes, Strokes e contemporâneos, do som low-fi do Pavement à esquisitice dos Pixies. A segunda geração da new wave americana – a primeira foi o pessoal da cena novaiorquina do CBGB’s, a famosa blank generation de Ramones, Television, Patti Smith, Richard Hell, ... – , além de maior variedade sonora que a anterior, não tinha um local definido, mas vários: a explosão punk de 77 deixou crias em L.A. (X, Germs), Minneapolis (Hüsker Dü, Replacements), na sulista Athens (R.E.M.), na capital Washington D.C. (Minor Threat, Bad Brains), em San Francisco (os Dead Kennedys), em Boston (Mission of Burma) e também em Nova Iorque (Sonic Youth).
Um rápido histórico de cada uma dessas bandas, e seus discos fundamentais:

BAD BRAINS
Junto com Black Flag, Dead Kennedys e Minor Threat, forma a nata do então nascente hardcore americano. E ao contrário dos outros três, contava com grandes músicos: o guitarrista Dr. Know, por exemplo, tocou baixo em várias bandas funk, e, fã de fusion, costumava tirar o álbum Romantic Warrior, do Return to Forever, nota por nota. A fúria dos Brains, quem viu ao vivo diz, não tinha paralelo – Adam Yauch, dos Beastie Boys, os considera a melhor banda punk de todos os tempos. Gravaram vários reggaes, sempre com personalidade.
Álbuns: Bad Brains (1982, lançado aqui pela Trama), Rock For Light (1986) e I Against I (1986) são os clássicos, mas a coletânea Banned in D.C.: Bad Brains’ Greatest Riffs (2003) também é indispensável.

BLACK FLAG
A cara do hardcore angeleno, seu líder, o guitarrista Greg Ginn, também fundou a lendária SST Records, importantíssima gravadora indie do final dos 70 e por quase toda a década de 80. Gravou 3 E.P.’s e teve várias mudanças de formação até encontrar suas voz e cara definitivas: Henry Rollins, o homem que não ri, então um franzino adolescente, filho de um lar disfuncional (a mãe bebia religiosamente todos os dias, o pai, com a mesma freqüência, o espancava), pulou da platéia para o palco certa vez, em uma apresentação da banda em Nova Iorque, e só foi descer com o fim do grupo, em 1986. Segundo a lenda, o BF é a banda que mais influenciou o grunge: em sua última tour, Rollins convenceu seus companheiros a trocar o som ultra rápido para um ruído arrastado e lento, que fez a cabeça de futuros membros do Soundgarden, Tad e Nirvana que viram os caras em Seattle.
Álbum fundamental: Damaged (1981), o primeiro com Rollins e disco de cabeceira de Thurston Moore (Sonic Youth), entre outros.

CRAMPS
Mesmo quem não gosta ou não acha nada disso é obrigado a reconhecer: não há rigorosamente nada parecido com os Cramps, uma banda cujo conceito trashy, formulado pelo casal de pombinhos (corvos, melhor) Lux Interior e Poison Ivy Rorschach já é do caralho, tanto no som, o chamado psychobilly (rockabilly + guitarroristas como o pioneiro Link Wray + bandas toscas como Troggs e Sonics) quanto no visual, escandaloso, filho da estética dos filmes b. Dirão os detratores, inclusive, que o conceito freqüentemente supera a música, irregular ao longo de quase 25 anos de gravações. Exagero, os caras nunca deixaram de ser divertidos e autênticos, com um enorme repertório de pérolas de títulos saborosos como ‘I Was a Teenage Werewolf’ (que vergonha, Renato Russo!), ‘I Ain’t Nothing But a Gorehound’, ‘Can Your Pussy Do the Dog?’, ‘Bikini Girls with Machine Guns’, ‘Naked Girl Falling Down the Stairs’, ‘Like a Bad Girl Should’, ... Os Cramps se mantinham na ativa desde 1976, e seus shows iniciais no C.B.G.B.’s e Max’s Kansas City logo viraram sensação, mas só foram gravar o debut em 80. Com a morte recente de Lux, por complicações cardíacas, o rock perde um dos seus frotmen mais sui generis e carismáticos e uma porção generosa de diversão e bom humor.
Álbuns: o de estréia, Songs the Lord Taught Us (1980), com produção do Big Star Alex Chilton, é o melhor, Psychedelic Jungle (1981, acompanhado em CD pelo E.P. Gravest Hits) e A Date With Elvis (1986) são ótimos também. A coletânea Bad Music For Bad People - os títulos dos caras são o máximo mesmo -, de 1984, traz lados b e raridades.

DEAD KENNEDYS
O exemplo mais bem acabado de que nem sempre artistas politizados são sinônimo de chatice ou demagogia. Jello Biafra, líder do quarteto e dono do selo Alternative Tentacles, além de candidato (obviamente derrotado) à prefeitura de San Francisco, é célebre por suas apresentações-solo, em que invariavelmente apavora a audiência tratando da política interna e externa dos governos de seu país e atacando as grandes corporações. Numa dessas, o falecido Joey Ramone chegou a mijar nas calças, de tão assustado com o quadro apocalíptico pintado por Jello. No som, batidas rápidas, guitarra com ecos de surf music (by East Bay Ray) e os versos cuspidos por Jello.
Álbuns: Fresh Fruits For Rotting Vegetables (1980, saiu uns cinco ou seis anos depois no Brasil – e com vinil branco!) é a obra-prima evidente, mas o posterior, Plastic Surgery Disasters (1982, acrescido do E.P. In God We Trust, de 1981 na edição em CD) não fica tão atrás.

GERMS
Banda de curtíssima duração, por conta da defecção de seu vocalista Darby Crash, morto por overdose de heroína com apenas 21 anos. Crash, cujas incendiárias apresentações ao vivo incluíam confronto aberto com a platéia, ainda teve tempo de ter uma participação marcante no documentário The Decline of Wsetern Civilization, de Penelope Spheeris, e teve como parceiro de tomação e inspiração musical o guitarrista Pat Smear, que mais de uma década depois, tocaria no último ano de vida do Nirvana. O grupo só deixou um álbum, G.I. (1979), produzido pela bad girl original, Joan Jett, fã dos caras.
Álbum essencial: a coletânea (M.I.A.): The Complete Anthology (1993) reúne todo o álbum G.I., mais as primeiras gravações do grupo e seis faixas da trilha do filme Cruising, e tem 30 músicas ao todo.

HÜSKER DÜ
Originário da mesma Minneapolis de Prince e os irmãos Coen, pode-se dizer que compõe junto com o R.E.M. e Sonic Youth o trio básico do rock indie americano que abriu as postas das grandes gravadoras para o underground nos anos 80 – antes do Nirvana escancará-las a chute. Fez bem a transição do porão para o mainstream, mas não teve a mesma sorte das outras duas: acabou após dois álbuns pela Warner. O som alternava entre ecos psicodélicos e a fúria punk, a aspereza e a delicadeza – não tem como não lembrar do Nirvana ao ouvir suas baladas – , o elétrico e o acústico, e as canções revelaram dois ótimos compositores: o guitarrista Bob Mould e o baterista Grant Hart, ambos cantores.
Álbuns: vários. Zen Arcade (1984), originalmente duplo em vinil, é a primeira obra-prima, seguido de New Day Rising (1985) e Flip Yor Wig (também de 1985), todos independentes. Candy Apple Grey (1986) e Warehouse: Songs and Stories (1987), os discos pela major, saíram no Brasil na época. (Após o fim do grupo, Bob Mould dividiu-se entre álbuns solo e o Sugar – que durou três anos. Grant Hart também teve sua banda, Nova Mob, e sua carreira solo inclui o ótimo Good News For Modern Man, lançado há exatos 10 anos. Não gravou mais nada desde então.)

MEAT PUPPETS
O trio formado pelos irmãos Kirkwood (Curt, guitarrista, e Cris, baixista) e pelo baterista Derrick Bostrom (que já não faz mais parte da banda), carrega a fama de ser o criador do ‘cowpunk’, o som punk com tintas rurais. Folk, country, blues e até uma levada funk entram no caldeirão dos caras, que, ao vivo, chegam a soar com uma banda de heavy metal, tamanho o peso que empregam: lembram um ZZ Top mais minimalista e agressivo (o guitarrista Billy Gibbons, dos barbudos texanos, várias vezes enfatizou sua admiração pelos Puppets). Possuem vasta discografia – a maior (e melhor) parte saiu aqui pela Trama – e ainda seguem na ativa, apesar dos percalços recentes: Cris, após a morte de sua esposa (por overdose) e sua mãe, num intervalo de menos de dois anos, desapareceu no final dos 90, sendo encontrado depois de meses, e já tendo de responder à justiça por seus próprios problemas com o vício.
Álbuns: o clássico óbvio é Meat Puppets II (1984), do qual Kurt Cobain extraiu ‘Plateau’, ‘Oh, Me’ e ‘Lake of Fire’ – além dos próprios irmãos Kirkwood - para o Unplugged do Nirvana. Up On the Sun (1985) e Huevos (1987) também são discaços, e o subestimado Mirage (1987) merece uma revisão.

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