sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Cinco tesouros (mais ou menos) escondidos

Som de primeira ‘escondido’ do grande público – ou mesmo passando ao largo daquele público que, a princípio, teria tudo pra apreciá-lo – sempre vai haver. O mercado, mesmo o indie, é inchado demais, centenas de lançamentos inundam as prateleiras das gravadoras, as páginas das revistas – impressas, virtuais – e das lojas especializadas na internet, numa velocidade tão absurda que até pra quem é do meio fica difícil acompanhar. Nunca me esqueço dos meus tempos de Unisinos FM, em que, trabalhando com absoluta liberdade (não é mito, não), apesar do descaso com que a universidade tratava sua emissora de rádio, cansamos de tocar, em absoluta primeira mão, anos antes de todo mundo, bandas e artistas relevantes no universo pop/rock (e não pop-rock, por favor): Belle & Sebastian, Black Rebel Motorcicle Club, Gomez, High Llamas, Elliott Smith, Roni Size & Reprazent, DJ Shadow, os hoje manjados Placebo, Queens of the Stone Age, Wilco (desde o primeiro, A. M.) e White Stripes (nem amigos da Ipanema e da redação da ZH com quem encontrei lá pelos idos de 2002 conheciam, e a gente já rodava faixas do terceiro álbum, White Blood Cells), Sigur Rós (este e outros baluartes do chamado pós-rock eles não têm coragem de rodar até hoje), ... ufa! A lista é longuíssima! Buscávamos clássicos esquecidos, as bandas quentes do momento – e as frias também –, sempre com a ideia de formar um acervo o mais completo possível, pra oferecer ao ouvinte um panorama amplo e que, além de divertir, estimulasse uma visão mais crítica do universo musical.

Claro que hoje, dadas as facilidades que a tecnologia coloca à disposição, tá tudo muito mais fácil, é só ir nos endereços certos (NME, MySpace, All Music Guide, Pitchfork Media) e logo se fica sabendo das apostas da crítica, dos fãs e dos próprios músicos. Mas mesmo assim alguma coisa acaba escapando ou acaba não recebendo a atenção devida, é inevitável. Humildemente, COMPANHIA MAGNÉTICA dá seu toque, selecionando cinco bandas do primeiro time que, por um motivo ou outro, não sá lá muito falados por aqui.

ADD N TO (X)
Trio londrino formado por Barry Smith (A.K.A. Barry 7), Ann Shenton e Steven Claydon, todos obcecados por sintetizadores Vintage e pelo trabalho de pioneiros da música eletrônica como Varèse, Robert Moog, Walter/Wendy Carlos, Brain Eno, Can. Terroristas sonoros com senso de humor: na capa do segundo disco, Ann aparece em uma mesa cirúrgica onde está sendo retirado um synth de suas entranhas – reforçando a estética ‘homem-máquina’ tomada de empréstimo do Kraftwerk. Dos cinco álbuns, só o penúltimo, justamente o mais acessível, saiu no Brasil, pela Sum Records. O melhor é o terceiro, com influências que vão da surf music ao punk eletrônico do Suicide (a quem foram comparados nos Estados Unidos, por conta de seus shows incendiários, que, se já não bastasse a barulheira feita por uma parede de synths e do theremin de Claydon, ainda contava com o auxílio de dois bateristas, Andy Ramsay, do Stereolab, e Rob Hallam, do High Llamas), e que conta com o clássico ‘Metal Fingers in My Body’, cujo clipe, de animação, mostra uma mulher fazendo sexo com um robô, e ‘Ann’s Eveready Equestrian’, uma das faixas mais bizarras dos anos 90. Infelizmente, encerraram as atividades em 2003.
Discografia – álbuns:
Vero Electronics (1996)
On the Wires of Our Nerves (1998)
Avant Hard (1999)
Add Insult to Injury (2000)
Loud Like Nature (2002)

LIARS
Outro trio – originalmente, era um quarteto –, este é novaiorquino, egresso da mesma cena de onde surgiram TV On The Radio (aliás, David Sitek co-produziu o segundo álbum deles) e Yeah Yeah Yeahs (Karen O foi namorada do vocalista), embora a origem mais remota seja Los Angeles, onde Aaron Hemphill e Angus Andrew, estudantes de arte, se conheceram. O método de composição dos caras é curioso: Memphil, guitarrista e programador eletrônico, cria a batida na sua drum machine e só depois as canções vão se estruturando – mais ou menos, pois em boa parte do trabalho dos caras é dificil se falar em "canções estruturadas". Tamanha espontaneidade e aquele clima de descompromisso absoluto são marcas evidentes no álbum de estréia, totalmente gravado em apenas dois dias. A influência básica dos caras vem daquelas bandas que uniam pounk rock, levada funk e muito ruído, na virada dos anos 70 para os 80: P.I.L., Gang of Four, Minutemen, Pop Group, ... O percussionista Julian Gross completa a formação do grupo, um dos mais anárquicos e divertidos desta década.
Discografia – álbuns:
They Threw Us All in a Trench and Stuck a Monument On Top (2002)
They Were Wrong, So We Drowned (2004)
Drum’s Not Dead (2006)
Liars (2007)

MODEST MOUSE
Desta seleção, é provavelmente o mais conhecido, pois, além de já sido lançado por aqui – assim como o Add N To (X), teve apenas um álbum lançado no mercado brasuca, no caso o penúltimo –, inclui em sua formação, desde 2006, Johhny Marr, o incensado ex-guitarrista dos Smiths, que hoje vive em Portland, Oregon, cidade do cineasta Gus Van Sant e berço de vários grupos e artistas significativos do indie rock yankee. O MM também é do noroeste dos EUA, vem da pequena Isaquah, Washington, e é cria de uma das figuras mais peculiares do rock americano recente, o cantor, guitarrista e compositor Isaac Brock, cuja história é daquelas típicas de filmes independentes que tratam de famílias disfuncionais: ainda quando criança, sofre um baque quando sua mãe separa-se do seu pai ... pra ficar com o irmão dele! Tempos depois, foram viver no trailer do padrasto – onde não havia espaço pra Isaac, que foi viver em lugares como o porão da casa de um amigo, até finalmente ser aceito no trailer do casal – onde o trio formado por Brock, Eric Judy (baixo) e Jeremy Green (bateria). As letras de Brock estão entra as mais originais da atualidade, e o som, um guitar rock climático e denso, áspero no começo (comparado a Pixies e Pavement), etéreo na passagem do universo indie para o das grandes gravadoras – transição feita sem traumas, diga-se: o som dos caras continua tão esquisito quanto nos primeiros anos –, melódico nas gravações mais recentes. A banda paralela de Brock, Ugly Casanova, é bacana também.
Discografia – álbuns:
This Is a Long Drive for Someone with Nothing to Think About (1996)
The Lonesome Crowded West (1997)
The Moon & Antarctica (2000)
Good News for People Who Love Bad News (2004)
We Were Dead Before the Ship Even Sank (2007)
* a coletânea Building Nothing Out of Something (2000) também é item obrigatório: reúne singles, o E.P. Interstate 8, e faixas raras de seu período na Up Records – que espertamente lançou o álbum justo quando o grupo atraía os holofotes da mídia, na época do lançamento de seu primeiro álbum por uma major, The Moon & Antarctica.

(SMOG)
Formação comum na seara alternativa, os "grupos de um homem só" geralmente possuem um dono que dá as coordenadas para que músicos contratados executem suas idéias – o Nine Inch Nails de Trent Reznor, embora mantenha uma ‘formação oficial’, trabalha assim –, embora várias outras entidades, embora recebam nomes de bandas, sejam, de fato, obra de apenas uma pessoa, que compõe, canta e se vira em todos os instrumentos. O (Smog) é desse time. Um dos pioneiros, no final dos 80 (estreou com uma fita cassete lançada em 1988)/início dos anos 90 (1990 é a data de lançamento do primeiro álbum), da onda lo-fi (gravações caseiras geralmente registradas em pequenos gravadores de 4 canais e não raro realizadas na casa de um dos músicos), é cria de outra figura rara, o esquizofrênico (não é figura de linguagem, o diagnóstico é esse mesmo) Bill Callahan. Das indas e vindas de clínicas psiquiátricas, amores desfeitos e o sentimento de solidão permanente, Bill tira o material de suas canções. De caráter eminentemente experimental no ínicio, o som do (Smog) foi amadurecendo para um formato de canção bem definido, em que referências como Nick Drake, Leonard Cohen, Dylan e Lou Reed (seu grande fã, aliás) se tornam amplamente perceptíveis. Mas não há como confundir o som desleixado, melancólico e reflexivo do (Smog) e a voz deadpan de Bill Calahan com qualquer outra coisa disponível no mercado.
Discografia - álbuns:
Sewn to the Sky (1990; lançado originalmente em LP, só foi sair em CD em 1995)
Forgotten Foundation (1992)
Julius Caesar (1993)
Wild Love (1995)
Doctor Came at Dawn (1996)
Red Apple Falls (1997)
Knock Knock (1999)
Dongs of Sevotion (2000)
Rain On Lens (2001)
Supper (2003)
A River Ain’t Too Much to Love (2005)
* pela primeira vez usando seu nome real, Bill Callahan lançou Woke On a Whaleheart em 2007. Para este ano, prepara Sometimes I Wish We Were An Eagle.

THE WALKMEN
Novaiorquinos como os Liars, mas menos experimentais e mais soturnos e sofisticados: suas referências vão do blues às canções mais introspectivas de Bruce Springsteen (tipo as do clássico ‘Nebraska’), de Nick Cave a Tom Waits, passando pelos baluartes do protopunk novaiorquino (Velvet Underground, Television) e do pós-punk. O debut do quinteto, formado dos escombros de duas conhecidas bandas do underground da big apple dos 90, Jonathan Fire-Eater e The Recoys, é um dos melhores discos de estréia desta década e não só, onde a delicadeza de cordas e pianos convive em harmonia com o som sujo das guitarras típicas do melhor rock garageiro. Os Walkmen levam tão a sério sua arquitetura sonora que são os felizes proprietários de um dos endereços mais quentes em termos de gravação do planeta: os Marcata Studios, um generoso espaço para ensaios, com uma verdadeira coleção de equipamentos vintage, além de um moderníssimo estúdio de 24 canais – que já abrigou gravações do The Kills, dos conterrâneos French Kikcs, de Arto Lindsay e até da Nação Zumbi –, a 1h15 min. de Manhattan (ficava originalmente numa fábrica desativada no Harlem, mas a Columbia University acabou comprando o antigo prédio onde localizava-se a ‘casa’ dos Walkmen, que, chutados do local, gravaram lá seu penúltimo disco, em 2006, em tom de despedida. Dois anos depois, foi reinaugurado.)
Discografia - álbuns:
Everyone Who Pretended to Like Me is Gone (2002)
Bows + Arrows (2004)
A Hundred Miles Off (2006)
"Pussy Cats" Starring The Walkmen (2006; versão dos caras para o álbum Pussycats, lançado pela dupla John Lennon e Harry Nilsson em 1974)
You & Me (2008)
* toque adicional: vale a pena procurar os discos do Jonathan Fire-Eater, um dos embriões do Walkmen: o E.P. Tremble Under Boom Lights (1997, com a sensacional ‘Give Me Daughters’) e os dois álbuns, Jonathan Fire-Eater (1995) e Wolf Songs For Lambs (1998).

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