Segunda-feira última, lá no Opinião, teve mais uma edição da Segunda Maluca, projeto vencedor do incansável Márcio ‘Rei Magro’ Ventura. Apresentaram-se duas bandas gaúchas, Cartolas e Locomotores, e uma catarinense (de Chapecó), os Variantes. Uma divertida celebração do rock sulista – e por tabela dos clássicos sessentistas, a influência básica de todo esse pessoal, o que pra alguns é sinal da autenticidade do som feito por aqui, pouco avesso a modinhas passageiras, e pra outros é justamente uma evidência da falta de personalidade rock feito na região, pois as referências são sempre as mesmas (Beatles, Stones, às vezes Dylan, Jovem Guarda), os ‘fantasmas’ de TNT, Cacavelletes e Graforréia estão sempre na área ... Enfim, uma prova de que a cena, que certa vez o Samuel Rosa do Skank disse ser ‘a mais bem resolvida do rock brasileiro’, há muito anda desgastada, o que motivou inclusive um texto que andou circulando tempos atrás na internet, publicado originalmente em uma revista pernambucana, a Coquetel Molotov, intitulado ‘O rock gaúcho é um terno mofado’. Passo ao largo da "polêmica", até porque já ficou pra trás. Também não tenho tese alguma a respeito (coisa rara, rá rá rá!), não sou um conhecedor tão profundo do cenário musical de outros estados – é provável que nem do nosso -, portanto me limito a ficar na análise dos shows e dar meus pitacos em outros aspectos.
Os guris de Chapecó abriram os trabalhos, com um som energético, que lembra muito o The Who dos primeiros álbuns e até alguns de seus filhotes, dos mais remotos (o Jam de Paul Weller) a mais recentes (a Cachorro Grande, por exemplo). Excelente guitarrista, baixo firme, bateria sólida, melodias assobiáveis, levada rápida, bem ao gosto da audiência, aquela gurizadinha com visual retrô, tipo os dos "seguidores" da Cachorro com seus terninhos (olha aí!) e cabelinhos característicos e suas I wanna be a groupie vestidas da cabeça aos pés com modelito brechó. O problema é que às vezes os Variantes soam ... Cachorro Grande demais. Nada contra Beto Bruno, Gross e cia., mas se sons evidentemente de segunda mão como o da Cachorro viram referência pra alguma coisa, numa cena – sim, os Variantes são catarinas, mas respiram ares porto-legrenses com frequência: o disco foi gravado aqui e no MySpace eles referem-se à procedência como Chapecó-SC/Porto Alegre-RS – que se notabilizou por retrabalhar/requentar sons dos anos 60, ... aí vou ter de dar razão aos pernambucanos.
Ao final do show dos caras, encontro um veterano músico/produtor/agitador (o termo é manjado mas cabe bem aqui) do rock gaúcho e sentamos juntos, no mezanino, com as respectivas. Trocamos ideias e impressões sobre a cena musical sulista, o cara me conta várias histórias de figurinhas carimbadas da cidade – não adianta insistir que eu não vou contar -, e, principalmente, sobre o porquê de a coisa parecer tão devagar de uns tempos pra cá. Não citei a tal matéria dos pernambucanos, mas comentei com ele que, apesar das mesmas referências de quase sempre, o principal problema hoje, a meu ver, é que uma leva enorme de bandas hoje tem a intenção evidente de fazer som pro mercado. Querem descolar um contrato com uma Orbeat da vida, ter uma música estourada nas rádios, ter exposição na mídia (embora fugaz), ... E tem outras que parecem querer continuar vivendo a sua onda de rock stars da província, com disco gravado às próprias custas, comendo as guriazinhas do Bom Fim e da Cidade Baixa, tocando nos mesmos becos de sempre, impressionando a bugrada, ... e não saindo do lugar. O rock gaúcho dos anos 80 pra cá é uma longa história de auto-sabotagem.
Vejamos o caso dos Locomotores, por exemplo. Ótima banda, excelentes músicos (Papel, Bocudo, Márcio Petracco, Luciano Leães e Fuinha são todos conhecidos na cena pop/rock sulista), canções ganchudas, daquelas fáceis de cair no gosto da galera – ‘Vermelha’ e ‘Nessa Vida’ são cantadas em uníssono nos shows -, referências (tá, aquelas mesmas) trabalhadas com personalidade, não se parecendo com nenhum dos outros grupos citados antes (apenas a introdução de ‘Vermelha’ guarda semelhanças, digamos, muito além da conta com ‘Undone (The Seater Song)’, do Weezer). Tão prontos pra cair no gosto não só dos fãs desse raio de rock gaúcho, mas também daquele público radiofônico padrão e até daqueles pentelhos que curtem "rock de verdade" – que por vezes torcem o nariz pra "esses guris brincando de rock’n’roll" (se bem que nenhum ali é exatamente guri).
Mas os Locomotores parecem não acreditar no próprio potencial – ou se contentam em ficar onde estão. Segundo meu interlocutor citado lá do segundo parágrafo, os caras "não puderam" aceitar convite para abrir os shows da recentíssima passagem do Deep Purple por POA porque o baterista, que mora em São paulo, só viria ao sul na semana seguinte (!!!!). Tá certo que o Deep Purple já mais do que ultrapassou aquele estágio de banda em final de carreira – o tipo preferido de artista trazido pra tocar na província por nossas produtoras: lembra aquela expressão que o comentarista esportivo Paulo Vinícius Coelho cunhou para jogadores de futebol que seguem atuando apesar de já demonstrarem que seu tempo útil já passou há horas (‘ex-jogador em atividade’) -, mas, bem ou mal, Ian Gillan e cia. têm sua história, e cada vez que vêm ao Brasil arrastam um monte de gente pra vê-los. Então, é uma oportunidade a não se perder ... mas o baterista não podia voltar uma semana antes de seu exílio paulistano – e nem a banda mandar o cara tomar naquele lugar e contratar outro, nem que fosse emergencialmente! Outra que little bird has told me é que o Fuinha, tão bom guitarrista quanto o Petracco (quem lembra os Malvados Azuis, o embrião da Cachorro, sabe), não tem espaço pra solar porque ... Petralha não deixa (afinal, o outro já aparece o bastante sendo o frontman). O que eu sei sem precisar que me contem é que os caras são super requisitados, tocando em diversos outros projetos, próprios ou alheios, e que isso acaba fazendo com que os Locomotores sejam apenas uma das suas atividades, e não o foco principal de suas carreiras ...
... que poderiam perfeitamente deslanchar se os caras se dispusessem a tomar uma atitude. Têm todas as condições de atingir um sucesso de massa – mesmo que apenas no âmbito da província -, amealhando um público fiel (isso, já têm, mas poderiam atingir uma escala maior), e, o que é o principal, com um apelo natural e espontâneo suficiente que os permita não fazer concessões. Mas pelo jeito resolveram ficar no meio do caminho. Uma pena. O mainstream ficaria mais divertido e consistente com grupos como os Locomotores – mas eles têm todo direito de ficarem encolhidos, na sua, se contentando com o pouco que o low profile assumido lhes proporciona. Mas que é um disperdício, isso é, na boa. (E enquanto isso, Acústicos & Valvulados, Papas da Língua, Comunidade Nin-Jitsu, Nenhum de Nós e quetais ocupam o espaço que era para ser de bandas que fazem rock de verdade).
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