sexta-feira, 6 de novembro de 2009

My Life in Lists - discos (60's)

Faz uma semana que entrei na famigerada era dos ‘enta’ – aquela em que, diz-se, o sujeito entra numa crise de identidade do c*, faz o primeiro balanço realmente consistente da vida e só termina com a entrada nos ‘ento’, se tiver sorte (e, quem sabe, juízo; ajuda da medicina também vem bem) ou o fim de tudo. Pra mim, a ficha não caiu, me sinto tão imaturo, descuidado com a saúde e hedonista – no bom e no mau sentido – quanto antes da data fatídica, e se for me valer de relatos de amigos – me estes não estiverem mentindo, inclusive pra si mesmos –, não muda nada, 40 é só o resultado da soma de 39 + 1. Não sei.

Mas o propósito aqui não é dividir com os amigos frequentadores do CM minhas alegrias, dúvidas, certezas (poucas, a socrática ‘só sei que nada sei’ seria uma delas) e angústias, pois o espaço, como já disse lá no início, quando entramos no ar em fevereiro, não é pra narcisismos do tipo ‘estou me sentindo assim ou assado hoje’ e besteiras do tipo. A ideia é fazer um balanço afetivo em termos de referências que ficaram, coisas que eu curti e curto ainda, que me enriqueceram de algum jeito (não em termos financeiros, é óbvio, se bem que a paixão pela música, pelo cinema e mais recentemente pelos livros acabou me levando à profissão que paga as minhas contas). Sendo assim, resolvi compartilhar com os amigos as minhas listinhas ... ‘Putz, de novo?’. Sim, há quem ache uma superficialidade atroz, uma coisa extremamente redutora, esse lance de elaborar listas, que virou uma mania manjada depois que o Nick Hornby fez sucesso com seu ‘Alta Fidelidade’. Mas popmaníacos, cinéfilos, bibliófilos e amantes do futebol sempre se divertiram fazendo as suas, e eu, pessoalmente, já enchia páginas e páginas de caderno quando passei a colecionar discos no segundo ano do segundo grau – meu pior ano letivo, onde a diversão tomou conta e o estudo, que já era escasso, foi pro espaço. Fichas técnicas de filmes começaram dois anos depois a ocupar o meu tempo mais do que estudar pro vestibular. E assim foi indo, até hoje. Não vou mudar. Não quero mudar.

Buenas, entonces, a partir de hoje passo a compartilhar com os amigos algumas referências minhas em discos, filmes, livros – os shows, os dez mais que presenciei com esses olhos e ouvidos que a Terra não há de comer tão cedo, tão lá num post bem no começo do blog, em fevereiro. Nesta primeira parte, falo sobre os discos, começando com a década em que nasci – e na qual vivi apenas os últimos 63 dias. Diz a Neném, minha 'companheira cósmica', que toda a semana a listas mudam - seja de filmes, bandas, discos, ... -, o que é um exagero, embora deva admitir que de tempos em tempos acho filmes, bandas, discos do coração - nessa primeira lista já incluí um. Bom, mas então fiquem à vontade pra comentar, mandar as suas próprias, se quiserem. Se não conhecem algum dos itens relacionados e quiserem procurar, já vai ter valido a pena. Enjoy it (or not)!


VELVET UNDERGROUND – The Velvet Underground & Nico (1967)
Provavelmente o melhor disco de rock de todos os tempos, o único capaz de rivalizar com qualquer um dos Beatles mais aclamados. Total novidade na época, e ainda uma raridade quando ouvido hoje em dia: um álbum de vanguarda que assim ainda soa 42 anos depois de lançado. Há que se ter muito colhão pra falar de sadomasoquismo, drogas com alto poder destruidor (heroína, anfetamina), e ser cruelmente sincero nas canções de amor em plena era do ‘verão do amor’, e Lou Reed tinha. O som, um mix de rhythm’n’blues sujo e ruidoso (by Reed, Sterl Morrison e a batida displicente de Moe Tucker) e que já antecipava o punk rock e referências vanguardísticas (by John Cale) que deram as diretrizes ao krautrock, soa novinho em 2009. Típico disco que não cansa. ‘Run, Run, Run’, hoje, é a minha preferida – mas esta já foi ‘All Tomorrow’s Parties’, ‘Black Angel’s Death Song’, ‘Venus in Furs’, ‘Sunday Morning’, ‘Heroin’, ... É inesgotável, não adianta. O V.U. gravou álbuns sensacionais, maravilhosos, antológicos, entre os melhores do rock de todos os tempos depois - 'White Light/White Heat', 'The Velvet Underground' e 'Loaded (esses dois sem Cale), o disco 'perdido' ('V.U.'), mas seu debut passa por cima de tudo e todos. A inovadora música conceitualmente imperfeita do Velvet acabou gerando uma obra ... perfeita.

LOVE – Forever Changes (1967)
Descobri a banda de Arthur Lee porque um dia li que era uma das influências do Echo & The Bunnymen – asssim como o Velvet, também. Isso é uma das coisas legais do pop, o sujeito descobre milhares de coisas a partir de referências anteriores. Um disco perfeito, belíssimo, recheado de cordas e metais – aí, voltando ao Echo, não dá pra deixar de lembrar de ‘Ocean Rain’ -, e canções maravilhosas com ‘Alone Again Or’, ‘A House is Not a Motel’ (uma das preferidas do Yo La Tengo), ‘Old Man’ ... Psicodelia californiana original, do mágico ano de 1967 (‘Younger Than Yesterday’, dos Byrds, a estreia dos Doors), um disco que igualmente não nos deixa jamais. Os dois primeiros do Love são excelentes, mas comparados com esse aqui ficam no chinelo.

SLY & THE FAMILY STONE – Stand! (1969)
O verdadeiro rei do funk rock, tristemente recolhido há quase três décadas, depois de se afundar nas drugs e se emaranhar no próprio ego (alguém pensou em Prince? Faltaram só as drogas). Sylvester Stewart é um visionário, o cara que antes de George Clinton e do próprio James Brown turbinou o funk e injetou molejo no rock. Stand!, além de politicamente relevante – chegou a ser adotado pelos Panteras Negras –, balizou a música black feita desde então – e não só: todo o pessoal do punk-funk, do funk-metal e várias correntes roqueiras devem as calças a Sly e sua ‘família’ multi-racial. ‘I Want to Take You Higher’ foi a primeira canção que ouvi, no saudoso ‘Negras Melodias’ do Júlio Reny, na Ipanema FM, mas a faixa-título, ‘Sing a Simple Song’ (a Ultramen tocava essa uma época), o manifesto anti-racismo ‘Don’t Call Me Nigger, Whitey’, todas as oito faixas são do cacete! O álbum, um dos que mais ouvi na vida, e sobretudo numa época feliz – o ano vivido na América, 1993 – tá disponível no mercado nacional de bônus num CD duplo com a apresentação da Família de Pedra em Woodstock.

JIMI HENDRIX – Axis: Bold As Love (1967)
Se Sly foi responsável pelo crossover definitivo do rock branco e a música negra, o bruxo Hendrix foi além, mixando elementos de jazz, latinidade, blues ... Isso sem falar nas experimentações diversas – o cara era um mago dos estúdios -, no uso revolucionário do feedback, nas excelentes composições, nos arranjos (extremamente econômicos, em se tratando de um virtuose). Não vamos nem mencionar a técnica do querido que não tem graça (mas repara só nas inúmeras mudanças de acordes da introdução de ‘Little Wing’). A levada hard blues de ‘If 6 Was 9’, o suíngue de ‘You Got me Floatin’’, ‘Castles Made of Sand’, o wah-wah de ‘Up From Skies’, o primor de canção que é ‘Wait Until Tommorow’. Se há uma majestade que não corre risco algum de ser destronada é o guitarrista americano. Arrisco dizer – putz, o cara prometeu que não viria com teses -, bom, na minha opinião, ... bem, Jimi Hendrix é o cara mais importante da história do rock, se tivesse que resumir 54 anos de história num nome só, seria o dele. Pronto, falei! Outra das audições constantes do inesquecível ano de 1993, nas terras dos irmãos do norte.

BEATLES – Revolver (1966)
Já eleito várias vezes o melhor disco de todos os tempos – embora às vezes suplantado pelo registro seguinte dos ‘Fab Four’, o igualmente monumental ‘Sgt. Pepper’s’ –, o primeiro álbum psicodélico dos Beatles me adentrou o cérebro (alojando-se no subconsciente para ali permanecer até hoje, produzindo flashbacks a todo instante) pela primeira vez naquele programa da Ipanema FM que apresentava álbuns clássicos, ‘Base Sonora’, então apresentado pelo Jimi Joe. Uma aula de engenharia sonora de sir George Martin, concisão e coesão da banda, as tradicionais melodias ganchudas – só uma entre ‘Eleanor Rigby’, ‘Here, There and Everywhere’, ‘For No One’ já justificaria o rótulo de clássico –, mas tem ainda rocks potentes (‘Taxman’), flertes com a soul music (‘Got to Get You Into My Life’) e o verdadeiro assalto à psique que é ‘Tomorrow Never Knows’, que fecha o disco. É inacreditável como ainda tenha gente hoje que não consiga enxergar o impressionante talento do quarteto, que conferiu maturidade sonora ao rock – um caso extremo de ‘miopia auditiva’, na boa. Uma coisa é gosto, outra são ideias. Roberto Carlos até pode ser discutível. Os Beatles não são.


KINKS – Something Else by The Kinks (1967)
Um dos últimos a entrarem pra essa minha galeria, adquirido no começo deste ano, em uma edição inglesa, remasterizada e com faixas bônus, juntamente com outros quatro clássicos da banda de Ray Davies, o grande cronista da Swinging London. Sempre fui fã dos caras, uma pena que não tenham tido o mesmo sucesso na América – e consequentemente no resto do mundo – que tiveram em casa (é batido mas verdadeiro o comentário: as letras, baseadas em tipos sociais tipicamente britânicos, eram inglesas demais). ‘You Really Got Me’, lá de 1964, é uma das canções mais importantes do rock, assim como ‘Lola’ e ‘Where Have All the Good Times Gone’, todas observações perspicazes sobre as mudanças de rumo a partir do surgimento da contracultura nos 60's. Essa bolacha aqui tem ‘David Watts’, ‘Death of a Clown’, ‘Harry Rag’, ‘Situation Vacant’, ‘Love Me Till the Sun Shines’, ‘Waterloo Sunset’, uma penca de canções clássicas do repertório dos Kinks, gravadas sobre uma base fluida, r’n’b sujo, na veia, feito por quem sabe (parecem até os Stones em dado momento). Brilhante, como quase todos os discos dos Kinks do período.


SAM COOKE – Night Beat (1963)
Já era vidrado em soul music, em especial em Marvin Gaye, quando, em outro ‘Base Sonora’ da Ipanema, dessa vez apresentado pela Kátia, tomei conhecimento das gravações de Sam Cooke, reunidas na coletânea ‘The Man and His Music’, de 1986 – que por sua vez havia sido tema da seção ‘Discoteca Básica’ da finada revista Bizz. Mas ‘Night Beat’ é um disco de carreira, em que Cooke, o soul man de quem certa vez Keith Richard comentou que todos queriam ser, mas, quando a ficha caía, acabavam voltando para seus empregos em postos de gasolina, mira o blues, revisitando ‘Little Red Rooster’, ‘Nobody Knows the Trouble I’ve Seen’ (minha preferida), ‘Lost and Lookin’’, ‘Mean Old World’, além de composições próprias. Mas atenção: não se trata de um disco de blues; é, sim um disco de Sam Cooke, o maior cantor soul de todos os tempos, que toma emprestados clássicos e o compasso característico do gênero pra exercer sua excepcional capacidade de enternecer até os corações mais duros. Assim como as boas antologias do cara – a citada ‘The Man and His Music’, a mais completa ‘Portrait of a Legend 1951-1964’, é disco que quando termina a gente põe pra tocar de novo.

BOB DYLAN – Highway 61 Revisited (1965)
Deste dá pra dizer que é um disco que tive de perder pra conhecê-lo realmente. Explico: a revolucionária ‘Like a Rolling Stone’ (tema de um ‘Versinhos Bacanas’ antigo aqui no CM) é a música preferida da minha mulher, e quando chegou a hora de sua colação de grau, há uns quase três anos, Neném me pediu o CD, pois queria usar a canção no momento em que fosse chamada pra receber o diploma. Ocorre que a maldita comissão de formatura jamais devolveu-lhe o CD – isso é que dá emprestar as coisas pra quem não se conhece, ainda mais pra uma ‘comissão’ –, e transcorridos vários meses, o mesmo foi definitivamente dado como desaparecido. Tempos depois, já devidamente ressarcido do valor, encontrei a versão remasterizada da obra, por um precinho convidativo, e investi novamente minha grana na sua aquisição. Ainda que a antiga versão de ‘Highway 61’ não seja tão tosca quanto, por exemplo, a de ‘John Wesley Harding’ – exemplo supremo de como emporcalhar uma obra sublime –, a versão pré-remaster não tem a riqueza dos timbres que a nova tem. Praticamente descobri um disco novo, em que ‘Ballad of a Thin Man’, ‘Just Like Tom Thumb’s Blues’, ‘It Takes a Lot to Laugh, It Takes a Train to Cry’, ‘Tombstone Blues’ e ‘Desolation Row’ brilham em todo o seu esplendor eletro-acústico, música americana moderna e roots ao mesmo tempo. Não dá pra viver sem.

ROLLING STONES – Let It Bleed (1969)
Entre as obras-primas dos Stones, cada um tem a sua preferida: ‘Beggar’s Banquet’, ‘Sticky Fingers’, ‘Exile On Main Street’, o primeiro de Jagger, Richards e cia. ... Pra mim, nenhum álbum dos caras é tão intenso quanto esse aqui – e sei que notórios fãs da banda na cidade, como o Paulo Moreira e a Kátia Suman tmabém pensam assim. Pra começar, ‘Gimme Shelter’, uma daquelas músicas que, assim como ‘Like a Rolling Stone’, ‘What’s Going On’, ‘Anarchy in the U.K.’ ou ‘Heartbreak Hotel’, merece tese sociológica – e ganhou, pelo scholar Greil Marcus, um dos melhores críticos de rock de todos. Quantos discos já começam com uma pedrada assim? Mas ainda tem a felicíssima versão de ‘Love in Vain’ (Robert Johnson), o bluesão ‘Midnight Rambler’, a hillbilly ‘Country Honk’, a urgente ‘Live With Me’, a super lazy ‘You Got the Silver’ (cantada por um Keith Richards inspiradíssimo no seu jeito eternamente largadão), a emocionante ‘You Can’t Always Get What You Want’, a esperta faixa-título e a bacaníssima ‘Monkey Man’, com sua levada funky afiada. Não é difícil entender por que aqui os caras já sustentavam o rótulo de maior banda de rock do mundo – mesmo com os Beatles, brilhantes e em forma (embora retirados dos palcos), ainda na ativa.

CAPTAIN BEEFHEART & HIS MAGIC BAND – Safe As Milk (1967)
Descoberta recente – recentíssima, aliás. Confesso que só conhecia, do Capitão, o ‘Trout Mask Replica’, seu terceiro disco, de 1969 – ‘Safe’ é o primeiro –, e ainda assim o havia escutado há muito tempo – seguramente mais de década e meia – e numa mixagem horrível, que não o favoreceu (assim como o fato de Beefheart, alcunha do californiano Don Glen Vliet, geralmente ser citado junto a Frank Zappa, um de meus desafetos históricos). Mas com esse relançamento, resolvi encarar, procurando as 19 faixas dessa nova edição na rede. Pois a partir de então, o negócio é o seguinte: como é que pude viver tanto tempo sem esse disco é um dos enigmas que mais me assaltam nos últimos tempos. Captain Beefheart – nesse disco, pelo menos – é seguramente um dos caras mais divertidos e anárquicos de todos os tempos, difícil achar um disco que combine aquele rockzinho de garagem intoxicante a la Troggs, blues de levada suja mas melódica no ponto, como faziam os Stones, vocal cavernoso de bebum à maneira de Tom Waits (aliás, a ordem certa é a inversa), experimentalismos psicodélicos que lembram certos momentos do ‘Sgt. Peppers’ e o bom humor e a anarquia que poderiam ter feito do Zappa um cara (musicalmente) legal se não fosse um virtuose pretensioso. ‘Sure Nuff ‘N’ Yes I Do’, ‘Zig Zag Wanderer’, ‘Call On Me’, ‘Dropout Boogie’, ‘I’m Glad’, ‘Electricity’, ‘Abba Zabba’, ... tão todas no meu paradão particular nos últimos tempos. O álbum foi relançado remasterizado recentemente, e com sete faixas-bônus. É produto altamente tóxico e vicia na hora, como – dizem –, o crack.

Pra encerrar, um esclarecimento que se faz necessário: os Beach Boys, em sua gloriosa fase psicodélica, não entrariam com 'Pet Sounds', mas com uma coletânea que incluísse 'Good Vibrations', 'Heroes and Villains' e naturalmente faixas do álbum supimpa de 1966, além de coisas posteriores e até anteriores, da subestimada fase surf ('Don't Worry Baby', 'California Girls') ou a versão '2 em 1' de 'Sunflower' (1969)/'Surf's Up' (1970) - só que aí adentraríamos a década seguinte e listando compilçaões, o que não é o propósito aqui, que é valorizar os discos de carreira. Pela mesma razão, os Doors ficam de fora: claro que assim como 'Pet Sounds', o disco de estreia de Jim Morrison e cia. é um marco incontestável, mas meu disco preferido do quarteto teria que incluir 'Moonlight Drive', 'People Are Strange', 'Waiting for the Sun', 'Wild Child', 'Love Me Two times', 'The Changeling', ... e nenhum álbum de carreira inclui estas, juntas - CDRs e MP3 fazem (já fizeram) o serviço. E a ideia aqui também não é listar os álbuns mais importantes da história do rock, mas os que pessoalmente me marcaram.

Então, é isso. That's all, folks! Na próxima, os controversos anos 1970 em que vivi a minha infância – e que forjaram um dos maiores times do futebol brasileiro de todos os tempos.

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