quarta-feira, 29 de abril de 2009

Eu e Meu brinquedo (7) – WOODY ALLEN

(Fevereiro de 2006)

Lax: "O Dick Cavett (NOTA: famoso apresentador da TV americana, titular de um prestigiado talk show por mais de 40 anos) me contou, faz pelo menos trinta anos, da noite em que vocês dois estavam no Trader Vic, em Los Angeles, nos anos 60, e você falou para ele no jantar: ‘Não tenho tempo, por mais longa que seja a minha vida, de escrever todas as ideias que tenho’. Você ainda tem um estoque ilimitado?"

Allen: "Eu tenho uma porção de ideias. Ainda tenho a mesma sacola – na verdade, tirei as ideias da sacola porque ela rasgou (ri), mas tenho uma igual. Na sala de montage, ainda levo uma sacola e jogo as idéias lá dentro, e quando chega a hora de fazer alguma coisa viva, viro a sacola em cima da cama e cai um bilhão de papéis de todos os tipos, e eu vejo o que tem ali. É muito chato, e separo os mais promissores. Às vezes, eu vejo um e penso: Ah, este daria uma boa idéia, e faço".

Lax: "Você seleciona as ideias de vez em quando? Joga alguma coisa fora com o passar dos anos? Ou, se entrarem na sacola, é porque valem a pena?"

Allen: "Só jogo as ideias fora depois de realizadas."

...

(Verão de 1972, durante as filmagens de ‘O Dorminhoco’)

Lax: "Tem uma ideia clara do personagem para o qual você escreve?"

Allen: "Não existe nenhuma moldagem consciente do meu personagem. Eu nunca penso: Bom, ele não faria isto. Em boates e filmes, faço o que acho engraçado, e é cem por cento instintivo. Eu simplesmente sei que não daria um tiro num sujeito e colocaria dentro de um freezer. Eu faço só o que faço, e ao que parece o personagem vem à tona. O que fica além disso não significa nada para mim. Só quero ser engraçado. E se além de ser engraçado der pra externar uma opinião, ótimo.Não faço nenhum juízo interior do personagem que vai saindo. Só posso descrever esse personagem em termos do que conheço: contemporâneo, neurótico, mais orientado para a vida intelectual, perdedor, homenzinho, não lida bem com máquinas, deslocado no mundo – essa merda toda. Consigo enxergar uma certa parte, mas no começo nunca pensei: Vou fazer de mim mesmo um perdedor e um homenzinho. Não acho que se possa tentar qualquer coisa. Faz-se, e pronto.Tenho certeza que não há nada calculado no Chaplin, mesmo que as pessoas digam: ‘Pois é, o bigode representa a vaidade, os sapatos grandes demais, isto; o jeito de andar, aquilo’. Tenho certeza que o que ele tinha na cabeça era: Ei, isto aqui vai ser engraçado: vou pôr essa calça larga, esses sapatos grandes, um bigode e vou ficar com cara de tonto.É tão acidental, tão contingente. Ao fazer um filme, muita coisa que se planejava não funciona como se pensava que ia funcionar, e na sala de montagem se fazem novas descobertas o tempo todo. Acho que, se não abre espaço para isso, você se transforma num daqueles diretores de cinema literais, que pegam um roteiro e filmam extamente o roteiro. Não estou dizendo que eu só improviso. Mas a experiência de fazer um filme acontecer quando você faz o filme não é igual à de escrever o filme, enquanto uma peça de teatro é noventa e cinco por cento o texto".

...

(Junho de 1974, logo após o sucesso de ‘O Dorminhoco’)

Lax: “Você está tentando discernir o que o público quer, ou está tentando determinar o que pode dar ao público dentro do seu alcance?”

Allen: “Só não quero sair correndo e fazer roteiros que teria feito dois anos atrás, pois estou tentando seguir em frente e não me repetir, para o meu próprio crescimento. Sempre espero que o público vá gostar do filme, mas jamais posso cair na armadilha de fazer algo que não seja exatamente o que eu quero, só para ser apreciado. Melhor não ser apreciado, mas se for bom. Melhor tentar crescer e falhar de maneira humilhante do que jogar no que é certo ou, pior, fazer troca de favores”.

(Woody Allen, em entrevista ao jornalista/amigo/biógrafo Eric Lax, em ‘Conversas com Woody Allen’, editado no Brasil pela CosacNaify no final do ano passado. Lax acompanha a vida e obra de Allen desde 1971, quando entrevistou-o pela primeira vez para a revista New Yorker, que encomendou um perfil do então cineasta iniciante – ‘Um Assaltante Bem Trapalhão’ e ‘Bananas’ haviam sido ambos lançados dois anos antes -, ex-stand-up comediant, autor de duas peças da Broadway e textos para aprópria New Yorker. Como o perfil demorou demais a sair, a revista cancelou a pauta, mas mesmo assim Lax mostrou o texto para Allen, ganhando sua confiança imediatamente. Em 1991, a Cia. Das Letras publicou a ‘Woody Allen, uma biografia’, também de Lax.)

Woody e Penélope em Cannes: 'Vicky, Cristina, Barcelona' rendeu mais um Oscar para uma atriz dirigida por ele

Nenhum comentário:

Postar um comentário