Primeira marionete anuncia o espetáculo:
- "Senhoras e senhores, temos a honra de apresentar um grande drama social. O espetáculo provará que o erro é sempre punido".
Segunda marionete interrompe:
- "Senhoras e senhores, temos a honra e apresentar uma comédia moral".
- "O que faz aqui?", surpreende-se a primeira marionete.
- "Apresento a comédia", responde a segunda.
- "De jeito nenhum. É comigo", retruca a primeira.
Então, surge a terceira marionete, pondo fim à discussão das outras duas:
- "Senhoras e senhores, não lhes dêem ouvidos. A peça não é nem um drama nem uma comédia. Ela não tem intenção moral e não provará nada. Os personagens não são heróis nem tratantes, são pobres homens como eu e vocês. ele é bom, tímido, não muito jovem e muito ingênuo. Tem uma cultura intelectual e sentimental inferior, de modo que, em seu meio, parece um imbecil. Ela ... é uma moça de charme próprio e a vulgaridade em pessoa. É sempre sincera: mente o tempo todo. O outro ... é o jovem Dédé, e nada mais. E agora, senhoras e senhores, o espetáculo vai começar".
(Introdução de A CADELA, de Jean Renoir. O primeiro grande filme do mestre francês, de 1931, jamais lançado em vídeo caseiro no Brasil, tem Michel Simon em magistral atuação, como Maurice, um caixa de banco que leva sua vidinha medíocre ao lado da neurótica mulher que só faz diminuí-lo, Adele (Magdelaine Berubet). Ele tem um hobby, que exercita entusiasticamente nos finais de semana como forma de fugir do marasmo, que é pintar – algo naturalmente desprezado pela esposa. Um belo dia, ele vê uma garota apanhando de um homem na rua e corre pra socorrê-la. Acaba fazendo amizade com ela, que se chama Lulu (Janie Pelletier), é prostituta, e discutia com seu cafetão, Dédé (George Flamant). Logo ela conhecerá os quadros de Maurice, que apaixonado pela jovem, lhe cederá várias de suas obras, que o casal de vigaristas irá vender a ummarchant, impressionado pela qualidade do trabalho – Lulu agora finge ser uma artista americana, Clara Wood, e o servil Maurice concorda em assinar com o nome da fictícia artista em função do amor doentio que nutre pela meretriz. Retrato magnífico da auto-destruição de um homem talentoso mas que não possui vida própria, ‘La Chienne’, feito um ano antes de um dos maiores clássicos da filmografia de Jean Renoir, ‘Boudou Salvo das Águas’ – também com o grande Michel Simon no papel principal –, foi refilmado em 1945 por Fritz Lang nos Estados Unidos em clima de film noir como ‘Scarlet Street’ e o excelente Edward G. Robinson no papel do perdedor e a bela Joan Bennett no da esperta femme fatale. O filme de Lang está disponível nas locadoras com o título de ‘Almas Perversas’. É bom, mas não chega aos pés de ‘La Chienne’.)
O inocente Maurice corteja a golpista Lulu: retrato da paixão obsessiva e do auto-aniquilamento, 'A Cadela' é o primeiro grande filme de Jean Renoir
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